Nazir: "Al-Qaeda e os Talibã são a mesma coisa. Estratégias diferentes no plano operacional, no político somos coesos”

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Talibã e al-Qaeda: Amigos em armas (1/2)* Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online 4/5/2011

WANA, Waziristão Sul – No difícil debate sobre quem é bom e quem é mau, o Paquistão tem apresentado Nazir Ahmed, associado à al-Qaeda, como modelo de “bom Talibã”.

Do outro lado da fronteira, no Afeganistão, a história é diferente: chefe da tribo wazir da área tribal do Waziristão Sul do Paquistão, Nazir Ahmed é visto pelos exércitos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) como “o pior dos inimigos”, acusado de ser o cérebro dos mais devastadores ataques que a OTAN tem sofrido na província Paktika; e como o mais bem sucedido recrutador de soldados para os Talibã nas províncias de Zabul e Helmand.

Apesar disso, a OTAN e os EUA, que insistem num processo de reconciliação com os Talibã, ainda repetem que Nazir seria agente do “campo do bem” dos Talibã, disposto a fazer algum acordo com o Ocidente. Dificilmente poderiam estar mais distantes da realidade.

Nazir, 36, também conhecido como Mullah Nazir ou Maulvi Nazir, falou ao jornal Asia Times Online, na primeira entrevista de sua vida a organização independente de mídia (antes, só falara ao jornal al-Sahab, da al-Qaeda[1]). Vê-se desde logo que, sim, a al-Qaeda preparou uma nova geração de comandantes. Nazir, hoje, avalia toda e qualquer questão pelos critérios ideológicos e estratégicos da al-Qaeda.

Nazir comanda o Waziristão Sul e partes também da província Paktika do outro lado da fronteira –, e nessas regiões sua palavra é lei. Até o ano passado, era proprietário de terras na província de Kandahar, núcleo do território dos Talibã no Afeganistão.

Exceto em raríssimas circunstâncias, Nazir nunca se opôs à presença do exército no Waziristão Sul. Tampouco jamais se intrometeu no governo apoiado por Islamabad na importante cidade de Wana, exceto quando o governo, ali, se intrometeu diretamente em questões internas dos Talibã. Manteve-se neutro durante as grandes operações dos militares paquistaneses, em 2009, contra o grupo Tehrik-e-Taliban Pakistan (Talibã no Paquistão).

Em 2007, comandou o massacre de membros do Movimento Islâmico do Uzbequistão, anti-Paquistão, no qual morreram pelo menos 250 uzbeques e centenas foram expulsos de onde viviam no Waziristão Sul, depois que fugiram do Afeganistão quando da queda do governo dos Talibã em 2001.

Do Waziristão Sul, sua rede estende-se para o sudoeste do Afeganistão, incluindo as províncias Paktika, Zabul, Helmand, até Kandahar. Semelhante a essa, a rede comandada por Sirajuddin Haqqani tem base no Waziristão Norte, de onde controla a maior rede anti-Coalizão do sudeste afegão (províncias de Paktia, Khost, Ghazni, até Kabul).

Os aviões-robôs pilotados à distância, os drones, da CIA, já várias vezes caçaram Nazir, e ele foi ferido num ataque em 2008. Atribui o sucesso, até agora, de sempre conseguir escapar dos ataques da CIA ao fato de não se deixar ver em público.

Extremamente leal ao líder Talibã Mullah Omar e a parte do Talibã afegão, Nazir começou como guerrilheiro Talib convencional, seguidor do ideário populista de todo o movimento Talibã.

As mudanças começaram em 2006, quando Nazir, como vários outros, entre os quais Sirajuddin Haqqani, entraram em contato direto com a al-Qaeda e deram-se conta de que teriam de transformar sua luta de guerrilha antiquada, para por fim à drenagem de recursos humanos vitalmente importantes, sem qualquer resultado objetivo. Daí em diante começou o processo de garantir melhor treinamento técnico e estratégico aos soldados que Nazir comandava, mudança que rapidamente começou a gerar recompensas.

No Afeganistão, se um comandante tribal mantém-se limitado exclusivamente a relações com os Talibã, jamais terá espaço para destacar-se, porque os Talibã só oferecem baixo número de combatentes e minguados recursos financeiros. Mas se um comandante tribal alia-se à al-Qaeda, imediatamente surgem oportunidades para operações conjuntas com os altos comandantes árabes regionais, pelos quais fluem os recursos financeiros para as grandes operações.

Além disso, facções laterais das organizações jihadistas paquistanesas, como Jaish-e-Mohammad, o movimento Laskhar-e-Taiba e os Harkatul Mujahideen também são fonte inesgotável de combatentes, nas quais todos os comandantes associados à al-Qaeda podem abastecer-se.

Tudo leva a crer que OTAN e EUA não se tenham dado conta de que Nazir é membro destacado da al-Qaeda, agora que investem tão decididamente num chamado “processo de reconciliação” com a ala considerada “dos Talibã bons”. Tampouco parecem ver com clareza entender as mudanças dramáticas que ocorreram nos altos quadros dos Talibã.

“Somos favoráveis a conversar com os estadunidenses. Mas agora não é hora de conversar com eles” – disse Nazir, medindo atentamente as palavras. – “Por hora, os estadunidenses querem espaço para respirar. Não nos interessa que respirem muito. No presente momento, não há qualquer condição para dialogarmos. Só será possível dialogar depois que as forças da OTAN se retirarem do Afeganistão” – disse ele, com um sorriso.

“E depois da retirada, o que haverá para discutir com a OTAN?” – Nazir continuou, em tom retórico. – “Depois de a OTAN ter-se retirado do Afeganistão, poderemos discutir os pontos em que os Talibã terão direito garantido de perseguir seus próprios objetivos em todo o mundo ou, no caso de interessar à OTAN limitar alguns desses direitos, poderemos discutir também os tratados que terão de ser assinados, para que a convivência seja possível”.

A frase colheu-me de surpresa, vinda de um Talibã que não é visto no Ocidente como comandante jihadista global, mas como mero soldado guerrilheiro que luta contra a ocupação no Afeganistão. E disse eu: “Atacar alvos no exterior, no Ocidente, pode ser agenda da al-Qaeda, mas nunca foi agenda dos Talibã. Assim sendo, por que o senhor imagina que o Ocidente negociaria com os Talibã?"

“Al-Qaeda e os Talibã são uma e a mesma coisa. Temos estratégias diferentes no plano operacional, mas no plano político somos absolutamente coesos” – respondeu Nazir, e surpreendeu-me ainda mais.

“Mas o senhor é considerado anti-al-Qaeda. O senhor expulsou o Movimento Islâmico do Uzbequistão [ligado à al-Qaeda], do Waziristão Sul. Nazir ficou sério e pareceu tenso, mas num segundo acalmou-se e respondeu com voz firme: “Não sou anti-al-Qaeda. Erra quem diz isso. O que aconteceu entre meu grupo e os uzbeques foi resultado de disputas internas, de diferenças internas. Nunca fiz o que fiz por ter sido forçado a agir, por seja quem fosse.”

Nazir contou que, depois da morte do líder do Movimento Islâmico do Uzbequistão, Tahir Yuldashev, morto num ataque de aviões-robôs em 2009, os novos comandantes uzbeques e Nazir voltaram a ter boas relações, conversaram e acertaram suas diferenças.

“No fim das contas, todos somos mujahideen e a jihad é uma só e não ficará confinada só ao Afeganistão. Vai seguir um longo caminho. Os monarcas e ditadores do mundo árabe são usurpadores. As demonstrações de massa contra eles são manifestações pró-democracia, mas também podem beneficiar os mujahideen. A situação melhorou muito rapidamente a nosso favor, e os mujahideen do Afeganistão reunirão forças com todos os povos árabes.” – E completou: – “O primeiro local para onde já decidimos enviar nossos combatentes é o Iêmen”.

Tentei insistir na questão da reconciliação com os Talibã: “Os jornais têm falado muito sobre um escritório oficial de representação dos Talibã na Turquia e sobre questões em torno das quais já haveria acordo” – disse eu.

Nazir respondeu: “Sou um pequeno mujahid [combatente, guerrilheiro]. Sei pouco de política, mas uma coisa sei com certeza: que a OTAN não tem qualquer boa intenção quanto ao futuro dos Talibã. Esse tipo de escritório de representação [na Turquia] é conspiração, tentativa de deter a rede e paralisar os padrões de alta mobilidade dos Talibã. Sou mujahid pequeno, comandante pequeno, digamos assim, mas posso dizer com autoridade, no campo sobre o qual posso falar, que nenhum comandante fiel ao Mullah Mohammad Omar jamais cairá nesse tipo de armadilha, nem qualquer dos combatentes de campo. Todo o movimento está unido, de cima a baixo, na direção de rejeitar esse processo de diálogo” – disse Nazir. E acrescentou: “As grandes potências sempre se põem a fazer contorcionismos políticos, quando veem que a vitória militar é impossível”.

“Quando os soviéticos viram que não alcançariam vitória militar no Afeganistão [no final da década dos 1980s], procuraram alianças com os senhores-da-guerra, mas nem isso salvou-os da derrota” – disse Nazir.

Minha visita ao Waziristão Sul coincidiu com a declaração, pelos Talibã, de que em breve se iniciaria a ofensiva anual da primavera. Perguntei se havia já delineada alguma nova estratégia para esse ano.

“Diálogo” – disse Nazir, sorrindo.

“Diálogo com quem?” – insisti.

“Já abrimos diálogo com o Milli Urdu [Exército Nacional Afegão]. Diálogo em vários níveis. Temos estratégia nova esse ano, que tudo faremos para implantar com sucesso, segundo a qual nenhum afegão matará afegãos, a menos que seja inevitável”.

“Vocês estão conversando com o ministro da Defesa ou com o ministro do Interior do Afeganistão?” – perguntei.

“Não, não há qualquer contato com líderes do campo político. A comunicação está acontecendo exclusivamente entre os comandantes de campo, dos dois lados. Antes de vir até aqui para encontrá-lo para essa entrevista, fui avisado de que um importante comandante do exército afegão quer falar comigo. A única coisa que temos a dizer a eles é que se afastem e nos deixem combater os estrangeiros. Até agora, eles têm concordado. Vez ou outra, até facilitam os contatos” – disse Nazir.

Perguntei sobre a antiga Aliança do Norte, o bloco no norte do Afeganistão que fez feroz oposição ao regime Talibã, acompanhando os esforços de paz internacionais.

“Estavam todos muito entusiasmados, mas os Talibã deixaram bem claro que eles também teriam de fazer alguns sacrifícios... e eles desistiram.” Nazir acrescentou que vários altos comandantes da Aliança do Norte procuraram discutir algum acordo de futuro político com os Talibã.

“Incluíram todos os comandantes de [província do norte] Panjshir, até Martial Fahim. Apareceram com uma fórmula, pela qual reconheceriam qualquer governo chefiado por Mullah Mohammad Omar, no qual recebessem o segundo maior número de pastas. Aceitamos tudo, dissemos que nada tínhamos contra dar-lhes posições ministeriais, mas que, antes de receber os novos ministérios, teriam de renunciar aos cargos de gabinete que exerciam e unir-se aos Talibã na luta contra a ocupação estrangeira. Foi quando desistiram de tudo” – disse Nazir.

“Mas não foi a única oferta de paz” – Nazir continuou. Temos recebido propostas de paz das forças estrangeiras, também por vias extraoficiais. Ano passado, o exército britânico, na província de Helmand, disse aos Talibã que todas as grandes operações eram executadas pelos estadunidenses e que, se nós não atacássemos os britânicos, os britânicos não nos atacariam.”

Eu estava pronto para pedir-lhe que discorresse sobre essa informação, quando Nazir convidou-me para almoçar: “Venha sentar-se conosco, e almoçamos juntos”. Entendi como forma polida, mas irrevogável, de dar por encerrada a entrevista.

[1] Essa matéria pode ser lida, em inglês, aqui (8/5/2009). *NOTA do original: Esse artigo foi escrito antes da morte de Osama bin Laden, dia 2/5/2011 Parte 2/2: “Andanças pelo Waziristão Sul” (ainda não publicado)

 

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