Como perdoar aqueles que, sem lamentarem seus crimes, orgulham-se de tê-los cometido

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Para quem não sabe quem é o velhinho dos selfies na Paulista do dia 15/03, cito um trecho do jornalista Fernando Molica

Por último, vale registrar: o Carlos Alberto Augusto, vulgo 'Carteira Preta' e 'Carlinhos Metralha', o ex-delegado do Dops que discursou na manifestação, levou para a Avenida Paulista um cartaz em que dizia querer ser ouvido pela Comissão da Verdade. Pena que só diz isso agora, quando os trabalhos da comissão foram encerrados. O relatório diz que ele foi convocado a depor, mas não foi localizado. Na hora de prestar contas à história, ele tratou de não aparecer. Segue trecho do relatório sobre ele:

Carlos Alberto Augusto (1944-) Delegado de polícia. Serviu no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS/SP), sendo conhecido como "Carteira Preta" e "Carlinhos Metralha". Integrou a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Teve participação em casos de detenção ilegal, tortura e execução. Convocado para prestar depoimento à CNV, não foi localizado. Vítimas relacionadas: Carlos Marighella (1969); Eduardo Collen Leite (1970); Antônio Pinheiro Salles e Devanir José de Carvalho (1971); Soledad Barrett Viedma, Pauline Reichstul, Jarbas Pereira Marques, José Manoel da Silva, Eudaldo Gomes, Evaldo Luiz Ferreira de Souza e Edgard de Aquino Duarte (1973).

A Pauline Reichstul, apontada no relatório como uma das vítimas do 'Carlinhos Metralha', era irmã de Henri Philippe Reichstul, presidente da Petrobras no governo Fernando Henrique Cardoso.

O futuro sem perdão

Por: Sandra Helena de Souza, O Povo

29/03/2015

Dentre tantas devastações que acometem a alma humana uma provoca, sem dúvida, um sofrimento psíquico terrífico: a impossibilidade de perdoar, quando nada mais pode ser feito para reparar, material ou moralmente, o dano sofrido, independente de sua extensão. O perdão não elimina a justiça da pena, nem autoriza reconciliação pantomímica, o perdão situa-se além de bem e mal: é reconhecimento da minha falha humanidade através da falha alheia reconhecida, que me ensina também a perdoar-me para viver o futuro. Isso vale para relações pessoais tanto quanto institucionais, para indivíduos e para a nação.

Mas como perdoar aqueles que, sem lamentarem seus crimes, orgulham-se de tê-los cometido, afrontam as vítimas e suas memórias, justificam abertamente seus feitos, sem remorsos, dispostos a retomar de onde foram obrigados a parar de praticá-los? É certamente o pior dos mundos, onde alguns indivíduos se encontram moralmente encalacrados, e onde, seguramente, atola-se mais uma vez o país.

Um vídeo produzido pela Revista Trip, que acompanhou os manifestantes do 15/3/15 em São Paulo, de título ‘Por favor, chamem o alto Comando’ nos brinda com cenas tão bizarras que seriam hilárias caso ignorássemos o potencial de barbárie que elas desfraldam perigosamente à nossa volta. Os jornalistas ficaram na cola dos manifestantes que pedem ‘intervenção militar’, um crime de lesa-democracia a céu aberto, travestido de ‘liberdade de expressão’. Constante, firme e já tornado público desde o março último quando da passagem dos 50 anos do Golpe, com gente cada vez mais jovem, esse espectro bestial ainda suscita apenas desdém e escárnio em boa parte dos bem-pensantes, tanto apoiadores como opositores do atual governo. ‘São apenas um pequeno bando de lunáticos’, já ouvi por aí. ‘Inofensivos’. Não creio.

Já não se pode alegar ignorância nem mesmo dos imberbes defensores de tanques e coturnos. E soa, ao mesmo tempo, improvável (não impossível) qualquer quartelada à moda antiga. Mas é curioso perceber que à timidez dos efeitos políticos da Comissão Nacional da Verdade tenha se seguido, como um seu corolário bastardo, a desavergonhada onda de selfies com um assassino confesso e torturador, defronte ao Masp – caricatura emblemática do movimento que vai adquirindo consistência pública, galvanizando as cavernas mais fétidas de nosso imaginário social, e uma cada vez mais desabrida auto apologia dos que, pouco a pouco, se sentem confortáveis para saírem de suas cloacas.

Não senhoras e senhores, eles não são poucos e bem sabem o que fazem. Ocupam universidades, parlamentos, forças policiais retrógradas e religiosos ultra-conservadores, das quais, vejam só, um parlamentar do PSol carioca é uma espécie de ícone. O perturbador: atraem mentes fundamentalistas jovens e até ‘gladiadores da fé’ já desfilam por aí. É uma ameaça real às duras conquistas civilizatórias que alcançamos.

É preciso ver o que cada um de nós tem a ver com isso. Esses velhos criminosos jamais vão dizer que lamentam. Enquanto esperávamos, deram cria. Sem tréguas combatê-los, os que são de luta. Sem descanso. E sem perdão. *Sandra Helena de Souza: Professora de Filosofia da Unifor [email protected]