Relatora da ONU denuncia desrespeito à laicidade do Estado brasileiro, intolerância e racismo nas escolas brasileiras

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ONU critica imposição de ensino religioso em escolas públicas

Além de desrespeito à laicidade do Estado brasileiro, relatora denuncia ''intolerância e racismo''

Por: Jamil Chade, Ângela Lacerda (Recife), Evandro Fadel (Curitiba) e Marcelo Portela, (Belo Horizonte)

Fonte: O Estado de São Paulo (SP) (recebido por mail)

30 de maio de 2011

Centenas de escolas públicas em pelo menos 11 Estados do Brasil não seguem os preceitos do caráter laico do Estado e impõem o ensino religioso, alerta a Organização das Nações Unidas. Em relatório a ser apresentado na semana que vem ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, a situação do Brasil é criticada.

O documento foi preparado pela relatora da ONU para o direito à cultura, Farida Shaheed, que também alerta que intolerância religiosa e racismo "persistem" na sociedade brasileira.

A relatora apela por uma posição mais forte por parte do governo para frear ataques realizados por "seguidores de religiões pentecostais" contra praticantes de religiões afro-brasileiras no País. Uma das maiores preocupações é o com o ensino religioso, assunto que pôs Vaticano e governo em descompasso diplomático.

Os Estados citados por Farida, que visitou o País no final do ano passado, são Alagoas, Amapá, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

A relatora diz ter recolhido pedidos para que o material usado em aulas de religião nas escolas públicas seja submetido a uma revisão por especialistas, como no caso de outros materiais de ensino. Além disso, "recursos de um Estado laico não devem ser usados para comprar livros religiosos para escolas", esclarece.

Para Farida, "deixar o conteúdo de cursos religiosos ser determinado pelo sistema de crença pessoal de professores ou administradores de escolas, usar o ensino religioso como proselitismo, ensino religioso compulsório e excluir religiões de origem africana do curriculum foram relatados como principais preocupações que impedem a implementação efetiva do que é previsto na Constituição".

Legislação A Lei de Diretrizes e Bases da Educação diz que o ensino religioso deve ser oferecido em todas as escolas públicas de ensino fundamental, mas a matrícula é facultativa. A definição do conteúdo é feita pelos Estado e municípios, mas a legislação afirma que o conteúdo deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa e proíbe qualquer forma de proselitismo.

"Em tese, deveria haver um professor capaz de representar todas as religiões. Mas, como sabemos, é impossível", explica Roseli Fischmann, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). "Além disso, a aula não é tratada efetivamente como facultativa. O arranjo é feito de tal forma que o aluno é obrigado a assistir."

Roseli explica que o modelo brasileiro é pouco usual nos países em que há total separação entre Estado e religião. "Até Portugal, que no regime de Salazar tornou obrigatório o ensino religioso, aboliu as aulas. Educação religiosa deve ser restrita aos colégios confessionais. Lá, o pai matricula consciente."

Antes da aula, o Pai Nosso Contrariando a lei, proselitismo religioso é comum em escolas públicas do País

Os alunos da escola municipal Dom Hélder Câmara, no Recife, rezam diariamente o Pai Nosso antes de entrarem nas salas de aula. A rotina é cumprida no pátio da escola que tem, na entrada, um crucifixo na parede e um cartaz com foto do arcebispo católico que morreu em 1999, aos 90 anos.

O prédio onde funciona a escola foi cedido à prefeitura pela Irmandade das Almas do Recife. Uma capela faz parte do imóvel, mas, segundo a diretora Lucila Araújo, ela não é usada por professores e alunos. "Em sala de aula ninguém prega uma religião", diz Lucila.

O caso mostra que, embora a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) proíba o proselitismo nas escolas públicas, na prática, ele persiste, por tradição ou desconhecimento, em todo o País.

Em Curitiba, o Colégio Estadual Santa Cândida, administrado pelas Irmãs Franciscanas da Sagrada Família, tem capela, crucifixos, aula de religião e orações diárias. A página do colégio na internet destaca imagens de Santa Cândida, além de orações. Apesar de pública, o site diz que a escola "fundamenta seus princípios educacionais nos valores do Evangelho".

Em Belo Horizonte, a Escola Municipal Governador Carlos Lacerdafunciona em um terreno doado por uma congregação religiosa. Os estudantes convivem diariamente com uma gruta com a imagem de uma santa, instalados no pátio da instituição. O diretor Wagner José Gomes Barbosa afirma que "toda escola pública é laica" e diz que a gruta com a imagem já existia antes da construção da escola.

Para assegurar a neutralidade, Barbosa diz que, nas formaturas do ensino médio, é realizado um culto ecumênico: "Chamamos um pastor evangélico, um espírita e um padre, além de quaisquer outras religiões que queiram participar."

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