Lelê Teles: Sobre Fuzilamentos

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SOBRE FUZILAMENTOS

Por: Lelê Teles

19/01/2015

Parêntesis.

Jesus, o Cristo, foi um dos milhares de condenados à morte atroz, cruel e selvagem que os romanos impunham aos inimigos do império.

O método foi inventado pelos persas, Roma o popularizou. Os condenados eram açoitados à vista de todos e obrigados a levarem a trave onde seriam erguidos e pendurados, gemendo até a morte lenta e dolorosa por asfixia.

Horrendo espetáculo.

Setenta anos antes do Cristo, Spartacus, grande homem, comandou uma revolta de escravos contra o império. Ele e mais seis mil de seus rebeldes foram pendurados em cruzes e lá ficaram para terem seus corpos apodrecidos e picados por abutres.

A crucificação também era utilizada como propaganda, pois o suplício servia como exemplo para os outros; foi o primeiro outdoor.

Em Vigiar e Punir, Foucault nos fala sobre os novos métodos punitivos que os estados foram criando ao longo do tempo, tendo o corpo como alvo: mutilações, esquartejamentos, marcas no rosto, exposições públicas de seviciados; uma verdadeira pedagogia da punição.

Suplicia-se o criminoso para puni-lo e para que sirva de exemplo aos outros.

Há pouco, o mundo se virou contra o Irã após a condenação à morte por apedrejamento da jovem Sakineh.

Mas no mesmo dia, o negro Troy Daves recebeu a pena capital nos Esteites. Não houve comoção internacional.

Falemos, portanto, de discurso, seletividade e hipocrisia.

Deve-se condenar qualquer Estado que aplique a pena capital, por apedrejamento, injeção letal, choque elétrico, ou fuzilamento.

Porque é uma pena primitiva, cruel, anti-pedagógica e desumana. Condenemos, pois, Estados Unidos, China, Irã, Singapura, Japão, o diabo. Não só a Indonésia.

E não devemos nos entristecer somente quando é um patrício que morre. Porque somos todos seres humanos e isso é que realmente deveria importar.

E no Brasil, nunca nos esqueçamos disso, traficantes, aviões e mulas são fuzilados pela polícia todos os dias.

Ponto.

A comoção excessiva a respeito da condenação de Marco Archer, o malandro da asa delta, denota uma certa seletividade típica da midiotia.

Ponto e vírgula.

Que há humanistas realmente chocados com esse espetáculo horrendo, a morte por fuzilamento, é coisa louvável e aplaudível.

Como eles, penso que esse fuzilamento mata, também, um pouco de nós. Não que nós sejamos ele, o traficante fuzilado, mas ele é cada um de nós.

No entanto, sejamos justos. Marcos sabia das leis do país quando entrou lá com drogas, ele era um traficante reincidente. Não é uma vítima ingênua. Ele decidiu, adulto, correr o risco.

Chamá-lo de instrutor de asa delta é uma forçação para tentar vitimizá-lo e é hipocrisia.

Mas também desejar sua morte, porque vendia drogas para adultos endinheirados se divertirem em festinhas, é uma brutal crueldade sheherazádica.

Vi gente reclamar do soco do Papa, chorar pelos cartunistas franceses e sorrir da morte cruel de Archer. Gente confusa.

Entristece-me saber que algumas pessoas que até ontem pregavam contra o aborto, hoje justificam a morte de Marco.

Contra o aborto e a favor da pena de morte.

Esse é o mundo em que vivemos, caótico e confuso. Temos um papa de esquerda e roqueiros de direita; Dalai Lama, perseguido pelos comunistas, se diz marxista e o Sumo Pontífice, veja que coisa, mostra disposição para o pugilato.

Eu, de minha parte, no momento em que o cabra gritou "fogo", Marco fechou os olhos e contraiu cada músculo e os gatilhos dispararam, armas cuspindo chumbo, lembrei que isso ocorre também aqui no Brasil, todos os dias.

E ninguém se entristece pelas mulas, de chinelo e sem camisa, que são fuziladas no meio da rua, ou nos becos escuros.

Palavra da salvação.