RAPOSA/SERRA DO SOL, UM LUGAR DE DIREITO

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"Roraima tem cerca de 400 mil habitantes num território de cerca de 225 mil quilômetros quadrados. A população rural não chega a 90 mil pessoas, das quais 46 mil são indígenas, ou seja, 52% do total, ocupando 47% das terras. Raposa Serra do Sol ocupa 7,7% da área do Estado e abriga 18 mil índios. Por outro lado, seis rizicultores ocupam 14 mil hectares em terras da União. Em maio último, o Ibama autuou a fazenda Depósito, do prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero, por ter aterrado duas lagoas e nascentes, além de margens de rios, e por ter desmatado áreas destinadas à preservação permanente e à reserva natural legal." (Marina Silva)

Os argumentos em torno da demarcação da TI Raposa Serra do Sol chegaram a um tal descalabro que resolvi aceitar a idéia que nos propõem jornalistas como Willian Waack e Alon com o argumento que é "muita terra pra pouco índio". Então vamos lá, usando os dados que nos fornece Marina Silva, suponhamos que cada morador queira requerer 'a parte que lhe cabe neste latifúndio':

6 rizicultores ocupam 14 mil hectares em terras da União (140 km²) ou 0,06% da área do Estado).

Relação pessoa por área ocupada: cada arrozeiro ocupa 23,33 km².

18 mil indígenas ocupam 17 mil km² na Raposa Serra do Sol (7,7% da área do Estado)
Relação pessoa por área ocupada: cada indígena ocupa 0,944 km².

Façamos as contas: dividamos a área de 225 mil km2 por 400 mil habitantes cerca de 0,56 km² por habitantes (lembrando que cerca de 310 mil estão em área urbana).

Alguns poderão argumentar ainda que os indígenas estão ocupando quase o dobro do que seria 'justo'. Ora e quanto aos arrozeiros?
Quantos Roraima iríamos precisar se os 400 mil habitantes do Estado fossem esses 6 arrozeiros? Vejamos: 400 mil vezes 23,3 km2 = 9.320.000 Km². Qual é mesmo a área do estado de Roraima? ah! 225 mil km²! Precisaríamos de uma área 42 vezes maior.

Quais interesses você acha que o povo brasileiro deve defender? Dos verdadeiros donos da terra que hoje estão sendo mortos para garantir 7,7% da área do Estado ou de 6 latifundiários e seus aliados?

Povos indígenas não aterram lagoa. Para proteger o meio ambiente e a nós mesmos, nossos aliados são os Macuxi e outros povos indígenas da Raposa Serra do Sol, sem sombra de dúvida!

Eu sugiro aos leitores que mandem o artigo de Marina para o Alon, o Willian Waack e outros jornalistas que aderiram a um discurso nacionalista duvidoso, confuso, oportunista e acima de tudo irresponsável ao fazer a defesa inconseqüente que estão fazendo dos interesses do capital do agro-negócio que desmata, destrói biomas, aterra lagoas, polui nascentes e põe a vida dos indígenas, dos sem terra, da fauna e flora brasileira em risco.

Quem sabe além do cálculo de área ocupada eles consigam computar outros prejuízos deste pragmatismo desenvolvimentista para além dos interesses individualistas que defendem.

Além disso, proponho ainda que passemos a reivindicar junto ao STF não apenas a demarcação efetiva da TI Raposa Serra do Sol, mas também a ampliação de áreas de preservação e lutemos contra a formação dos latifúndios que só fazem crescer e destruir o planeta !

Vivemos em uma era de Blairo Borges Maggi! Nem a Coroa portuguesa teve tal descaramento em tempos coloniais.

Agora, apreciem o didático texto de Marina e avaliem por si mesmos se é possível ainda assistirmos as tevê corporativa e lermos jornalistas de esquerda que foram parar no Correio Brasiliense....
(Conceição Oliveira)

por Marina Silva, no Terra Magazine

20 de junho de 2008

Faz parte desse espaço uma interpelação ética da qual não podem fugir nem os países desenvolvidos nem os em desenvolvimento,
entre eles o Brasil. A Amazônia, com sua incomparável floresta tropical, sua biodiversidade e sua diversidade social, talvez seja o maior símbolo dessa interpelação. Para os países desenvolvidos, a pergunta que se faz é sobre seu passado. Destruíram sua biodiversidade, arrasaram os povos originários dos lugares conquistados e provocaram, a partir da revolução industrial, alterações ambientais tão extensas que levaram à atual crise ambiental global, em cujo centro estão as mudanças climáticas.
Embora pareça paradoxal, nossa situação é bem melhor porque somos questionados sobre o futuro. Quando somos perguntados sobre o passado, estamos diante do quase irremediável. Sobre o futuro, temos a chance de projetá-lo. Isso implica dizer o que vamos fazer com nossa biodiversidade, porque temos 20% das espécies vivas do planeta; com nossos recursos hídricos, porque temos 11% da água doce disponível, 80% dos quais na Amazônia; com a maior floresta tropical e com a maior diversidade cultural do mundo. O Brasil ainda tem cerca de 220 povos indígenas que falam mais de 200 línguas.

Essa é uma poderosa interpelação porque permite escolhas e, portanto, exige que estejamos à altura da oportunidade de optar. A discussão é de caráter civilizatório, não se esgota em circunstâncias ou polêmicas pontuais. O Brasil é uma potência ambiental e humana e não pode se conformar em querer, séculos depois, a mesma trajetória que fez dos países desenvolvidos, ricos, porém com graves desequilíbrios ambientais. Nossa meta deve ser: desenvolvidos, porém por meio de caminhos diferentes.

A diferença está, em primeiro lugar, em aceitar a interpelação ética a que me referi, sem tentar lhe dar respostas banais e evasivas. A falsa polêmica em torno da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, resume a radicalidade exigida por essa interpelação.

Como ministra do Meio Ambiente enfrentei, ao lado dos ministérios da Justiça e do Desenvolvimento Agrário, uma situação no Pará em que um grande grileiro apossou-se de 5 milhões de hectares na Terra do Meio. Conseguimos criar nessa área a maior estação ecológica do país, com 3 milhões e 800 mil hectares. Vi a Polícia Federal implodir 86 pistas clandestinas usadas para tráfico de drogas e roubo de madeira. E nunca ninguém disse que aquele grileiro era ameaça à soberania nacional. Mas os 18 mil índios de Roraima são assim considerados por alguns e muitas vezes tratados como se fossem mais estrangeiros do que os estrangeiros, porque sequer são reconhecidos como seres humanos em pé de igualdade com os demais.

Um exemplo: o mundo ocidental tem em Jerusalém um ponto de referência do sagrado para inúmeras religiões de matriz judaico-cristã. Ficaríamos chocados se alguém quisesse destruí-la e a defenderíamos como algo que é constituinte essencial de nossa cosmovisão. No entanto, em relação à cosmovisão dos índios, acha-se pouco relevante considerarem o Monte Roraima o lugar da origem do mundo.

Pode parecer, para quem acompanha o caso de Raposa Serra do Sol, que a criação da reserva indígena foi um procedimento autoritário e injusto, que desconsiderou direitos dos não-índios. Não é verdade. A legislação brasileira define detalhadamente critérios para demarcação. O contraditório é garantido por decreto, exigindo que sejam anexados, ouvidos e examinados os argumentos contrários. Manifestam-se proprietários de terra, grileiros, associações, sindicatos de trabalhadores ou patronais, prefeituras, órgãos públicos estaduais e federais, apresentando tudo o que considerem relevante. Por isso, a demarcação física das áreas leva, em geral, muitos anos, o que elimina quaisquer possibilidades de açodamento.

Roraima tem cerca de 400 mil habitantes num território de cerca de 225 mil quilômetros quadrados. A população rural não chega a 90 mil pessoas, das quais 46 mil são indígenas, ou seja, 52% do total, ocupando 47% das terras. Raposa Serra do Sol ocupa 7,7% da área do Estado e abriga 18 mil índios. Por outro lado, seis rizicultores ocupam 14 mil hectares em terras da União. Em maio último, o Ibama autuou a fazenda Depósito, do prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero, por ter aterrado duas lagoas e nascentes, além de margens de rios, e por ter desmatado áreas destinadas à preservação permanente e à reserva natural legal.

Em 1992, quando foi homologada a reserva Ianomami, seis vezes maior do que a Raposa Serra do Sol, houve muito estardalhaço, alimentado pela acusação de que isso representaria ameaça à soberania nacional e grave risco de internacionalização da Amazônia. Passados 16 anos, a reserva abriga 15 mil índios em área de fronteira e não se tem notícia de que tenham causado qualquer dano à nossa soberania e muito menos que pretendam ser uma "nação indígena" separada do território brasileiro, como diziam à época os opositores da homologação.

Estamos perto da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação contínua de Raposa Serra do Sol. Será um grande desafio para a instituição e para todo o País, num momento que o mestre Boaventura de Souza Santos chama de bifurcação histórica. Diz ele que as decisões do STF condicionarão decisivamente o futuro do país, para o bem ou para o mal. Que esta decisão seja parte da resposta que devemos dar à interpelação ética sobre nosso futuro.