Estadão, a imprensa tucana e seu explícito discurso machista e anti-petista

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Luna de Oliveira Sassara e João Feres Júnior analisando 7 capas do Estadão em artigo publicado no Manchetrômetro mostram como a mídia brasileira é partidarizada. O Estadão é escancaradamente tucano e anti-petista.

"Uma imagem vale mais...": O impeachment nas Capas do Estadão Por Luna de Oliveira Sassara e João Feres Júnior, Manchetrômetro

A equipe do Manchetômetro produz análises diárias da cobertura da política e da economia nacional desde 2014. Em nosso site, disponibilizamos gráficos e artigos que utilizam como fonte extensa base de dados sobre o conteúdo publicado pela grande mídia brasileira. Nossas pesquisas, no entanto, levam em consideração apenas os elementos textuais das páginas de jornal. No caso das capas, levamos em conta somente manchetes, lides e textos-chamada. Há um importante elemento constitutivo das capas que acaba por ficar de fora: as imagens. Neste boletim adotamos metodologia distinta. Integramos à análise a consideração de aspectos não verbais presentes nas capas das edições do jornal O Estado de São Paulo, em especial as que dizem respeito ao processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff e ao governo do presidente interino Michel Temer.

A capa de 12 de maio do jornal O Estado de São Paulo, dia que sucedeu a votação da admissibilidade do processo de impeachment no Senado e consequente afastamento provisório da presidente Dilma Rousseff até o julgamento do processo, é inteiramente ocupada por uma imagem em preto e branco de Michel Temer. Na foto, tirada no gabinete da Vice-Presidência, Temer aparece sentado com as mãos sobre a mesa, olhando para a câmera com um sorriso discreto e ares de nobreza. A edição especial teve 40 páginas dedicadas ao assunto. A manchete, não surpreendente, diz “A chance de Temer”. É o lide que impressiona: “Vice de Dilma assume a Presidência da República com o desafio de superar uma crise histórica e encerrar a era do PT no poder”.

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A opção de leiaute de colocar uma só foto ocupando todo o espaço da capa, claramente com intenção de alto impacto no leitorado, é muito raramente empregada pelo Estadão. Foi utilizada pela última vez em 14/03/2016, para mostrar as manifestações que pediram o impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Naquela ocasião, abaixo do cabeçalho, havia apenas uma imagem do alto mostrando a Avenida Paulista tomada por manifestantes. É possível ver com destaque dois bonecos infláveis de Lula e Dilma, uma faixa verde e amarela com a palavra impeachment e um pato inflável da campanha contra o aumento de impostos encabeçada pela Fiesp cujo nome é “Não vou pagar o pato”. O jornal marca com essa opção estética dois eventos fundamentais para o processo de impeachment da presidente — a passeata de março de 2016 e a posse de Temer como presidente interino – e imprime a eles um tom de comemoração. O uso da expressão “encerrar a era do PT”, como um desafio que o presidente interino terá a chance de superar, parece mais um desejo da editoria do jornal do que um argumento jornalístico baseado em evidências concretas, ou talvez alguma inside information que o jornal não se digna a tornar pública.

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Abaixo da grande imagem, há três textos-chamada. “A votação no Senado e o novo governo” é o tema das páginas A4 a A22. “Da euforia à crise, os 13 anos da era PT” convida o leitor a visitar as páginas A25 a A43. O mais impressionante deles é o texto-chamada para o editorial do dia: “Retorno à irrelevância”. Dado que o sujeito da frase não está explícito, e levando em consideração o contexto no qual aparece, o título parece fazer referência ao Partido dos Trabalhadores. Bom, o PT forma a terceira maior bancada na Câmara dos Deputados estando atrás somente dos blocos PP/PTB/PSC e PMDB/PEN, é o terceiro partido com o maior número de senadores, e o segundo maior em número de filiados. Ou seja, tal irrelevância revela novamente muito mais o desejo dos editores do que a realidade. No mais, o implícito prognóstico acerca do afastamento parece bastante antecipado, tendo em vista que, mesmo fora do governo, Dilma Rousseff continua a ser a presidenta eleita pelo menos até que seja definitivamente julgada pelo Senado, o que ocorrerá nos próximos meses. Se levarmos em consideração que a mudança de voto de 2 senadores é suficiente para mantê-la na presidência até 2018, concluímos ser no mínimo temerário para um jornal que preza a qualidade profissional de seu trabalho apostar tão firmemente no alijamento definitivo do PT do governo.

No texto do editorial, contudo, fica explícito que a irrelevância diz respeito a Dilma e a Lula: “[…] Dilma só se tornou importante por ter arruinado o País. Começa a voltar, agora, para sua irrelevância. O mesmo ainda acontece com Lula […]”. Devido à ausência de pesquisas de popularidade de Dilma – as últimas remontam a abril passado -, seria muito difícil avaliar a opinião da população no que diz respeito a seu futuro político, ainda que a série histórica permita uma posição cética. Já em relação a Lula a realidade é bem diversa. Pesquisa realizada pela CNT/MDA divulgada no dia 8 de junho aponta que o ex-presidente venceria o 1º turno das eleições presidenciais de 2018 em todos os cenários¹. Mais uma vez, não há base empírica para apontar a irrelevância, há somente o desejo do jornal.

No dia seguinte à posse do interino, 13 de maio, a manchete e seu lide trataram do primeiro pronunciamento de Temer como presidente: “Ao assumir governo, Temer prega união e ‘democracia da eficiência’” e “Em pronunciamento, presidente em exercício declara respeito institucional a Dilma e afirma que Lava Jato ‘não será enfraquecida’”. Abaixo, uma grande foto com a seguinte legenda, bastante descritiva: “Nova equipe. Aécio Neves, Romero Jucá, José Serra, Michel Temer, Henrique Meirelles e Mendonça Filho, após cerimônia de posse de ministros”. Temer aparece no centro, em primeiro plano, e os outros personagens encontram-se de um lado e de outro. Logo abaixo, em imagem cujo tamanho corresponde a um quarto da primeira, vê-se Dilma em seu discurso de saída, falando ao microfone, de olhos cerrados e cenho franzido, com uma expressão – e aqui peço licença para fazer uso de um coloquialismo – típica de quem acabou de bater o dedinho do pé na quina da mesa. Atrás, Lula em segundo plano, de olhos fechados e cabisbaixo, apoia o rosto em uma das mãos.

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O leitor mais crítico poderá, com razão, argumentar: oras! É natural que Lula e Dilma sejam representados como “perdedores”, tendo em vista que acabaram de sofrer uma derrota política. Pois bem. Façamos, então, um exercício comparativo consultando as capas dos dias que se seguiram ao resultado definitivo das duas últimas eleições presidenciais, com especial atenção à representação dos candidatos derrotados.

A manchete do dia 1º de novembro de 2010, dia seguinte à vitória de Dilma Rousseff, foi ilustrada com uma foto de Dilma sorrindo e fazendo um sinal de positivo, com o polegar para cima de uma das mãos, ocupando metade da página. A manchete, no entanto, diz: “Vitória de Lula”. Na legenda, lê-se: “Com 55% dos votos, Dilma Rousseff (PT) é eleita a primeira mulher presidente do Brasil; Serra diz que batalha foi desigual”.

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Aparentemente, a vitória da primeira mulher presidente do Brasil não foi um evento suficientemente relevante para ocupar a primeira página inteira do jornal. Mas a posse de um presidente interino, produto de um processo de impeachment escandaloso, dirigido por políticos acusados de alta corrupção, só para ficar nos presidentes das casas legislativas, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, sim. Tampouco mereceu a primeira mulher eleita presidente que seu nome estivesse escrito na manchete. José Serra, o candidato derrotado, aparece em uma imagem pequena abaixo, acenando e sorrindo, apesar da expressão cansada. Na legenda, a descrição da imagem: “Hora H. Serra chega para votar: candidato levou os netos para a cabine”. Do lado esquerdo da imagem, o texto-chamada diz “O derrotado. Serra afirma que ‘alternância de poder faria bem'” e do lado direito, “A oposição. PSDB e DEM ampliam força nos Estados”.

Em 27 de outubro de 2014, após a reeleição de Dilma Rousseff, uma grande foto de Dilma e Lula abraçados e sorridentes ilustra a manchete “Reeleita com 51,6%, Dilma propõe plebiscito para reforma política”. Abaixo, uma foto menor mostra Aécio Neves, o candidato derrotado, em frente à bandeira do Brasil, sorrindo e com as mãos unidas em sinal de agradecimento. Ao seu lado, vê-se sua esposa Letícia Weber em segundo plano. A legenda diz: “Discurso. ‘Combati o bom combate'”. Do lado direito da tela, o texto-chamada diz “Fortalecido no PSDB, Aécio pede união do País”.

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Como podemos ver, ao contrário de Dilma e Lula no dia que se seguiu à aceitação do impeachment pelo Senado, os derrotados nas últimas eleições foram apresentados de maneira bastante respeitosa e digna, até mesmo benevolente.

Antecipando mais uma vez a crítica de nossos leitores, vamos nos adiantar e reconhecer a imperfeição do evento escolhido para a comparação, já que o processo de impeachment impõe, por si, desgaste maior à figura pública que o sofre que uma derrota eleitoral. Pois bem, façamos, então, uma comparação com o afastamento provisório de Fernando Collor de Mello, que foi retirado da presidência pelo mesmo dispositivo constitucional.

No dia 2 de outubro, dia em que ocorreu a votação de admissibilidade do processo no Senado, a manchete do Estadão revela que Itamar assumirá naquele dia sem o PMDB. Na foto, Itamar e seus ministros. Em matérias secundárias, uma foto de Maluf ilustra notícia sobre as eleições municipais; em outra, Lula e Quércia, lado a lado, ilustram matéria declarando que PT e PMDB estarão fora do governo Itamar.

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No dia 3 de outubro, dia seguinte ao afastamento, duas imagens ilustram a manchete “Ministério de Itamar decepciona”: em uma delas, Collor, impávido, olha para seu relógio de pulso ao saber que será afastado; na outra, Itamar é abraçado pelo senador Dirceu Carneiro, de quem recebeu o cargo de presidente interino. A comparação revela dois aspectos diferentes das duas abordagens: Itamar Franco definitivamente não foi recebido com o mesmo entusiasmo que Temer, e, como já havíamos descoberto nos exemplos acima, os derrotados não costumam ser representados de maneira humilhante ou depreciativa, a não ser que eles sejam Dilma, Lula ou do PT.

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Neste breve exame, alguns aspectos importantes da cobertura política feita pelo jornal O Estado de São Paulo ficam salientes. Em primeiro lugar, o vistoso entusiasmo com que o governo de Michel Temer foi recebido. Em segundo, algo que já está muito claro para quem acompanha seus editoriais, o absoluto desprezo que o jornal nutre pela figura de Dilma Rousseff, e o ódio que propaga pelo ex-presidente Lula e seu partido, o PT, não se restringe apenas aos textos de opinião: uma leitura mais atenta deixa esses sentimentos bastante explícitos já nas capas.

¹ Pesquisa disponível em:  CNT