Era só uma criança levada que foi coagida por médicos e policiais a mentir

Escrito en BLOGS el

Outra denúncia que o Secretário de Segurança do Rio de Janeiro deve investigar e tomar providências cabíveis. O laudo do IML sobre o ferimento do menino afirma que este não foi provocado por bala, confirmando o relato da mãe da criança. Torço para que os ativistas de Direitos Humanos fiquem de olhos bem abertos para proteger os moradores das áreas ocupadas por policiais que ainda estão longe de comportamento exemplar. Temo por eles, suas denúncias põe descoberto o discurso de que esta ocupação no morro está sendo realizada respeitando-se a lei.

Para conhecer outras graves denúncias dos moradores acesse aqui e aqui

BOATO COM CARIMBO OFICIAL: Policiais coagiram menino a inventar que foi baleado por traficantes Por: Antero Gomes: no Extra 04.12.2010

Alcione e o filho - Gustavo Azeredo Assista à entrevista com a mãe do menino

Nem herói nem bandido. Quando questionado sobre o que quer ser quando crescer, o menino P., de 10 anos, diz sem pensar duas vezes: “quero ser trabalhador”. É o desejo simples e sincero de um jovem morador da favela do Jacarezinho que, no último dia 27, transformou-se em personagem do maior boato criado no rastro de ataques de traficantes no Rio. O Brasil acreditou que o menino fora baleado por traficantes ao se recusar a incendiar veículos. Era mentira. E o pior: uma mentira com carimbo oficial.

Vergalhão ou bala? O boato começou a se construir, na madrugada daquele sábado, no setor de atendimento do Hospital do Andaraí. P. chegou à unidade acompanhado da mãe, a dona de casa Alcione, de 31 anos. Numa traquinagem típica da sua idade, o garoto subiu numa moto, o veículo deu um tranco, e P. caiu sobre ferros de uma churrasqueira. Um vergalhão fez um corte em sua perna esquerda.

A história poderia ter terminado por aí. Mas, os policiais e os médicos que atenderam P., ignoraram a versão da mãe e optaram por levantar uma outra hipótese: a de que o ferimento na perna fora provocada por um bala disparada por arma. No Boletim de Atendimento Médico (BAM), o médico colocou a sigla PAF (perfuração por arma de fogo), seguida de dois pontos de interrogação. Por causa da suspeita, a equipe médica convocou policiais.

— Os PMs do hospital começaram a tratar a gente como bandido. Foi uma humilhação — relembra Alcione.

‘Estou com medo dos policiais’ A versão contada por P. na 25 DP transformou o garoto em herói da resistência. No dia seguinte, um domingo em que a população continuava assustada com os atentados, boa parte da imprensa procurava o menino que desafiara o tráfico do Jacarezinho.

Alcione, a mãe, conta que chegou a procurar a TV Record para denunciar o caso. Foi até a porta da rede de televisão, falou com um repórter e contou a verdadeira história daquela madrugada:

— O repórter pegou meu telefone, falou que ia me ligar, mas isso nunca aconteceu.

O EXTRA encontrou P. e a mãe, na última quarta-feira. O garoto estava arredio. A reportagem propôs acompanhar os dois novamente ao hospital e à delegacia, a fim de pegar cópia do BAM e um memorando de encaminhamento para exame de corpo de delito, que ainda não tinha sido feito no IML.

Nas proximidades da DP, P. pediu para ficar no carro.

— Estou com medo dos policiais — explicou ele.

O menino ferido e a mãe foram conduzidos à 25 DP (Engenho Novo), onde a mentira ganhou contornos oficiais. A mãe manteve a versão de que o filho havia se ferido com vergalhão, mas o menor, que havia sido pressionado pelos PMs ainda no hospital, contou outra história.

— Os policiais (militares) ameaçavam matar meus pais se eu não falasse o que eles queiram — conta P..

Acuado, o menor falou o que os policiais queriam ouvir. E assim, surgiu o boato do traficante. Tudo poderia ter sido esclarecido com uma perícia. Mas ela só feita 7 dias depois, a pedido do EXTRA, que investigava o boato. Eis a verdade dessa mirabolante história:

— Definitivamente, o ferimento não foi provocado por bala — conclui o perito e diretor do Instituto Médico Legal (IML), Sérgio Simonsen.

Investigação sobre conduta de policiais O Hospital do Andaraí informou que, pela Lei das Contravenções Penais, todo tipo de trauma e acidente que dá entrada nas unidades federais de saúde sob suspeita de agressão ou violência deve ser comunicado à autoridade policial — independentemente de ser tiro — para fazer exame de corpo de delito.

“Diante das características do ferimento na perna (semelhante a orifícios de entrada e de saída) foi questionada pelo médico responsável a hipótese de ter sido causada por projétil. Mas, em nenhum momento, o documento confirma ou valida a hipótese”, informou o hospital.

O tenente-coronel Luiz Octávio, comandante do 6 BPM (Tijuca), disse que o caso será investigado já neste fim de semana.

Perícia Segundo o diretor do IML, Sérgio Simonsen, o ferimento que foi cogitado pelo médico do Andaraí como sendo o de entrada de uma possível bala tinha uma cicatrização de mais de sete dias. Além disso, Simonsen ressalta que o raio-x mostrou que a perfuração seguiu somente até um certo ponto da perna. Ou seja: o objeto que feriu o menino entrou, mas não saiu. — Se fosse ferimento a bala, o projétil teria que estar lá. Se o raio-x mostra que o objeto foi até um certo ponto, é difícil de confundir — avalia perito judicial e cirurgião Movses Parseghian.