PEC da Maioriadade: Manobra de Cunha é duplamente inconstitucional

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Os Golpes de Cunha: a inconstitucionalidade da PEC da maioridade continua

Por Robson Marques, especial para o Maria Frô

04/07/2015

No último dia 30/06, na Câmara dos Deputados, após a derrota de uma proposta de emenda à Constituição que autorizava a redução da maioridade penal no que concerne a prática de crimes considerados mais graves, o Presidente da Câmara Eduardo Cunha, colocou em deliberação no dia seguinte (01/07) nova proposta, com teor similar ao texto anteriormente rejeitado, embora com algumas alterações. Ocorre, no entanto, que a ordem constitucional brasileira não admite tal espécie de manobra.

Em 1988, pós ditadura militar, promulgou-se a Constituição Cidadã, que surge como a esperança do povo brasileiro em instituir no Brasil um verdadeiro Estado Democrático de Direito. O Texto Constitucional tem caráter supremo em relação às demais normas do nosso sistema jurídico, e traz as regras sobre a organização política e dos poderes, que tratam dos direitos dos governados e da limitação do poder dos governantes, sendo estas normas necessárias para limitar e controlar o poder político, opondo-se, desde sua origem, a atos arbitrários, independente da época e lugar.

Dada a natureza condicionada e limitada do Poder Reformador, o próprio legislador constituinte estabeleceu limites e condições sob os quais é possível a alteração da nossa Constituição, caracterizada, dentre outras coisas, pela sua rigidez, que impõe um processo legislativo mais solene e dificultoso para modificação do seu texto do que o previsto para alteração de leis infraconstitucionais, e pelo seu caráter supremo. Essa rigidez constitucional serve para resguarda o texto Constitucional de mudanças repentinas, impensadas ou precipitadas.

Devem ser respeitadas as condições fixadas pela Constituição para iniciativa do processo de emenda (art. 60, I, II, III), o quórum qualificado (art. 60, § 2º), bem como os seus limites materiais, sobretudo as cláusulas pétreas previstas no art. 60, § 4º da Lei Maior. Nesta ordem de ideias, prevê o § 5º do artigo 60: § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

O texto constitucional é bastante claro. A MATÉRIA constante de proposta de emenda que tenha sido rejeitada, ou considerada prejudicada, NÃO pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Vale lembrar que, nos termos do artigo 57 da Constituição, a sessão legislativa consiste no período anual em que os parlamentares se reúnem em Brasília, não se confundindo com legislatura, período de 4 anos em que o Congresso mantem a mesma composição, nem com as meras sessões, que são as reuniões diárias dos órgãos legislativos.

É importante observar que o texto constitucional impede não apenas que a mesma PEC seja deliberada no mesmo ano em que foi rejeitada, mas veda que a própria MATÉRIA nela constante seja apreciada novamente pelas casas legislativas durante a mesma sessão legislativa, uma vez que já foram rejeitadas. Ou seja, a matéria em si não pode ser posta em discussão novamente, ainda que existam mudanças pontuais no texto não aprovado anteriormente.

Necessário frisar que a redução da maioridade penal só pode ocorrer em Assembléia Constituinte. Pois a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV que os direitos e garantias individuais não são passíveis de alteração ou abolição. A ideia é que jamais na vigência desta constituição, esses direitos e garantias sejam retirados do povo.

A carta magna em seu dispositivo 228 diz que: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”. Entendendo que o dispositivo acima citado, trata de uma garantia assegurada constitucionalmente, ainda que não elencada no artigo 5º da CF/88.

Diz o parágrafo 2º, do artigo 5º da CF/88 que: “os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”. Conjugando o referido parágrafo com o artigo 228 CF/88, entendemos que o artigo 5º CF/88 não esgota os direitos e garantias individuais, ao revés, os direitos e garantias podem estar além desta constituição, portanto podendo ser perfeitamente possível considerar a imutabilidade do artigo 228 da CF/88.

Compreende por fim que o parágrafo 4º, do artigo 6º da CF/88 refere-se a não abolição de qualquer direito e garantia individual que se encontra no corpo desta constituição, não sendo necessário integrar o artigo 5º da CF/88.

Diante desta breve análise e sabendo que existem outros direitos e garantias individuais propagados no texto constitucional, só resta a comprovação de que a inimputabilidade penal compreende norma pétrea, por se manifestar como garantia da pessoa menor de dezoito anos.  Avalio, portanto, que a manobra de Eduardo Cunha vai terminar no Supremo Tribunal Federal.

No Brasil, a maioridade penal é cláusula pétrea e como tal somente poderá ser alterada se criar-se-á uma nova Constituição, do contrário esta perderia sua validade, podendo a qualquer tempo ser alterada por emenda à constituição, possibilitando a perda da segurança jurídica e estabilidade, que são ferramentas essências à manutenção de um Estado Democrático de Direito

Se a proposta de redução da maioridade penal é em si inconstitucional  por violação de cláusula pétrea, a manobra de Cunha a torna duplamente inconstitucional, por conta do vício formal que atinge a PEC da maioridade, dessa vez por ferir o § 5º do artigo 60 da Constituição Federal.

A aprovação da PEC 171 seja na sua forma ou conteúdo ferem a Constituição de 1988, e golpeia nosso Estado Democrático de Direito.

*Robson Marques, advogado, membro da Comissão Política do PCdoB/Pará