Fabricio Vasselai: É o marco regulatório sobre as comunicações, Estúpido!

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Excelente análise de Fabricio Vasselai em seu blog Politicando. Agradeço à @srtaBia por me apresentar o blog do Fabricio, passei a manhã por lá lendo ótimos textos.

PS. Eu só teria um adendo a fazer ao texto do Fabrício: esclarecer o que chamamos de 'golpismo midiático'. Para saber o significado e contexto da expressão consulte, por exemplo, posts como esse aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Particularmente, acho que grupos da extrema-direita representados na mídia velha que fizeram painéis com militares de pijama só não dão o golpe porque não tem força política, porque bem que desejariam dar.

Lula a imprensa e as eleições de 2010

Por: Fabrício Vasselai em seu Blog

Nos últimos dias, a campanha eleitoral de 2010 vem subindo de tom de modo surpreendente. Mas não entre os candidatos Dilma Rousseff e José Serra, e sim entre o presidente Lula e a genericamente chamada “grande imprensa”, ou “velha mídia”. Dia desses, durante comício, o presidente Lula acusou com todas as letras parte da grande imprensa de ser parcial, tendenciosa, ter candidato sem assumir, agir como partido político. E daí, disse que ela teria de ser também vencida nas urnas. Chegou a se referir nominalmente à revista Veja, utilizando-se porém do apelido irônico bastante comum na internet: revista “Óia”. Por sua vez, a candidata Dilma Rousseff também entrou no clima ao apresentar os documentos que desmentiam crítica da Folha de São Paulo a contratos que Dilma fizera quando secretária municipal de Porto Alegre. A candidata disse nominalmente que a Folha fizera reportagem de má fé, parcial, omitindo os documentos públicos que desmontariam facilmente as críticas do jornal.

É certo que as reações públicas e abertas de Lula e Dilma fazem parte do contexto eleitoral em que começaram a surgir denúncias contra a candidata todos os dias, o tempo todo. Foram denúncias na mídia contra quebras de sigilo na Receita Federal que poderiam talvez estar ligadas à pré-campanha de Dilma em 2009, denúncias de corrupção contra os filhos da sucessora de Dilma no Ministério da Casa Civil, matérias sobre os contratos assinados por Dilma quando ocupou cargos na prefeitura de Porto Alegre e no estado do Rio Grande do Sul, críticas a decisões tomadas por ela no Ministério de Minas e Energia já no governo Lula, entre outras. Tudo de repente, a poucos dias do primeiro turno das eleições, e no ritmo de uma denúncia por dia. Enquanto, por outro lado, grandes veículos de comunicação não davam nenhuma notícia sobre José Serra: não iam investigar as denúncias que existem contra ele nas suas administrações à frente da cidade e do estado de São Paulo, e de quando era Ministro da Saúde. Nenhuma repercussão sobre as suspeitas de ligação mafiosa da filha de Serra na venda de sigilos fiscais dos brasileiros, ou sobre o misterioso tucano que sumiu com R$ 4 milhões da campanha tucana, dinheiro que iria supostamente para caixa 2. Mas os debates sobre o posicionamento parcial da grande imprensa não foram exclusividade de Lula e Dilma. A própria ombudswoman da Folha, contratada pelo jornal para analisar e criticar o próprio jornal, acusou uma cobertura jornalística muito assimétrica. Colunistas do UOL/Folha, como Josias de Souza flertaram com o tema. Cláudio Lembo, do partido oposicionista Democratas, ex-governador de São Paulo e que foi vice do tucano Geraldo Alckmin, disse que a mídia deveria assumir que tem lado e candidato, que defende efetivamente uma candidatura. Outros colunistas e analistas divulgaram textos com o mesmo pensamento, inclusive no Blog do Noblat – sabidamente simpático às candidaturas não petistas. Fora citar o já clássico discurso da presidenta da Associação Nacional de Jornalismo, quando tempos atrás afirmou literalmente que cabia à imprensa fazer oposição ao governo, já que a oposição partidária que Lula vinha tendo era tão fraca. Mas as críticas duras e abertas feitas por Lula tomaram uma dimensão enorme. Por um lado, movimentos sociais e grupos sindicais organizaram um protesto contra a parte da mídia que acusam de ser manipuladora e até golpista. Por outro, jornalistas e comentaristas de inúmeros meios de comunicação condenaram duramente o discurso de Lula como sendo uma demonstração de autoritarismo, uma ameaça à liberdade de imprensa. E gente como Reinaldo Azevedo, da Veja, e Merval Pereira, do Globo, foram participar de um debate sobre “democracia ameaçada’, no famoso Clube Militar do Rio de Janeiro. De minha parte, caro leitor, creio que seja necessário jogar água fria na fervura e ir mais devagar. Por um lado, é evidente que a crítica que se está fazendo a Lula é absolutamente desonesta: não há nenhuma ameaça à liberdade de imprensa no fato de alguém ou alguma autoridade criticar a imprensa. Ou estariam os jornais, revistas e emissoras acima da crítica? Liberdade de imprensa é um bem apenas tão fundamental quanto a liberdade de expressão. E vejam: nos EUA, os candidatos democratas batem na imprensa próxima dos republicanos e os candidatos republicanos batem na imprensa próxima dos democratas sem dó nem piedade. Críticas públicas muito mais duras que as de Lula e o candidato democrata Obama chegou a recusar participar de algumas entrevistas e de debates organizados por exemplo pela Fox, rede declaradamente simpatizante dos republicanos. E não consta que a imprensa brasileira ou os intelectuais brasileiros considerem alguma vez que a democracia dos EUA esteve em risco. Por outro lado, é preciso tomar cuidado com a crítica que se faz na internet contra o que seria uma “imprensa golpista”. Uma coisa é acusarmos os veículos de comunicação de parciais, desonestos por não admitirem sua vinculação óbvia e conhecida com a candidatura Serra. Uma coisa é acusar a imprensa de fazer uma cobertura jornalística desbalanceada, ou até mesmo de inventar notícias falsas, como no caso da tal ficha policial da Dilma, inventada pela Folha de São Paulo. Outra, é chamar de golpista. Esse tipo de maniqueísmo não ajuda, só atrapalha: é ótimo para que os simpatizantes de Lula façam piadinhas como a sigla “PIG”, o “partido da imprensa golpista”. Mas quando vai além de uma piadinha, é tolice. A grande imprensa no Brasil, que já foi efetivamente apoiadora da ditadura anos atrás, por enquanto não defende golpe algum. Quer na verdade interferir nos resultados eleitorais da semana que vem, assim como toda a imprensa do mundo tenta influenciar e interferir nas escolhas dos eleitores, em favor de seus candidatos preferidos, dos modos mais baixos que se possa imaginar. Nos EUA e na Europa também é assim. A diferença está no que Lula reclamou: a imprensa no Brasil deveria ser mais honesta e declarar publicamente seu apoio. Mas declarar mesmo, não esconder isso em um editorial insignificante e que ninguém lê como pelo menos já chegou a fazer o Estadão. É declarar a todo tempo e deixar claro todo o tempo, abertamente, que apóiam Serra. Como fazem os veículos de comunicação nos EUA e em outros países. Algumas pessoas costumam rebater: ah, mas nesses países, há imprensa que beneficia aos dois lados e, aqui, não. Verdade. Mas isso não problema das empresas que já existem: é problema nosso, quanto país e quanto sociedade, que devemos então discutir como fazer surgir novas opções para aumentar a diversidade. Nossa imprensa precisa do surgimento de novos atores: mais jornais, mais revistas, mais emissoras de TV e de rádio para competir com os que já existem. Em nível nacional, mas também regional. E aí entramos nas 2 grandes brigas de fundo que há nessa história toda, e que usam a eleição de 2010 apenas como um primeiro campo de batalha. A primeira: o Brasil terá de rever, no futuro próximo, suas leis que regem o setor econômico das comunicações. A legislação é da década de 1960, quando mal existia TV bem estabelecida no Brasil, imagine então internet. Uma das decisões que se debate há algum tempo, por exemplo, é se faz sentido continuar proibindo a entrada de capital estrangeiro no setor de mídia: é praticamente o único setor em que ainda se proíbe esse capital de investir. E sua entrada poderia fazer surgir mídias concorrentes. Outra questão é como alterar as regras do setor de imprensa de modo que se facilite o surgimento de novos veículos. Nesses assuntos, é claro, a mídia de hoje prefere ter no poder o candidato que apóia para tentar influenciar mais sobre os rumos que a coisa toda vai tomar. Especialmente quando, sabe-se, a discussão dessas mudanças todas está em vias de ser feita pelo governo e Congresso. A segunda grande briga por trás do Lula vs. Imprensa está no interesse assumido de Lula e do futuro governo Dilma em criar órgãos de fiscalização da mídia e regulamentações sobre os direitos de resposta já que a antiga lei de imprensa deixou de valer messes atrás. Ou seja, definição jurídica mais precisa de como deve ser a relação entre a imprensa e os que por ela se sintam prejudicados. É claro que o assunto deixa a imprensa de cabelo em pé: os bem intencionados temem a censura, os mal intencionados temem não poderem mais fazer o que quiserem. Mas a União Européia quase toda tem órgãos desse tipo, regras de conduta mínima, fiscalização de abusos, etc: ou seja, jogar o assunto na lata do lixo sob a mera acusação de “chavismo” é uma tolice, como bem argumenta Barbara Gancia, em coluna na Folha. Essas são as duas questões que estão por trás das críticas a Lula. Porque, como disse, o leitor há de convir: opinar que a imprensa é parcial, tem candidato e esconde isso, não tem nada demais. Não só é um direito de qualquer um, como faz parte do jogo político saudável e normal. Mas dentro desse jogo, qual seria a intenção de Lula ao trazer a crítica ao grande público? Simples, e também corriqueira em qualquer eleição de qualquer grande democracia: aplicar uma vacina no eleitorado de Dilma. Ou seja, alertar para o fato de que as denúncias infinitas que saem na imprensa, tenham ou não sentido, devem ser desconsideradas porque estariam sendo estranhamente feitas só em cima da hora e concentradas em Dilma. Ao tornar pública sua visão sobre o tratamento de parte da imprensa, Lula denuncia o tratamento diferente que é dado para cada candidato de modo a tirar credibilidade e, portanto, impacto eleitoral das críticas feitas pela imprensa. Tudo normal, portanto. Tudo parte do jogo. É evidente que não se pode esperar da imprensa um tratamento dócil ao governo. Imprensa existe para criticar: governo e candidatos. Mas aí é verdade: precisam criticar, fiscalizar e investigar também José Serra e seu entorno, não só Dilma e o governo Lula. Então, é preciso calma nessa hora: nem deixemos governistas quererem levar a imprensa a ser sorridente e amiga, nem deixemos a imprensa ficar sem crítica quando é tão parcial a ponto de tentar interferir nas eleições. Todos estão aqui para ser criticados: Lula, Dilma, Serra e imprensa. Com uma diferença: os três primeiros passam. A imprensa, fica. Zelemos por ela e a critiquemos ainda mais do que aos governos e aos candidatos, portanto.