FHC: Esqueçam que foi eu que assinei sigilo eterno dos documentos

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Outro texto imperdível do Paulo Moreira Leite. Ah! se tivéssemos mais jornalistas na grande mídia do naipe de Moreira Leite.

A memória seletiva que protege FHC

Por Paulo Moreira Leite em sua coluna, na Época

11/10/2011

É curioso constatar que boa parte dos observadores políticos que defendem corretamente a abertura de nossos arquivos históricos não costuma demonstrar um zelo equivalente para preservar a memória do presente.

É claro que sou a favor da abertura dos arquivos desde sempre, como sabem os leitores deste blogue. Desde o primeiro dia dos debates no senado eu me perguntava, aqui, por que razão Fernando Collor e José Sarney queriam manter segredos de Estado para toda eternidade.

Mas está na cara que a discussão é mais complicada do que parece, até porque nem Collor nem Sarney criaram a lei do sigilo eterno, que é recentíssima.

O criador chama-se Fernando Henrique Cardoso. Ele fez isso nos últimos dias de seu mandato, como admitiu em entrevistas. FHC disse que assinou o documento sem perceber do que se tratava, por sugestão de assessores palacianos.

Não custa lembrar que aquela conjuntura política tinha um componente delicado, que poderia justificar cuidados de quem deixava o governo. O candidato do PSDB fora derrotado nas eleições presidenciais e ninguém sabia qual atitude o governo Lula poderia tomar ao chegar ao Planalto.

A esquerda petista sempre foi — e era muito mais, em 2002 — ocupada em recuperar o passado, que envolve todas as feridas que nós conhecemos. O partido de Lula não só pretendia apurar crimes da ditadura, mas chegou ao Planalto com um discurso onde a privataria era uma das palavras preferidas de seus dirigentes.

O fantasma de um esquerdismo petista foi um dos espectros favoritos dos adversários de Lula nos últimos meses da campanha de 2002.

Hoje, fora do governo, quando também está engajado na campanha pela legalização da maconha, FHC já deixou claro que é adversário do sigilo eterno.

Mas o episódio ajuda a lembrar que não basta falar mal de Collor e Sarney para trabalhar pela reconstrução da memória de nosso país. Sempre que possível, o nome de FHC não aparece nessa história. Sua assinatura some dos debates e das acusações — como por encanto, como se tivesse evaporado, a exemplo de tantos atos de nossos governantes, condenáveis ou não, cujos responsáveis foram deixados na penumbra.

É raro encontrar referencias. Bate-se com dureza e até crueldade em Collor e Sarney que, neste caso, são apenas continuadores da obra que Fernando Henrique agora rejeita.

Por que isso acontece? Não há explicação razoável. Uma possibilidade é pura ironia. Embora interessados na memória mais antiga, determinados estudiosos já resolveram passar uma borracha em atos ocorridos nos oito anos tucanos. (Brincadeirinha….)

Outra possibilidade é a facilidade. Nada mais fácil, em 2011, do que bater em senadores como Fernando Collor e José Sarney. Ambos são políticos decadentes e, do ponto de vista do mundo real, inofensivos fora de seus espaços regionais. O máximo que podem almejar é uma nova reeleição em estados onde a democracia ainda é uma planta frágil demais.

Quando comparo FHC, Collor e Sarney, tenho motivos de sobra para dizer que Fernando Henrique foi um presidente muito melhor. Sua obra tem outra qualidade quando colocada ao lado da herança dos outros dois. Deixou uma herança com muitos aspectos positivos, que explicam boa parte do que o correu nos anos seguintes.

Mas eu acho que, neste caso, não sei se há opção razoável entre a franqueza rude de Collor e Sarney diante da versão conveniente de FHC. Não gosto da autotolerancia de quem diz que não sabe o que faz. Collor e Sarney dizem que querem o sigilo eterno e pronto. Estão errados e jogam contra a democracia Mas não dizem que não sabiam o que estava fazendo.

O que você acha?

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