Tulio Sene: uma cronologia do golpe

Escrito en BLOGS el

O professor Tulio Sene recupera fatos importantes da última década que nos ajuda a entender os reais interesses escusos por trás dos golpistas: é o pré-sal, é a soberania do país que estão em jogos e sempre foram esses os motivos que impulsionam a direita golpista diuturnamente a inviabilizar o governo Dilma.

Por Tulio Sene* especial para o Maria Frô

CRONOLOGIA DA TENTATIVA DE GOLPE DE ESTADO: 2007 – 2016

Em 2006, a Petrobrás compra a refinaria de Pasadena, que fica próxima aos principais poços de petróleo em operação nos EUA. Até então a Petrobrás tinha planos de investir no mercado americano, no entanto, com a descoberta do Pré-Sal, houve uma reviravolta nos planos da empresa. De janeiro de 2007 a julho de 2008, o preço do barril de petróleo, que já vinha em uma tendência de alta desde 1999, saltou de 54 para 133 dólares. Ele caiu para a casa dos 40 dólares o barril depois da crise de 2008, mas voltou a operar acima dos 100 dólares a partir de janeiro de 2011. Em agosto de 2014, após 43 meses consecutivos de operações no mercado com o barril valendo mais de 100 dólares, os preços começam a despencar. Nos primeiros meses de 2016 o barril de petróleo tem sido cotado na casa dos 35 dólares. Resgatar alguns acontecimentos dos últimos dez anos, pode nos ajudar a entender a tentativa de golpe atual. Faremos assim um exercício de história breve, cotidiana.

2007

Outubro: Brasil, o país do futuro, é formalizado como sede da Copa de 2014 da FIFA.

Novembro: É anunciada a descoberta de enormes reservas de petróleo em águas oceânicas profundas da costa brasileira. O seu custo de extração é mais alto e exige desenvolvimento de novas tecnologias. As dificuldades, contudo, parecem compensar, pois as reservas anunciadas são garantidas e em quantidade cinco vezes maior do que as até então existentes no Brasil. O mercado de petróleo e o sistema financeiro desviam suas atenções para o Brasil.

Dezembro: Ainda ministra, Dilma começa a orientar a preparação do marco regulatório do Pré-Sal.

2008

Janeiro: Quatro notebooks e dois HDs da Petrobrás contendo dados sigilosos sobre a exploração de petróleo são furtados. No mesmo container havia outros notebooks e materiais de escritório que não foram levados. Na época, o superintendente da PF no Rio afirmou que espionagem industrial era a única linha de investigação.

Abril: A 4ª Frota Naval americana (Atlântico Sul) é reativada. Ela havia sido criada durante a 2ª Guerra, em 1943, e foi desmobilizada em 1950. Não só o presidente Lula questionou a sua reativação, mas também Hugo Chávez, Evo Morales e outros presidentes sul-americanos. Todos duvidaram dos propósitos “pacíficos” alegados pelos americanos.

Julho: Lula exige explicações dos Estados Unidos sobre a Quarta Frota da marinha americana, que havia reaparecido nas águas da América Latina. Segundo os Estados Unidos, tratava-se de um ajuste operacional sem intenções agressivas, com o objetivo de melhorar a capacidade operativa no combate ao narcotráfico, auxiliar no manejo de desastres naturais e eventuais trabalhos de cooperação.

Setembro: Em um dos episódios mais simbólicos da crise financeira de 2008, ocorre o pedido de concordata do tradicional banco de investimentos Lehman Brothers, com mais de 150 anos de existência e um dos pilares financeiros de Wall Street. A crise no mundo desenvolvido é manchete de todos os jornais. Governo americano perdoa bancos, cria liquidez para acalmar os mercados de crédito e previne que a crise financeira se torne algo ainda mais grave.

2009

Abril: Em Londres, numa reunião do G-20, Barack Obama diz que Lula era "o político mais popular da Terra". Obama diz que Lula “é o cara” e começa a rasgação de seda pro lado do Brasil.

Setembro: Lula é considerado o político mais influente do mundo pelas revistas Time e Newsweek.

Outubro: O Rio é escolhido como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

Novembro: Brasil é capa da tradicional revista The Economist, onde lê-se “Brasil decola”.

Dezembro: Em uma mensagem diplomática vazada pela Wikileaks, o governo dos EUA, no dia 02/12/2009, questiona seu embaixador no RJ, através de mensagem confidencial, se "pode a indústria do petróleo fazer retroceder a lei do pré-sal?".

2010

Outubro: Dilma vence José Serra nas urnas e é eleita a primeira presidente mulher do Brasil, com 56,05% dos votos contra 43,95% de Serra no segundo turno.

Dezembro: Datafolha aponta mais de 80% de aprovação do governo Lula.

Dezembro (02): Plenário da Câmara aprova a Lei do Pré-Sal (204 votos a favor, 66 contra).

Dezembro (13): Wikileaks revela conversas de Serra com lobistas do petróleo. Despachos vazados por Julian Assange relatam a frustração das petrolíferas com a falta de empenho da oposição no Brasil para tentar derrubar a proposta do governo brasileiro em relação ao Pré-Sal. O texto diz que Serra se opõe ao projeto, mas não tem "senso de urgência". Serra responde: "Deixe esses sujeitos (o PT) fazerem o que quiserem. Os leilões e concorrências não acontecerão, e depois nós mostraremos a todos que o velho modelo funcionava (...) e faremos tudo voltar ao que era antes".

Dezembro (22): Uma semana antes deixar o governo, Lula sanciona a Lei do Pré-Sal. A lei determina que a Petrobrás deve participar (mínimo de 30% de participação) de todos os consórcios para exploração do Pré-Sal. Estabelece também a criação do Fundo Social, nova empresa estatal onde deve ser depositado 25% das receitas da Petrobrás com o Pré-Sal para uso exclusivo em programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento.

2011

Fevereiro: Lula cria a “LILS – Palestras, Eventos e Publicações” para administrar os convites que passou a receber para proferir palestras e conferências. São 72 palestras empresariais pagas em 4 anos a um custo médio de 200 mil dólares cada palestra. Assim como afirma relatório do instituto, publicado recentemente, além das palestras pagas, Lula participa gratuitamente de centenas de debates, palestras e encontros com sindicatos, entidades dos movimentos sociais, órgãos de comunicação, associações de classe, entidades assistenciais e partidos políticos no mesmo período.

Novembro: Sob o argumento de aumentar a transparência nos serviços públicos, Dilma sanciona a Lei 12.527 – Lei Geral de Acesso à Informação.

Dezembro: PIB no Brasil fecha o primeiro ano de Dilma com crescimento de 3,9%

2012

Julho: Dilma sanciona lei 12.683 para tornar mais eficiente o combate à lavagem de dinheiro.

Jan/Dez: PIB no Brasil fecha o segundo ano de Dilma com crescimento de 1,9%.

2013

Abr/jun: Em meio a uma fase de crescimento da economia, as “manifestações de junho” começam a surgir. A insatisfação inicialmente mira o aumento nos preços do transporte público. Em São Paulo o auge das manifestações ocorre nos dias 6, 7 e 11 de junho. O movimento começou reclamando de um aumento de 0,20 centavos e foi duramente reprimido pela PM do Governador Geraldo Alckmin. A repressão fez o protesto aumentar e a pauta ficou difusa. Desmobilizou, por ora.

Junho: Snowden começa a revelar informações confidenciais da NSA. Revela que o celular, o email e o telefone oficial de Dilma eram grampeados.

Agosto: EUA é cobrado pelo Brasil por ter rastreado Dilma. Acaba a rasgação de seda pro nosso lado.

Agosto: Dilma propõe pacto nacional e recebe líderes de protestos. Ela promete continuar combatendo a corrupção.

Setembro (08): Reportagem do Fantástico revela novos documentos vazados por Edward Snowden envolvendo a Petrobrás. Estamos a 10 meses da corrida presidencial.

Setembro: Brasil é capa da The Economist novamente, agora de forma bem negativa. Dilma é acusada de arruinar com tudo.

Setembro (24): Dilma faz duras críticas à espionagem americana em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU. Classifica como violação de direitos humanos.

Outubro: Dilma cancela viagem oficial a Washington.

Outubro: As petroleiras americanas não participam do primeiro leilão do Pré-Sal.

Dezembro: Governo Federal anuncia compra de 36 caças suecos por US$ 4,5 bi. Pesou na negociação a possibilidade do projeto de desenvolvimento dos caças ser realizado de forma conjunta com a Embraer e outros fornecedores brasileiros. A opção feita pelo modelo sueco considerou o compromisso assumido com o setor aeroespacial brasileiro para a fabricação de peças e componentes, bem como para a montagem final da aeronave em território nacional.

Dezembro: PIB no Brasil fecha o terceiro ano de Dilma com crescimento de 3%.

2014

Janeiro: Obama anuncia mudanças nos serviços de inteligência e promete não espionar monitorar mais governos aliados.

Março: É deflagrada a fase ostensiva da Operação Lava Jato, que investigava a Petrobrás, mesmo alvo da NSA. Estamos a 6 meses das eleições.

Agosto: O avião com o então candidato Eduardo Campos cai matando todos a bordo. Há suspeitas de sabotagem. A oposição acaba ganhando boa parte dos seus eleitores.

Setembro: Lava Jato é amplamente utilizada na mídia contra Dilma nas eleições.

Outubro: Aécio perde no 2° turno, mas não reconhece a derrota.

2015

Janeiro: A estratégia da oposição derrotada passa a ser inviabilizar o governo de Dilma. Sua principal manobra é conseguir eleger Eduardo Cunha como presidente da Câmara.

Fevereiro: Serra apresenta projeto de lei para mudar a Lei do Pré-Sal.

Março: Depois de pedir recontagem de votos, começa a história do impeachment.

Abril: Suíça acusa Eduardo Cunha de lavagem de dinheiro e congela seus ativos no país.

Agosto: É preso o almirante Othon, líder do projeto do submarino nuclear brasileiro.

Novembro: Cunha abre o processo de impeachment, em clara retaliação ao posicionamento do PT, favorável à abertura de ação contra ele no Conselho de Ética.

Dezembro: Após todos os recursos, Suíça envia documentos sobre contas de Cunha.

Jan/Dez: Em um ano completamente travado, economia vai mal, tem recessão e a grande mídia alimenta a crise.

2016

Fevereiro: Senado aprova a reformulação da Lei do Pré-Sal, tirando poderes da Petrobrás.

Março: A PF sequestra Lula, que promete voltar à ativa.

Março: Os movimentos de esquerda tomam as ruas em resposta a outra manifestação da direita convocada pela grande mídia.

Abril: Opinião pública começa a entender que o impeachment de Cunha é golpe. Será?

*Tulio Sene é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui graduação em Ciências Sociais, com habilitação em Sociologia e Política, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde pesquisa as relações internacionais de poder e o sistema interestatal, com ênfase nos desafios e limites do intercâmbio global de ciência e tecnologia.

Em 2013/14 foi pesquisador visitante na Universidade de Columbia em Nova Iorque e, no último trimestre de 2012, completou, com êxito, o Programa de Capacitação Acadêmica e Pesquisa da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, também na cidade de Nova Iorque. Completou ainda, em 2010, o Programa Avançado para Repensar a Macroeconomia e o Desenvolvimento Latino Americano (LAPORDE), oferecido pela Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (EESP-FGV). Foi indicado duas vezes, no mestrado e no doutorado, para receber a Bolsa Nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, concedida apenas a alunos de pós-graduação stricto sensu com destacado desempenho acadêmico. Foi professor no Centro Universitário do Sul de Minas e coordenador do Polo Varginha de Educação a Distância da Universidade de Franca.