Naine Terena: na luta pela terra no MS a mídia desinforma e fomenta a ira e a discórdia

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Luta pela terra no MS: Mídia desinforma e fomenta a ira e a discórdia, afirma jornalista terena

Naine Terena, jornalista formada pela UFMT, mestre pela UnB e doutorando pela PUC-SP, diz que luta contra latifundiários ocorre desde antes da Guerra do Paraguai, quando os terena voltaram das batalhas e encontraram suas aldeias invadidas por fazendeiros

Por João Negrão, jornalista em Brasília, especial para o Maria Frô

07/06/2013

O drama do povo terena, em cidades como Aquidauana e Sidrolandia, localizadas em Mato grosso do Sul, vem sendo vivenciado de perto por membros da etnia que não residem nas proximidades das aldeias, mas estão de olho na situação das reservas indígenas. Entre essas pessoas esta jornalista Naine Terena, que mora em Cuiabá (MT).

Formada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde hoje presta consultoria, ela é mestre em Artes pela Universidade de Brasília (UnB) e doutoranda em Educação pela PUC de São Paulo. Naine está em constante contato com sua comunidade, em Aquidauana (MS), para onde se desloca com frequência para visitar parentes ou desenvolver trabalhos de pesquisa.

Por meio do contato constante com as comunidades Terena de MS, e com a ajuda de simpatizantes e jornalistas de diferentes partes do país, Naine tem ajudado a denunciar contra as atrocidades que sofre o povo terena, especialmente em Mato Grosso do Sul, espremido pela pressão do latifúndio e pelo descaso dos governos estadual e federal, com apoio da grande mídia, que constantemente procura desmoralizar as causas indígenas.

A expressão maior desta relação da mídia monopolista com os latifundiários foi a atitude, no mínimo desrespeitosa, da repórter de rede da TV Centro América (afiliada da Globo em Campo grande), Cláudia Gaigher, que praticamente invadiu o velório do guerreiro Oziel Gabriel, morto por policiais durante a desocupação da reserva invadida por fazendeiros. “O que vocês acham disso?”, disse ela ao exibir uma cópia da reintegração de posse em favor dos latifundiários.

Nesta entrevista, Naine fala sobre a luta de seu povo pela terra, que remonta desde antes da Guerra do Paraguai. Naquele conflito, os terenas foram soldados da linha de frente e quando regressaram das batalhas encontra suas terras invadidas pelos latifundiários. Ela também analisa o papel da mídia nos conflitos indígenas. “Existe uma deturpação da informação na maioria das vezes. E essa deturpação causa grandes estragos e visivelmente pretende beneficiar um outro lado da questão.  Levanta a ira, fomenta a discórdia”, denuncia.

Fale um pouco sobre a sua história e sua relação com seu povo?

Minha Mãe é Terena de uma aldeia em Aquidauana. Ela saiu de lá quando foi trabalhar como enfermeira junto aos Kadiweu, e lá casou-se com o meu pai que é indigenista e não é Terena. Moramos em outras aldeias, já em Mato Grosso. Quando meu pai saiu da Funai, se estabeleceu na Universidade Federal de Mato Grosso e fixamos residência em Cuiabá. Meu irmão retornou para a aldeia e lá é professor na escola indígena. Meu pai e minha mãe, são grandes fontes de conhecimento sobre as causas indígenas, o que nos auxilia no discernimento do que estamos vendo de muito perto. Profissionalmente eu atuo em uma área que não está relacionada a questão indígena. Porém, isso não me impede de acompanhar, auxiliar. Não é um vinculo profissional, e sim, emocional.  Conte sobre a história de seu povo e a luta pela terra. Quantas aldeias Terena existem?

É preciso sempre dizer, que o povo Terena é comerciante, coletor, agricultor e expansionista. Essas características são fundamentais para se entender como vive o nosso povo. O terena vive da terra, pois as aldeias sobrevivem da agricultura para o consumo próprio e também para a comercialização nas cidades. Temos aldeias que criam galinhas para comercialização e também o gado para o sustento familiar. Dessa produção se tira a carne, o queijo, o leite para consumo interno e em algumas aldeias, ficou estabelecido que ninguém iria produzir em grande escala.  Não tem cabimento o que dizem por aí, que não se produz nas terras Terena. Temos também hoje, advogados, Doutores, mestres, acadêmicos. Tudo que podemos produzir em todos os sentidos, levamos de volta para as aldeias, estamos fazendo. Hoje, temos comunidades Terena em diferentes estados do país, como em São Paulo e Mato Grosso, além de Mato Grosso do Sul.

Quando começou esta invasão das terras terena pelos latifundiários em MS? É uma história longa e antiga, mas vou citar como um dos marcos, a Guerra do Paraguai, em 1864. Omitido da grande maioria dos livros didáticos, muitos indígenas foram lutar para defender o Brasil. Entre eles estavam os Terena.  As aldeias que existiam no período da guerra se desmobilizaram devido aos ataques do ‘inimigo’. Os Terena que foram para a Guerra ao retornar, já não tinham mais terras, pois essas já estavam ocupadas por latifundiários..  Esse é um trecho da história do Brasil que não foi contado, mas que merece ser relembrado, pois fazem aí pelo menos cento e vinte anos de luta para o retorno as áreas tradicionais. Fora isso, os Terena sempre estiveram nessa região justamente por que são coletores, agricultores, executavam trocas, desde muito tempo atrás.

Como você avalia a posição do governo do MS nesta questão dos terenas e de outras etnias no estado? Em Mato Grosso do Sul a questão indígena é muito delicada. Não vejo uma boa vontade política em se resolver os gargalos que envolvem a questão indígena, seja os Terena, os Guarani, os Kadiweu. É um estado onde os povos indígenas estão sendo empurrados para um 'buraco'.

E a posição do governo federal e da Funai?

O Governo Federal é omisso. As últimas atitudes, culminaram nessa série de manifestações que estão acontecendo não só no MS, mas no Brasil. Veja Belo Monte. Está se arrastando. Mato Grosso do Sul, só ganhou repercussão, por que houve a fatalidade com Oziel. Mas em todo o Brasil temos problemas que se arrastam: Os Munduruku, Belo Monte, Os Guarani, os Kaingang, e muitos outros povos, a espera de uma solução.

Que medidas vocês estão tomando para reverter a situação? A retomada das terras é uma delas. Essas terras que foram reocupadas pelos indígenas Terena, são áreas que estão a mais de dez anos esperando por uma demarcação. São terras já reconhecidas como sendo do Povo Terena. É preciso levar em consideração o contexto histórico em que essa retomada está acontecendo. Quando a ministra diz que irá parar as demarcações em Mato Grosso do Sul, ela está dizendo que os mais de dez anos de espera dessas comunidades, não valeu de nada.

Como você, sendo jornalista, viu a atitude da colega Cláudia Gaigher, da Globo? Conversei com pessoas que estavam no local no momento. Elas afirmaram que o fato realmente aconteceu. Faltou bom senso da equipe (da afiliada da. Nenhum ser humano gostaria de estar nessa situação. Você imagina alguém entrando na sua casa, no velório do seu pai, do seu filho, de um familiar, e lhe apresentar a ordem de despejo? Qual intenção  da equipe numa atitude desumana como essa?  Há tempo para tudo, e aquele era o momento de se chorar a perda de um ente querido. Faltou sensibilidade e responsabilidade.

Como vê o papel da grande imprensa nesta questão indígena? Se formos analisar existe uma deturpação da informação na maioria das vezes. E essa deturpação causa grandes estragos e visivelmente pretende beneficiar um outro lado da questão.  Levanta a ira, fomenta a discórdia. É preciso fazer um jornalismo responsável. Porém tenho acompanhado lá em MS mesmo, alguns veículos que tem sido menos sensacionalistas, mais responsáveis. Eles tem publicado as cartas que as lideranças estão mandando, na integra, evitando provocar mais problemas e dor. Estamos também utilizando as mídias sociais. Colocando a disposição tudo que temos a respeito dessa situação. A oportunidade de ouvir de todos os lados a história a imprensa tem. Basta querer.

Você constantemente visita sua comunidade. Além de rever parentes, você desenvolve alguns trabalhos. Quais? Sim. Mesmo não morando lá, a gente sempre foi, todos os anos, desde pequeno. São vínculos que não se apagaram com a saída da minha mãe de  lá, até por que, nossos familiares estão lá. Vamos sempre que podemos, mesmo que seja só para rever parentes. Já estive em uma retomada de terra na nossa comunidade. É sempre tenso, pois estamos sempre esperando o que pode acontecer. Temos desenvolvido alguns trabalhos sim, junto com os professores Terena. Acreditamos na força da educação Terena e por isso temos feito algumas ações na escola da Aldeia. Produzimos materiais didáticos, vídeos, os professores fomentam eventos culturais. Fizemos algumas oficinas também, com ajuda de outros comunicólogos parceiros. É o que podemos fazer no momento.

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