O auxílio educação pra filhos de juízes, o afastamento de Siro Darlan e a Justiça que produz injustiça

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O Desembargador Siro Darlan de Oliveira, Coordenador da Comissão Judiciária de Articulação das Varas da Infância e Juventude e Idoso — CEVIJ e da Comissão Judiciária de Adoção Internacional — CEJAI-RJ foi afastado de suas funções pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luiz Fernando de Carvalho. O motivo do afastamento? O desembargador Siro Darlan discorda que num país onde ainda não se garante nem acesso à creche a todos os brasileirinhos que não tiveram o privilégio de nascer filhos de juízes, os juízes recebam quase 1 mil reais por dependente a mais no vultoso salário e benefícios que já ganham do Estado brasileiro para auxiliar na educação de seus bem nascidos dependentes. Detalhe, o auxílio educação para os filhos e dependentes de juízes, desembargadores e servidores do tribunal prevê ajuda aos filhos e dependente entre 8 e 24 anos.

O texto do desembargador  foi postado por ele no Facebook no dia 17 de maio de 2015, antes da aprovação do benefício pela Assembleia Legislativa (no dia 26 de maio) e da sanção pelo governador Luiz Fernando Pezão (no dia 1º deste mês). O valor do auxílio é de R$ 953,47 por filho.

Abaixo, a carta de Siro Darlan e a carta de demissão que ele recebeu do presidente do Tribunal de ~Justiça~ do Rio de Janeiro.

Então ficamos assim: Num país que nem creches são garantidas a todos os brasileirinhos, um desembargador é afastado por discordar que juízes recebam quase 1 mil reais de auxílio-educação para seus dependentes até 24 anos! Esta é a Justiça que produz injustiça como bem intitulou o caso, o deputado Chico Alencar.

Ao final uma matéria do SBT sobre os motivos que levaram ao afastamento de Siro Darlan, uma postagem de Celso Athayde, ex-presidente da Central Única das Favelas sobre o ocorrido e se colocando disposto a lutar pela revogação da decisão do presidente do Tribunal de Justiça, assim como uma campanha voltada aos cidadãos para se manifestar diretamente junto ao tribunal sobre a exoneração do cargo de coordenador anteriormente ocupado pelo Desembargador.

Carta de Siro Darlan para o Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

"Prezado presidente Luís Fernando

Um grupo de magistrados não apoia nem deseja receber dos cofres públicos o financiamento dos custos de educação de seus filhos e dependentes. Para isso recebemos nossos subsídios pagos para que possamos com o custo de nosso árduo trabalho financiar as despesas de nossas famílias e as pessoais.

Assim como já fizeram alguns magistrados, estou dividindo com o público que em primeira instância e nosso "patrão"e a quem devemos prestar contas. O país vive uma crise institucional e financeira sem precedentes e não seremos nos magistrados que nos misturaremos com aqueles que vivem lesando nossa atrai com artifícios os mais indignos. Não apoiamos essa proposta que foi feita por administrações anteriores com as quais manifestamos nossa discordância e não apoiaremos agora que aprovamos a sua eleição para Presidente do Tribunal de Justiça.

Permita-me dividir uma preocupação que, literal e fisicamente, não me tem permitido dormir tranquilo.

V. Exa. coloca como vitória o encaminhamento ao Parlamento Estadual um projeto de lei encaminhado visando a concessão de “auxilio educação” para magistrados e servidores.

O que preocupa é a fonte de custeio deste benefício.

Ele será integralmente custeado pelo Fundo do Tribunal de Justiça e esta é a razão declarada pelos deputados de que aprovarão o projeto sem qualquer problema, pois “não sairá dos cofres do Estado”.

Mas, permita-me a expressão de linguajar popular: “o buraco é mais embaixo”.

Este benefício será custeado integralmente pela população que precisa receber a prestação jurisdicional, pois é ela quem nutre, quase que em sua totalidade, os recursos do Fundo do Tribunal, através do pagamento da taxa judiciária e das custas judiciais.

Mas a população, além de já suportar elevada carga tributária, não tem nenhuma obrigação de custear a educação dos filhos dos magistrados e dos servidores do Tribunal de Justiça.

A uma, por que não tem esta responsabilidade legal; a duas, porque os filhos são filhos de servidores públicos muito bem remunerados; a três, porque a taxa e as custas judiciais não se destinam a custear benefícios pessoais de magistrados e servidores.

Reconheço, de pronto, evidente desvio de finalidade na aplicação dos recursos do Fundo do Tribunal da Justiça.

E pior, repito: custeados pela população que não tem esta obrigação legal.

Por princípio e por ser razoável, cada um deve ser responsável pelas despesas de educação do seus filhos ou se servir da educação fornecida pelo Estado.

Mas jamais aquele que precisa fazer uso da Justiça para receber o que é seu (considerando que não existe outro meio de composição de conflitos, quando as partes não conseguem conciliar por si próprias).

Preocupa também o precedente que tal projeto inaugura.

Se hoje impomos ao demandante que suporte a escola dos filhos dos magistrados e dos servidores, porque amanhã não lhes imporemos também que suporte a aquisição da casa própria, por mais absurdo que possa parecer? Ou, afinal, não estamos aí com o “auxílio moradia” sendo pago?

O custeio de um benefício exclusivista, destinado a uma pequena casta de servidores públicos (magistrados e servidores), pagos com salários bem acima do mercado e muito acima daqueles pagos por funções equivalentes no Poder Executivo e no Poder Legislativo, é um evidente desvio de finalidade, com repercussões, inclusive, na seara da improbidade administrativa.

Mais ainda: rompe uma barreira moral que até agora não tinha sido ultrapassada: a utilização de recursos constituídos quase que exclusivamente pelo usuário da Justiça, através de recolhimentos de custas e taxas (e que não são baratas considerando a qualidade questionável dos serviços jurisdicionais), para o pagamento de educação particular para servidores e magistrados.

E tal benefício não representará nenhuma melhoria na qualidade do serviço jurisdicional, porque não se dirige ao aperfeiçoamento do magistrado ou do servidor, mas de seus filhos (!), pessoas absolutamente estranhas ao Poder Judiciário, o que evidencia, mais uma vez, o desvio de finalidade na utilização dos recursos carreados ao Fundo pela população necessitada.

Senhor presidente, Caro Luís Fernando,

Não existe qualquer justificativa moral para tal medida, para o desperdício de recursos vultosos, em caráter permanente, em benefício de pessoas que, efetivamente, dele não precisam.

Tal medida não será questionada pelos servidores porque também serão beneficiados; também não será questionado pelo Ministério Público, porque ele já o recebe; não será obstada pelos Deputados, porque a pecha recairá exclusivamente sobre o Poder Judiciário e porque o Estado não despenderá nada com a sua aprovação.

Mas seremos nós, o Poder Judiciário, mais uma vez, que suportaremos o opróbrio da população.

A tão abusada justificativa da “equiparação entre os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público” não pode valer (ao menos neste caso), pois os recursos provem de “contribuições” daquele que se socorre da Justiça, ao passo que o Ministério Público faz uso de sua verba orçamentária (embora também com finalidade igualmente questionável).

Felizmente (ou infelizmente) para a população, estes “pormenores” talvez jamais serão de seu conhecimento, mas não podemos nos esquecer da mídia.

Mas, mais importante, não podemos nos esquecer de nosso papel individual e institucional na construção deste País, desta Nação, que tanto almejamos alcance patamares de Civilização em que a Dignidade da pessoa humana seja garantida por um Regime Republicano e Democrático, em que o Poder Judiciário seja, efetivamente, o fiel da balança na contenção dos abusos do Poder e do Estado.

Afinal, somos também “o Estado” suportado pela sociedade.

E não podemos dizer, como justificativa, que prestamos um serviço de melhor qualidade ou de qualidade superior àquele prestado pelo Executivo ou à qualidade da representação política atualmente existente no Poder Legislativo.

Enquanto magistrados, cidadãos e enquanto representantes de um Poder, devemos nos preocupar com as escolhas que fazemos, pois as consequências advirão das decisões que hoje tomamos.

Não se pode vislumbrar nenhuma relação do auxílio educação com o cumprimento da Missão Constitucional do Poder Judiciário de prestar jurisdição.

Muito menos de qualidade, pois não existe qualquer relação entre o beneficiário final (os filhos) o e o serviço jurisdicional.

Serve esta missiva como registro da preocupação de diversos magistrados que zelam por sua Instituição, que se juntaram a V. Exa. nessa caminhada na certeza de uma real fidelidade l aos princípios mais elevados em prol de um Poder Judiciário Independente voltado para a realização de uma Sociedade mais Justa, Democrática e, acima de tudo, mais Republicana.

Magistrados parceiros pela Democracia e pela ética e Coordenação Rio da Associação Juízes para a Democracia” (via O Globo)

Carta do Presidente do Tribunal do Rio de Janeiro onde esclarece o motivo para que o mesmo dispensasse o desembargador Siro Darlan

“Prezado colega Siro Darlan,

Lamento informar, com pesar intenso, que decidi dispensá-lo das honrosas funções de Coordenador da Comissão Judiciária de Articulação das Varas da Infância e Juventude e Idoso — CEVIJ, bem como daquelas relativas à coordenação da Comissão Judiciária de Adoção Internacional — CEJAI-RJ.

Declino o motivo: conduta reveladora de incompatibilidade de sua parte com a orientação, pensamento e filosofia de trabalho da Administração, esta última baseada na uniformidade do sentido de suas ações, na coesão e harmonia de esforços e, ainda, na intrínseca lealdade que, inafastavelmente, deve nortear sua coerência. Aliás, soube que você mesmo afirmou em dependências do Tribunal que estaria, por iniciativa própria, se desligando das referidas coordenações, o que até o presente momento não se confirmou.

A Presidência não pode acolher comportamento estanque ou autárquico de qualquer de seus segmentos. A mensagem publicizada em seu facebook de 17 de maio último claramente assinala posição contrária à da Administração. E que, ademais, mereceu manifestação de repúdio do SINDJUSTIÇA, entidade representativa dos servidores do TJRJ, postada por via eletrônica em 18 de maio de 2015, sob o título: “Carta Aberta ao Siro Darlan”. Também a Associação Juízes para a Democracia — AJD, de que você se apresenta como Coordenador Rio, divulgou discordância ao conteúdo de sua mensagem.

Não bastasse tudo isso, sua carta se apropria do texto de outra — enviada por e-mail em 14 de maio de 2015 — do ilustre colega Des. Rogério de Oliveira Souza, igualmente membro da Administração como integrante do Conselho da Magistratura — COMAG, mas a que este último, por consciência e elegância, não dera publicidade, limitando-se a veicular sua respeitável divergência em correspondência reservada dirigida ao signatário da presente.

Saliento ser inquestionável, no processo democrático, o direito de resposta assinalado pela sagrada e constitucional possibilidade de divergir. Entretanto, parece ocioso sublinhar não ser passível de aceitação publicar seu conteúdo e motivação sem previa ciência ao destinatário e, pior ainda, assumindo — sem qualquer ressalva — a autoria de texto que as circunstâncias indicam não ser de sua lavra, em procedimento que tangencia a leviandade.

A democracia e a república não convivem com condutas dessa natureza.

Teria, outrossim, outros argumentos para justificar a dispensa, mas, ato discricionário que é, deles não necessita, até porque não se cogita de polêmica acerca das lamentáveis ocorrências denotadoras de inegável quebra de confiança.

De outro turno, registro e agradeço sua dedicação e empenho, no exercício das funções de que ora dispensado, durante os 4 meses em que delas se desincumbiu.

Em consideração à amizade que sempre caracterizou nosso relacionamento pessoal, esclareço que aguardarei por 24 horas seu pedido de dispensa das aludidas funções, interpretando eventual silêncio como ciência da prática de ofício dos atos administrativos pertinentes.

Reiterando a estranheza em relação à conduta que a Administração está afirmando e esperando que esta não ponha termo a uma amizade cinquentenária, informo que, por tratar de matéria de ordem pública, o teor da presente não se reveste de caráter particular.”

Atenciosamente, Luiz Fernando de Carvalho Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

Post de Celso Athayde sobre o afastamento de Siro Darlan

Bem, afastaram o Dr Siro Darlan Oliveira das suas atribuições relacionadas a infância e juventude. Não quero briga contra os juízes e desembargadores que o afastaram. Por outro lado, a autoridade que esse HOMEM tem para tratar desse tema, o acumulo dele e as lutas que ele travou no nosso estado ao lado de milhares de adolescentes, familiares é incontestável.

Negar a esse homem o oficio que o fez a nossa maior referencia é rasgar a nossa própria história, nassas conquistas plenas.

Desculpem, mas não devemos nos levantar contra os que são contra o Dr Siro, mas devemos sim, nos solidarizar com ele por todo que ele fez e representa.

Tenho algumas divergências com seus pensamentos, inclusive, mas esse homem tem como marca a propagação das suas posições. Vamos combinar que muitas vezes eu me assusto com suas posições, pois o que se espera de um juiz e um desembargador é sempre uma posição conservadora e alinhada com um outro planeta.

Siro não, concordemos ou não ele se posiciona e isso tem um preço. Espaço, holofote e desafetos. Mas isso é problema dele, nao nosso. O nosso problema é outro. É perder a postura sincera e a coragem de um homem público que diz o que pensa com coerência.

Siro Darlan, você é uma referencia de luta, uma referência de postura, uma referencia de sabedoria, de coragem, de todos os adjetivos que compreende a expressão: " O Cara". Mas vc cometeu um erro grave: "Disse o que pensa ".

O problema maior é que não vai pagar o preço sozinho, pois todos nós seremos punidos . Repito, nao vou me levantar contra os que são contra você, por ciúme ou por divergências nos pensamentos. E ai que vem minha questão. Pois é exatamente para resguardar a liberdade do pensamento que vou pensar em uma ação que faça o Judiciario rever essa punição à sociedade.

É exatamente por perceber que as motivações que te afastam representam uma linha de pensamento estranha aos meus. E em nome da minha consciência eu vou me jogar em qualquer atividade que traga luz a esse equivoco. E mesmo que  Siro Darlan não seja reconduzido ao cargo que orienta as formas de atuação na área que ele mais conhece, eu me darei por satisfeito em oferecer o meu tempo para mostrar o quanto repúdio essa decisão do Presidente do Tribunal de Justiça.

Siro, minha mensagem pra ti é ?#?SiroDarlanMeRepresenta?

siro darlan

Campanha na rede para expressarmos nossa indignação com este caso: enviar e-mail como o abaixo para  gabpresidencia@tjrj.jus.br

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – DESEMBARGADOR LUIZ FERNANDO RIBEIRO DE CARVALHO

Via e-mail: gabpresidencia@tjrj.jus.br

Ref.: Demissão do Desembargador Siro Darlan

No momento da história brasileira, em que setores expressivos de nossa sociedade se mobilizam, com reais chances de vitória, contra os direitos e interesses da infância e juventude brasileiras, ter o Desembargador Siro Darlan afastado da Coordenação da Comissão Estadual Judiciária de Articulação das Varas da Infância, Juventude e Idoso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro é um fato a ser, profundamente, lamentado por todos nós.

Maior decepção ainda é constatar que o afastamento se deu após duras críticas do Desembargador Siro ao encaminhamento de projeto de lei ao Parlamento Estadual, instituindo auxílio educação aos filhos de Magistrados e servidores da Justiça Estadual, considerado, pelo Dr. Siro e outros tantos Magistrados, um benefício “exclusivista”, vez que “destinado a uma pequena casta de servidores públicos (magistrados e servidores), pagos com salários bem acima do mercado e muito acima daqueles pagos por funções equivalentes no Poder Executivo e no Poder Legislativo”.

É público e notório que as diferenças entre o Desembargador Siro e a administração do Judiciário Fluminense são também outras como a redução da maioridade penal e os mutirões de reavaliação de internação de menores, organizados por Dr. Siro, quando estava à frente da referida Coordenação.

Neste sentido, considerando que o Dr. Siro sempre atuou no interesse das crianças e adolescentes brasileiros, sobretudo, daqueles mais humildes, declarando-se um “menorista”, dúvidas não há que essa demissão representa uma enorme derrota à infância e à juventude brasileiras, notadamente, fluminenses, desde a edição do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), em 1990, há quase 25 anos.

É exatamente assim que nós, abaixo assinados, vemos esse afastamento, esperando que Vossa Excelência, sensibilizado com esta e outras manifestações, ao sopesar os interesses de vossa Administração com a postura que a sociedade espera do Poder Judiciário, corrija este equívoco para o bem e a efetividade dos direitos das crianças e adolescentes fluminenses.

E, se assim não entender, deixamos, desde já, todos nós que a esta subscrevemos registrada nossa enorme indignação, diante dessa demissão, exatamente no momento que crianças e adolescentes mais precisam das instituições brasileiras, contando que o Estado Democrático de Direito e todos os seus poderes atuem não pela supressão, mas sim pela ampliação e garantia de seus direitos.

Atenciosamente,

(copie, assine e mande por email para o Presidente do TJRJ. Peça seu (sua) amigo(a) para fazer o mesmo)