Pós-Vox populi e pós-CNT/Sensus: Dilma entre a cruz e a caldeirinha

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1. O pijama do general, o PNDH e a Folha

Da Folha retiro um trecho da entrevista do general Maynard Marques Santa Rosa que acredita que um dos quadros mais respeitáveis da intelectualidade tucana, o professor Paulo Sérgio Pinheiro, é bolivarista:

"O PNDH-3 foi fabricado de fora. Se você pesquisar a similitude entre a Constituição venezuelana, equatoriana e boliviana, que são clones adaptados aos seus países, vai verificar qual é a origem. Isso tudo é uma composição internacional, organizada para implantar uma ditadura comunista. Primeiro, transformar os costumes da sociedade, para, por último, implementar o sistema totalitário."

É certo que não podemos esperar e um general protagonista do golpe de 1964 que ele esteja informado sobre  todos os tratados e declarações internacionais das quais o Brasil desde que se tornou um Estado democrático seja signatário em relação aos Direitos Humanos (dos quais ainda não conseguiu cumprir boa parte) daí ele achar que Direitos Humanos só pode ser coisa de 'comunista' e que o PNDH é instrumento do bolivarismo e afins....

Para quem não acompanhou, assim que o PNDH3 começou a ser atacado na imprensa por toda extrema-direita conservadora do país, o professor Paulo Sérgio Pinheiro começou uma peregrinação na mídia brasileira para tentar chamar à razão os seus pares de partido e da imprensa, veja aqui e aqui.

Ao ler a entrevista do referido general e o que ele diz sobre a origem do PNDH3 descobrirmos, portanto ,que   ele é no mínimo mal informado.

2. Comissão da Verdade e  a "terrorista assassina" na dianteira das pesquisas

Outra matéria me chamou a atenção, desta vez, na Carta da Maior. No artigo (veja a transcrição no final deste post) o professor Venício Lima afirma que o PNDH está praticamente morto, pois a grande mídia venceu outra vez e conseguiu impor a sua agenda conservadora ao presidente conciliador.

Após ler a entrevista do general e o artigo do professor Venício me pergunto: se o PNDH (que não é do presidente Lula nem bolivariano como acusa a extrema-direita) e que já sofreu tantas concessões ao texto original como mostra o artigo do professor Venício, por que a Folha ainda insiste em dar grandes espaços a generais para contrapô-lo?

Ah sim, caríssimos leitores, lembrem-se do contexto em que vivemos: absolutamente tudo que lerem na grande mídia e também na mídia alternativa considerem os lances do xadrez eleitoral: a publicação no sábado das pesquisas eleitorais Vox Populi e a de hoje, pela CNT/Sensus, que apontam a candidata Dilma Rousseff na frente do candidato José Serra na preferência das intenções de voto do eleitorado brasileiro não passarão em branco por nenhuma das forças políticas em disputa no país.

Na humilde opinião desta blogueira as duas grandes forças ideológicas do país começarão a pressionar mais: a esquerda pressionará a candidata para incorporar suas bandeiras de luta e a extrema-direita  cada vez mais desesperada e cuja virtude não é exatamente o amor à democracia, buscará deslegitimar a candidatura de Dilma Rousseff.

Preparem-se para mais Fichas falsas; preparem-se depoimentos de 'vitimas torturadas' pela Dilma do estilo da Míriam  Cordeiro que recebeu 24 mil dólares para 'denunciar' Lula no programa de Collor na eleição de 2009 e para depois a Rede Globo colocar no ar no Jornal Nacional; preparem  para "listas de mortos" preparada pelo 'tio Rei',  aquele que tem 50 mil motivos para temer que a operação castelo de areia venha a público. Preparem-se para a Dilma 'terrorista', 'desnaturada',  'não cristã', 'macumbeira', 'amiga das Farcs', 'assassina' e outros factóides  que já pipocam no twitter feito gremlins e também no partido da imprensa.

Os principais representantes do instituto Millenium já perceberam que não bastam as galhofas do gente que mente, site oficial do PSDB, pois as últimas pesquisas mostraram que fazer campanha suja contra a candidata de um presidente que tem 83,7% de aprovação popular não está surtindo efeito. É preciso mais. E eles prometem que farão mais.

A Folha já entendeu o recado. Vejam, por exemplo, que na mesma entrevista do general à Cantanhêde podemos ler isso aqui:

FOLHA - Não é justo, portanto, ter uma Comissão da Verdade para apurar se houve ou não houve? SANTA ROSA - Seria justo se os dois lados dissessem a verdade. Se você perguntar a Dilma Rousseff quantas pessoas ela assaltou, torturou, matou...

Tem grande mídia brincando com fogo, não me parece que todos os que a ela pertencem, prefiram voltar ao período da ditadura militar. É bom pensar duas vezes, antes de recorrer aos generais de pijama pra deslegitimar o jogo democrático. É fato que a Folha (por mais que tente) parece não conseguir abandonar o seu papel de cão de guarda da Ditadura militar.

3. Discursos não nos leva ao paraíso

Quanto à extrema-esquerda é bom estar atenta. O Brasil não é o Chile, não é Honduras, mas é preciso mais que discursos para construir o paraíso ou enfrentar os brucutus.

Pessoas que respeito detrataram a candidata Dilma Rousseff por respeitar a decisão do STF sobre a Lei da Anistia. Detratam-na como se ela não fosse uma das vítimas da Ditadura presa e torturada por enfrentar um regime golpista que nos cerceou liberdades, impôs  censura, terror e repressão.

Cobrar de governos (qualquer um deles), bandeiras que são da sociedade civil organizada, de movimentos sociais, sem sequer fazer parte dos movimentos sociais e, portanto, sem participar de seu crescimento e fortalecimento como força política, parece-me ser muito confortável, mas ação inóqua em termos de mudanças. #ficaadica.

Agora, fiquem com o texto do professor Venício. Ele está correto na avaliação do PNDH3: nada havia no plano  original que fosse inconstitucional ou que ameaçasse a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa. Por isso é de causar espanto que mesmo com todas as concessões feitas pelo governo Lula à grande mídia em relação ao PNDH3 a Folha ainda insista em querer esquartejá-lo em praça pública com a ajuda de coturnos.

PNDH3: a grande mídia vence mais uma Venício Lima, na Carta Maior

O curto período de menos de cinco meses compreendido entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que as forças políticas que, de fato, há décadas, exercem influência determinante sobre as decisões do Estado no Brasil, conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (Decreto n. 7.037/2009). Refiro-me, por óbvio aos militares, aos ruralistas, à Igreja Católica e, sobretudo, à grande mídia.

Em editorial com o sugestivo título de “O Poder da Pressão”, publicado no dia 15 de maio, o jornal O Globo não poderia ter sido mais explícito. Para o jornalão carioca, os interesses dessas forças políticas são confundidos deliberadamente com “um forte sentimento coletivo” e com o interesse da “sociedade”. Afirma o editorial:

“Decorridos cinco meses do seu lançamento, o PNDH foi alvo de críticas de militares, da Igreja, de agricultores e de órgãos de comunicação, pela visão unilateral com que abordava questões polêmicas. Entre estas, a atuação dos órgãos de segurança durante o regime militar de 64, o aborto, as invasões de terra e a liberdade de expressão. (…) O recuo do Planalto não deixa de corresponder a uma vitória significativa da sociedade, cujo poder de pressão ficou evidente no episódio.”

Direito à Comunicação No que se refere especificamente ao direito à comunicação, o novo Decreto mantém a ação programática (letra a) da Diretriz 22 que propõe “a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados”. Agora, no entanto, foram excluídas as eventuais penalidades previstas no caso de desrespeito às regras definidas. Foi também excluída a letra d, que propunha a elaboração de “critérios de acompanhamento editorial” para a criação de um ranking nacional de veículos de comunicação.(grifos nossos) Abaixo o que foi alterado:

Diretriz 22: Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Direitos Humanos. Objetivo Estratégico I:

Promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção da cultura em Direitos Humanos. Ações Programáticas: Era assim:

a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas. Ficou assim:

a) Propor a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados. (…) A ação programática contida na letra d foi revogada:

d) Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações.

O poder da grande mídia Na verdade, os principais grupos de mídia atingiram seus objetivos em período ainda menor do que o necessário para as outras forças políticas: entre 8 de janeiro e 12 de maio, pouco mais do que quatro meses. Na primeira data foi publicada uma Nota à Imprensa conjunta, assinada pela ABERT, pela ANJ e pela ANER. A Nota terminava afirmando:

“As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros esperam que as restrições à liberdade de expressão contidas no decreto sejam extintas, em benefício da democracia e de toda a sociedade.”

Agora, logo depois da publicação das alterações do plano (Decreto n. 7.177/2010), as mesmas entidades voltam a publicar Nota à Imprensa, dessa vez considerando “louvável” o recuo do governo.

“As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros consideram louvável a iniciativa do governo de suprimir pontos críticos que ameaçavam a liberdade de expressão do Decreto nº 7.037, que aprovou o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH 3.”

Não vou repetir aqui os argumentos de que o PNDH3 original não propunha nada que fosse inconstitucional ou que ameaçasse a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa.

Registro apenas que a realidade fala mais alto e confirma que ainda não foi dessa vez que o interesse público prevaleceu sobre os interesses da grande mídia. E, assim, caminhamos.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010 (no prelo).