Pesquisa do IPEA sobre o grau de tolerância social da violência masculina contra as mulheres

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Sei que vivemos em uma sociedade conservadora, mas me chamou a atenção a chamada de todos os meios de comunicação, a de que "65% dos homens acham que mulheres que vestem roupas curtas merecem ser atacadas". Os dois gráficos abaixo foram a fonte para a chamada da matéria.

É grave que 42,7 % concorde totalmente e 22,4% concorde parcialmente com isso. É grave que a percepção social ainda culpabilize a mulher pela violência que ela é alvo. No entanto, a grande mídia não leu o relatório, pois a amostragem da pesquisa foi feita com homens e mulheres, cerca de 2/3 dos entrevistados são mulheres: Das 3.810 pessoas ouvidas nesta pesquisa, 66,5% são mulheres. Os homens representam 33,5% da amostra. Isso ainda é mais assustador, ela demonstra como a hegemonia masculina contamina inclusive a mente das mulheres que reproduzem o discurso machista;

A pesquisa é mais ampla e traz muitas outras ambiguidades e complexidades. Valeria a pena ler toda o estudo (citado ao final deste post). Destaco um trecho do Relatório com alguns grifos, tirem suas próprias conclusões:

"A pesquisa aqui apresentada teve por objetivo apurar percepções da população brasileira acerca de temas afetos à violência contra as mulheres. O pressuposto é de que a adesão a alguns valores e ideias traduz posturas mais ou menos tolerantes a este tipo de violência.

Os principais resultados aqui apresentados indicam uma ambiguidade nos discursos. O primado do homem sobre a mulher ainda é bastante aceito pela população, mas a violência física não é tolerada. Ao mesmo tempo em que a privacidade do casal e a percepção de que desavenças havidas na família devem ser resolvidas privadamente surgem com grande aceitação, é majoritária a concordância com a punição de prisão para maridos agressores.

Um aspecto positivo é que parece haver um reconhecimento – que, na ausência de referências, pode-se apenas supor ser maior do que no passado – de outras formas de violência além da física, em particular a psicológica e a patrimonial. No entanto, no que toca à violência sexual, a maioria das pessoas continua a considerar as próprias mulheres responsáveis, seja por usarem roupas provocantes, seja por não se comportarem “adequadamente” – o que geralmente quer dizer “como uma respeitável mãe de família”. A questão do direito das mulheres sobre seus corpos segue sendo, portanto, uma fronteira a ser alcançada.

Não há características populacionais que determinem intensamente uma postura mais  tolerante à violência, mas os primeiros resultados apontam que morar em metrópoles,  nas regiões mais ricas do país, Sul e Sudeste, ter escolaridade mais alta e ser mais jovem  são atributos que reforçam a probabilidade de uma adesão a valores mais igualitários, de  respeito à diversidade, e de uma postura mais intolerante em relação à violência contra as mulheres.

Todavia, o que as investigações sugerem até o presente momento é que essas  características não são tão relevantes para explicar a tolerância social à violência contra  a mulher quanto a adesão a determinados valores. Assim, aqueles que consideram, por  exemplo, que o homem deve ser a cabeça do lar, têm uma propensão maior a achar que  a mulher é responsável pela violência sexual, independentemente de outras  características, como ser evangélico. Mas esses são pontos a serem explorados por investigações futuras dos dados deste SIPS.

De maneira geral, os resultados apontam que parece estar havendo uma transformação nos discursos. Não há uma pesquisa equivalente anterior à promulgação da Lei Maria da Penha, contudo, é possível supor que o advento da lei, e toda a visibilidade que ganhou."

IPEA Pesquisas analisam a violência contra a mulher

Leia o texto (SIPS): Tolerância social à violência contra as mulheres

Leia o texto (Nota Técnica): Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar)