Ricardo Targino: "Somos os filhos do lulismo que já inventamos a nossa própria revolução"

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Conheci o Ricardo na festa de 10 anos do Intervozes, uma metralhadora de frases que calam fundo, que nos dilacera, que nos tira do chão. Como ele conheci Lula ainda menina, subi em caminhão com megafone na mão, ao lado do metalúrgico que nos encheu de orgulho. Já narrei tantas histórias sobre minha formação forjada pela trajetória deste operário que hoje aniversaria.

Não dou adeus ao lulismo, acho que há diferenças entre o segundo mandato do governo Lula e o governo Dilma e tenho clareza que um governo de direita retiraria todos os avanços do governo Lula e algumas políticas públicas do governo Dilma, como o Mais Médicos. Valter Pomar vive repetindo em suas falas do PED que podemos construir um segundo mandato de Dilma mais popular. Acho que é verdadeiramente necessário que o PT tenha esta perspectiva. Queria que o governo Dilma ouvisse as ruas e não rompesse com a trajetória criativa que caminhava o governo Lula em 2010.

O texto de Ricardo é duro, dorido e não adianta classificá-lo de psolista, pstu, pco ou qualquer coisa semelhante. Você não vai conseguir calá-lo, desqualificá-lo. Seria importante respirar e ouvir o que as ruas têm a dizer.

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Adeus ao Lulismo

SEM MEMÓRIA NÃO HÁ RESISTÊNCIA

Por: Ricardo Targino, Trezentos

27/10/2013

O menino da foto sou eu, ainda lá no Vale do Jequitinhonha onde nasci e cresci e onde pela primeira vez me encontrei com Lula há quase 20 anos atrás quando o líder operário caminhava para sua segunda derrota eleitoral. Muita água passou debaixo da ponte desde este primeiro encontro entre aquele menino que fui e o velho Lula que hoje completa 68 anos.

Foi num saudoso Partido dos Trabalhadores que eu comecei minha alfabetização política e ingressei no movimento estudantil. Mesmo fora do PT, em outras formações da esquerda e depois como independente sem organização partidária eu encontrei ainda com Lula diversas vezes nestes anos todos. Encontrei com Lula em diversos congressos e encontros estudantis, da luta pela democratização da comunicação e também em eventos de seu governo quando a sociedade e suas organizações foram convocadas para construir políticas públicas de cultura e de comunicação. Lula, enquanto presidente, foi sempre fiel ao seu interesse no diálogo com um setor da juventude brasileira sobretudo o de origem popular. Seu governo transformou Brasília em point de todo um conjunto de jovens ativistas que naquele momento encontraram a oportunidade para intervir diretamente nos rumos da política. Desse diálogo surgiu por exemplo o Plano Nacional de Cultura, sancionado por Lula como política de Estado para a cultura brasileira nos últimos dias de seu governo.

“O menino caminha e caminhando chega num muro”

Suamos a camisa para eleger Dilma, a primeira mulher presidente do Brasil, conforme quis Lula, justamente apostando na continuidade destas políticas arrojadas de inclusão que iam para além dos programas de transferência de renda, sempre ameaçados pelos setores conversadores. Acreditávamos que políticas de distribuição de poder simbólico caminhariam para a distribuição de poder material e político. Por isso construímos na cultura e na comunicação projetos que caminhavam neste sentido e são bem representados além do Plano Nacional de Cultura também no Plano Nacional de Banda Larga ou ainda na estruturação de uma reforma da comunicação apontada através das deliberações da Confecom (convocada por Hélio Costa, o ‘repórter global’ ministro do PMDB à frente do Ministério das Comunicações de Lula que o petista Paulo Bernardo nos deixa sentir saudades). Além da continuidade política naturalmente esperada de um governo de continuidade, acreditávamos também que as portas do Planalto seguiriam abertas para o movimento social e suas pautas.

O governo Dilma, entretanto, enterrou todo o legado do ‘diálogo jovem’ do governo Lula. A primeira ação de Ana de Hollanda a frente do MinC foi retirar da Casa Civil o projeto de lei da reforma do direito autoral, um dos pilares da distribuição do poder simbólico expressa no Plano Nacional de Cultura. De lá para cá todas as portas do governo mantiveram-se fechadas não apenas à juventude mas também ao protagonismo do movimento social. Precisou Obama espionar Dilma para a internet entrar na pauta de seu governo. O Marco Civil da Internet, por exemplo, vale lembrar, Dilma recebeu pronto como herança do governo Lula.

Somos os filhos do lulismo que já inventamos a nossa própria revolução

A memória política do movimento popular do Brasil não pode se enganar diante da falsificação que pretende tributar às alianças com o fisiologismo da velha política e com parcelas significativas da elite nacional no financiamento da campanha a vitória eleitoral de Lula. O governo Lula e também a eleição de Dilma foram produto de uma correlação de forças que permitiu ao conjunto do campo popular avançar para posições de governo por dentro do velho Estado. Não foram os empreiteiros, banqueiros, nem Eike Batista quem permitiu ao Brasil dois mandatos de Lula, mas sim a resistência do MST, da CUT e diversos sindicatos, do Movimento Sem Teto, das Comunidades Eclesiais de Base e todo o conjunto de entidades do movimento social que fizeram frente à Globo e à patronal. A milionária campanha de Dilma também teve a seu favor, para além dos financiadores privados, a luta na internet e nos fronts de mobilização por parte destas mesmas forças políticas do campo popular. Mas a articulação dessa vitória deu lugar a um governo de costas para o campo popular e dormindo nos braços da elite mais conservadora em uma aliança cada vez mais fisiológica com os setores mais atrasados da velha política.

Junho ainda não terminou

Não há coincidência nenhuma em que manifestações históricas de enorme grandeza tenham eclodido em junho no Brasil. Aqui, deveriam se lembrar os companheiros, a esperança vai sempre vencer o medo e por isso mesmo as ruas tiraram o nó na garganta do conjunto de uma juventude PRESA POLÍTICA da correlação de forças construída por Dilma e seu governo.

NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS uma REVOLTA POPULAR surgida espontaneamente, na contramão dos governos e inclusive dos partidos da velha esquerda, sem a liderança de ‘grandes quadros ou direções experientes’, enfrentando fortíssima repressão e prisões em massa PERMANECEU DE PÉ por tanto tempo e com fôlego para CONTINUAR suas lutas.

Apesar da enorme beleza disso, rapidamente começaram os ataques inclusive na velha esquerda contra as manifestações, primeiro disfarçadas na máscara de Regina Duarte e do discurso do ‘eu tenho medo de um golpe’ e de lá para cá petistas e setores amplos da antiga esquerda evoluíram conjuntamente no coro da criminalização que faz a mídia e que quer calar toda uma juventude ‘sem cabresto’ que diante da falência múltipla desta democracia representativa e dos velhos partidos decidiu inventar sozinha novas possibilidades de existência política para si, para seu futuro e seus sonhos.

É esta a ‘crise de protagonismo’ que faz uma velha militância juntar-se à família Marinho para apedrejar a novidade. Na solidão de seus gabinetes e sindicatos mofados não são capazes nem da autocrítica óbvia de que a ‘despolitização’ da juventude que eles acusavam em junho é uma das evidências mais nítidas da institucionalização dos 10 anos de governo petista afetando todas as forças políticas do campo popular. A frente popular brasileira não apenas deixou de organizar o povo como também desorganizou as velhas organizações.

Lula também se somou à condena dos protestos criminalizando o Black Bloc. A solidariedade seletiva de Dilma, que colocou o Exército na rua para privatizar o Pré-Sal e neste gesto deixar o maior legado de seu governo, é exatamente a mesma solidariedade da família Marinho e da Globo. SÓ UMA ELITE CONSERVADORA E PATRIMONIALISTA EXTREMAMENTE CÚMPLICE DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS COMO É O CASO DA ELITE BRASILEIRA, MUITO BEM REPRESENTADA PELA MÍDIA E POR ESTE GOVERNO, É CAPAZ DE VITIMIZAR A POLÍCIA! Todo camburão tem um pouco de navio negreiro e o Brasil é o PRESO POLÍTICO maior da enorme desesperança e revolta que vem crescendo entre os setores mais pobres e cuja única resposta que encontra dos poderes é mais repressão e nenhuma sensibilidade com o grito desesperado das ruas exigindo atenção. Estão querendo apagar fogo com gasolina! Não houve na frente popular nenhum gesto em defesa da integridade física dos manifestantes ou sequer a defesa da legalidade frente aos abusos cometidos pelos próprios agentes do Estado.

Mas a história é dinâmica e a luta continua INVENTANDO NOVOS ARRANJOS inclusive teóricos. Diferente da ‘verdade dos jornais’, na qual o ‘anarquismo’ domina a cena, nas mobilizações que seguem o Brasil vai inventando surpresas no remix de ideias e metodologias que só podem mesmo nascer aqui porque aqui é a terra da miscigenação do homem novo e do mundo novo.

A juventude ‘sem cabresto’ e que não dá arrego está inventando nas ruas AQUILO AINDA NÃO EXISTE E AINDA NÃO TEM NOME E FAZ ISSO JUNTO DE TODA A RESISTÊNCIA GLOBAL CONTRA GOVERNOS E PARTIDOS VENDIDOS AO DESMANTELO DO CAPITAL QUE AMEAÇA O CONJUNTO DA HUMANIDADE.

DEIXA PASSAR A REVOLTA POPULAR!

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