Marcelo Uchôa: O ESPETÁCULO DO IMPEACHMENT

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O ESPETÁCULO DO IMPEACHMENT

Por Marcelo Uchôa

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A abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma autorizada pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, semana passada, não causou nenhum estranhamento. Afinal, desde o primeiro dia deste segundo mandato presidencial, a oposição, inconformada com a derrota em 2014, vem aventando instaurar o recurso extremo. Curioso é que os supostos crimes de responsabilidade motivadores da medida, as chamadas pedaladas fiscais e a abertura de créditos suplementares ao orçamento de 2015 sem devida autorização legal são facilmente refutados pelo Direito e pela dinâmica dos fatos: as pedaladas, por não ferirem leis orçamentárias anuais, tanto que amplamente utilizadas em governos anteriores, com o beneplácito, tanto do Congresso, como do Tribunal de Contas da União; e a abertura de crédito suplementar sem autorização legal, outro expediente corriqueiro em administrações passadas, já sendo respaldada, neste ano, pela Câmara dos Deputados, através da aprovação do Projeto de Lei do Executivo n. 5/15, no mesmo dia do acolhimento da abertura do processo de impeachment.

Importante entender nessa conjuntura é que este pedido de impeachment não é um evento isolado. Ele é resultado da progressiva consolidação de um perfil conservador no país, alimentado pela elite brasileira, com o suporte dos cartéis econômicos de mídia, responsáveis por uma intermitente e sistemática estratégia de difusão de mentiras, visando desgastar o governo e manipular ideologicamente a população, para jogar na cova rasa um rol de conquistas que os segmentos vulneráveis da sociedade obtiveram a partir da era Lula, e assim satisfazer os interesses do mercado financeiro internacional. Não há, portanto, como entender este pedido de impedimento presidencial descolado da tentativa de imposição, no país, da terceirização nas atividades fins das empresas, ou da redução da maioridade penal, do arrefecimento da política de cotas, da definição do conceito de família pelo Estado, da criminalização dos movimentos sociais ou da obsessão pela extinção de ministérios e secretarias responsáveis pelas políticas transversais de inclusão, apesar de seus parquíssimos orçamentos. Tudo integra um mesmo todo.

É a indignação contra programas como Bolsa Família, Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida, FIES, PROUNI, Transposição do Rio São Francisco, ao lado de normas como as das Empregadas Domésticas, a Lei Maria da Penha, o Feminicídio, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, do Idoso, da Igualdade Racial, as normas de amparo à homoafetividade, a Comissão da Verdade, dentre tantas outras, que move as ações da elite nacional. Foi, por um lado, a percepção de que o Brasil estava se tornando uma nação mais inclusiva, mais humana, que acendeu a verve persecutória, ora em marcha, contra Lula e Dilma. Por outra via, também foi a percepção de que o Brasil caminhava para se tornar um país independente, econômica e politicamente, das amarras do imperialismo do mercado financeiro, a partir da reversão de sua própria situação de devedor a credor dos bancos internacionais; do incremento de relações comerciais com parceiros para além dos Estados Unidos (do Mercosul ao BRICS), em especial com a China; da realidade da exploração do pré-sal, tudo somado, que desgostou a elite brasileira, historicamente conchavada com os interesses norte-americanos.

Este público não se preocupa, efetivamente, com o combate à corrupção, pois mantém indignação seletiva apontada apenas contra malversadores atrelados a governos petistas - inexiste, p. ex, qualquer inconformismo com os desmandos havidos durante a era FHC. Os alvos principais da cruzada moralista da aristocracia brasileira, instaurada desde o mensalão, sempre foram Lula e Dilma, pela única razão de estarem ambos governando em favor de seu país e da parcela mais carente da população. Para inviabilizar uma Nação com “ene” maiúsculo a ordem era derrubar a presidenta, nem que para isso se corresse o risco de afundar o país, esfacelando sua capacidade produtiva e desmontando suas multinacionais geradoras de riquezas (p. ex, a Petrobrás); inventando um pessimismo econômico midiático permanente, inicialmente especulativo, mas, em médio prazo, atrativo de um quadro de recessão real; e, nada disso sendo suficiente para a obtenção de uma vitória pela modalidade democrática, através do voto, articulando um plano de ruptura política, com ares de suposta legalidade, eis aí a razão do espetáculo chamado impeachment.

Para a sorte do Brasil este teatro sádico não deve prosperar. É que ante a ausência de substancia jurídica, pelo fato deste impeachment haver sido autorizado, unicamente por motivo de cólera do presidente da Câmara dos Deputados, pela posição favorável do PT num justo processo no Conselho de Ética, que fatalmente levará o indigesto parlamentar a perder o seu mandato, já se observam movimentações efetuadas por entidades idôneas da sociedade civil, como CNBB, OAB, partidos políticos com referência ideológica, bem como de formadores de opinião, intelectuais e militantes sociais de todas as áreas (juristas, artistas, professores, estudantes, trabalhadores do campo e das cidades, etc), no sentido de denunciar, e, eventualmente, sepultar o engenhoso ardil excogitado pela oposição. Mas tão importante como enterrar de vez o golpe institucional é garantir, posteriormente, força política para que a presidenta Dilma governe de forma plena, apostando na solidez e na independência da economia nacional, na continuidade e aprofundamento das reformas necessárias ao equilíbrio das relações sociais e humanas no país. Por isso, toda mobilização que certamente será vista a partir de agora, nas mais distantes divisas do território nacional, em prol da defesa da democracia, deve perdurar depois de soterrada a hipótese de impedimento da presidenta, vigilando os passos da direita nacional e brecando a propagação do conservadorismo ideológico, que, se um dia foi sutil, hoje se manifesta de forma escancarada no cotidiano social e político do país.

*Marcelo Uchôa é Advogado e Professor de Direito/UNIFOR

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