Um debate entre Maringoni e Valter Pomar, parte 3: a "quadréplica" de Pomar

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Um debate entre Gilberto Maringoni e Valter Pomar, parte 1

Um debate entre Maringoni e Valter Pomar, parte 2: a tréplica de Maringoni

Resposta ao Maringoni

09/03/2014

Para aqueles que não acompanharam os lances anteriores: o Gilberto Maringoni escreveu um “post” criticando setores do PT que atacam o PSOL.

Eu respondi a este post (interessados podem ler os dois textos no blog da Mariafro).

Maringoni escreveu uma tréplica, intitulada: UM DEBATE COM VALTER POMAR.

O que segue é minha resposta a esta tréplica.

Resposta ao Maringoni

Prezado Maringoni, como vai?

Espero que bem, como diziam nossos velhos.

Isto posto e indo ao primeiro ponto: é fato que temos concepções afins. Como você, “penso até que na seara internacional nunca tivemos algum tipo de diferença. Falamos a mesma língua”.

Mas se é isto, e acho que é exatamente isto, me surge a seguinte questão: por qual motivo você não aplica, ao governo Dilma, o mesmo metro, a mesma medida, que você aplica ao analisar o papel do Putin na crise recente da Ucrânia?

Explico, dando um exemplo desagradável: uma das correntes do PSOL, creio que a CST, divulgou uma análise comemorando a vitória da revolução popular na Ucrânia. Acho a posição deles “peregrina e mostruosa”, para citar nosso velho preferido. Mas apesar disto, acho que a CST é coerente: eles aplicam o mesmo metro, o mesmo critério, tanto aqui quanto lá.

Antes que você diga que nisso reside o erro deles (aplicar o mesmo método para situações concretas distintas), deixe eu esclarecer com mais precisão o que eu quero dizer: acho que a CST, tanto aqui quanto lá, adota um critério maximalista, “tudo ou nada”, que os leva a desconsiderar o papel do imperialismo, que os leva a achar que “tanto faz que ele seja inimigo do meu inimigo, continua sendo meu inimigo do mesmo jeito” etc.

Trazendo para nosso quintal: objetivamente, a existência do governo Dilma (assim como a existência do governo Lula) é um ponto de apoio para processos muito mais avançados que estão em curso na América Latina.

Como diziam algumas correntes em relação a URSS nos anos 70: tratava-se de um aliado objetivo (mesmo quando adotava políticas internas ou externas incorretas).

Também objetivamente, não existe no horizonte a menor possibilidade do governo Dilma ser substituído por um governo do PSOL, ou do PCB, ou do PSTU, ou do PCO. Assim, a questão é: quem luta para derrotar o governo Dilma opera, objetivamente, mesmo que não queira, mesmo que não seja este o seu desejo, na mesma frequência de rádio do imperialismo.

Portanto, não acho que seja correto você dizer que “nossas discrepâncias estão na política interna”. Elas não estão apenas na política interna.

Vamos agora ao segundo ponto: você diz que nossas discrepâncias estariam “especialmente no papel do PT”.

Veja: aqui há um detalhe sutil sobre o qual eu gostaria de chamar sua atenção, muito respeitosamente. Acho que você, quase sem perceber, trata PT e governo como se fossem coisas iguais.

Você diz assim: “não acho que o ciclo histórico do partido tenha se esgotado”.

E logo em seguida diz que a “divergência está em ver o PT como pólo transformador e veio principal para a rearticulação da esquerda socialista brasileira”.

E ato contínuo afirma que “essa possibilidade é praticamente inexistente hoje. Se em quase 12 anos e em situações de aceleração econômica o partido não fez isso, não o fará num cenário de retração da economia mundial”.

Opa: nesta última frase, o critério utilizado para julgar o Partido é a ação do governo. Eu acho que esta interpretação é parcialmente válida, mas não esgota o problema.

Compreendo que aqueles que criticam o PT queiram julgá-lo pelas contradições, insuficiências e equívocos cometidos pelos governos Lula e Dilma.

Como disse, acho que é um critério parcialmente válido. Mas o PT não é apenas isto, apesar dos esforços que setores do próprio PT fazem no sentido de converter o Partido em “correia de transmissão” do governo.

De toda forma, como a confusão teórica anda instalada na esquerda brasileira, deixa eu ser mais claro acerca do que estou querendo dizer.

Existe uma disputa na sociedade brasileira, entre dois caminhos de desenvolvimento: o caminho conservador e o caminho democrático.

Ambos são caminhos capitalistas. A diferença é que o caminho conservador preserva, conserva, os padrões que caracterizaram a maior parte da história brasileira: a dependência externa, a falta de democracia e a desigualdade social. Já o caminho democrático busca alterar estes padrões, no sentido de mais soberania, mais democracia e mais igualdade.

Na história do Brasil, o caminho conservador sempre foi estrategicamente vitorioso, apesar de derrotas táticas, momentâneas. E o caminho conservador sempre foi vitorioso porque a classe dominante brasileira nunca se dividiu seriamente a este respeito: nos momentos de crise, nos momentos em que seria possível fazer uma revolução democrática, o conjunto da classe dominante, ou praticamente toda ela, cerrava fileiras em favor do caminho conservador e impunha derrotas ao caminho democrático.

A conclusão é: para que o caminho democrático prevaleça, a classe trabalhadora precisa assumir sua vanguarda. E isto implica em entender que a classe dominante, como um todo, é nossa inimiga. E implica em entender, portanto, que um caminho democrático para o Brasil só terá êxito se for, também, um caminho de tipo socialista.

O Partido dos Trabalhadores, nos anos 1980, entendia isto. Mas desde 1990, veio crescendo dentro do Partido um setor que acredita na possibilidade de uma aliança estratégica entre os trabalhadores e uma parte da classe dominante.

Enquanto éramos oposição, isto era apresentado como sabedoria eleitoral. Agora que somos governo, é apresentado como necessário para a governabilidade. Mas a outra face disto são as mudanças parciais e o risco de retrocesso.

É nesta armadilha histórica que estamos: melhoramos a vida do povo, mas governamos o país em aliança com setores da classe dominante, fazemos concessões importantes a setores da classe dominante.

Se perdermos o governo, será um retrocesso.

Se ganharmos nas mesmas condições, continuaremos na mesma armadilha: sem reforma política, sem democratização da mídia, sem reformas estruturais etc.

Qual a resposta do PSOL para isto? Ou melhor, qual a conclusão que você tira deste quadro?

Tomando como base o que você diz na tua carta: “é praticamente inexistente” a “possibilidade” do PT ser “o PT como pólo transformador e veio principal para a rearticulação da esquerda socialista brasileira”, pois se “em quase 12 anos e em situações de aceleração econômica o partido não fez isso, não o fará num cenário de retração da economia mundial”.

Com todo o respeito, este tipo de análise me recordar uma citação do Giorgy que você me enviou, uma vez, explicando por qual motivo a posição do Trotsky nos anos 1920 estava equivocada.

Veja: podemos mudar o Brasil (a favor da classe trabalhadora) com o PT. Sem o PT e contra o PT, ao menos no tempo de nossas vidas, considero impossível.

O que pode ocorrer, sem o PT e/ou contra o PT, é uma mudança para pior. Uma mudança contra os interesses da classe trabalhadora. E é este, na minha opinião, o risco que se abate sobre o PSOL e sobre todos os partidos da “esquerda da esquerda”.

O desdobramento patético deste risco é um texto que li, de alguém da CST tendência interna do PSOL, sobre a “revolução” na Ucrânia. Neste texto o cidadão comemora a ocorrência de uma revolução popular, dirigida por neoliberais e nazistas. E que agora o desafio é levar a revolução para a esquerda...

Guardadas as proporções, é isto que se imagina para o Brasil pós-PT? Com o PT derrotado, com a direita no governo, implementando programas que vão deixar clara a diferença entre nós do PT e eles da oposição neoliberal (Eduardo, Marina e Aécio), aí a “esquerda da esquerda” vai trabalhar para levar o país para a esquerda?

Como você vê, tampouco consegui ser breve na resposta. Mas acredito que consegui deixar claro o tamanho das nossas divergências, que explicam o fato de termos militando juntos no PT até o início de 2005, depois do quê você apoiou a candidatura do Plínio de Arruda Sampaio e depois saiu do PT rumo ao PSOL.

Registre-se: você e outros saíram entre o primeiro e o segundo turno das eleições internas do PT. Provavelmente, se vocês tivessem permanecido, a esquerda teria vencido a presidência do Partido.

Mas eu compreendo: como HOJE a “possibilidade” de fazer do PT um “polo transformador” é “praticamente inexistente”, por qual motivo ONTEM vocês deveriam ter ajudado a esquerda a vencer a disputa interna do PT?

Para concluir, alguns comentários breves sobre tuas opiniões numeradas.

Opinião 1: você acusou Amorim, Eduardo e Lassance de “ligações com o aparato de segurança do governo”.

Agora você apresenta teus indícios disto: Eduardo teria citado uma “declaração do comandante da PM, dada a um jornal, para corroborar sua sentença”. Amorim no dia 27 de janeiro teria chamado o “Não vai ter Copa” de “terrorista” e ato contínuo setores da direita no Congresso começaram a “ articular a aprovação da lei antiterror”. E Lassance escreveu sobre a “A conivência do PSOL com os black blocs”, depois do que Alckmin e outros patrocinaram a barbárie.

Desculpe, Maringoni, mas nada disto permite você acusar alguém de ter “ligações com o aparato de segurança”.

Você está criticando opiniões políticas. Não é preciso ter ligações com o aparato de segurança para citar uma declaração de um policial, para considerar o não vai ter Copa como terrorista ou para falar das ligações do PSOL com os Black Blocks. E o aparato de segurança controlado pela direita não precisa de pretextos, nem de instruções de gente de esquerda, para fazer o que está fazendo.

Respeitosamente, acho que você pesou a mão. E faria melhor em reconhecer isto. Manter a desconfiança ligada é um dever; alardear esta desconfiança, sem que haja embasamente sólido, é uma estultice, no mínimo.

Opinião 3: de fato somos todos crescidos. Mas a “bronca” de setores do PT contra o PSOL, ou contra setores do PSOL, não é um problema de “mágoa”, nem tem relação com a AP 470.

Lembro que no segundo turno de 2006 Heloísa Helena não apoiou Lula. Lembro que no segundo turno de 2010 Plínio não apoiou Dilma. Lembro que em 2012, na eleição de São Paulo capital, Plínio disse que Serra era melhor que Haddad. Neste último caso, recordo que o PT fez de tudo para eleger o Edmilson prefeito de Belém no segundo turno. Mas a recíproca não foi verdadeira.

Não se trata de mágoa: na prática, nos momentos decisivos, a postura do PSOL tem sido derrotar o PT.

Opinião 4: eu não minimizo as ações erradas de Paulo Bernardo, Glesi Hoffmann e Cardozo.

Como você sabe, não apenas eu, mas a tendência de que faço parte, sempre fez uma crítica dura, tanto a pessoas quanto a ações que contradizem nosso programa. Por exemplo a presença do PT na vice do Eduardo Paes, contra a qual nos posicionamos desde sempre. But, aqui há duas diferenças importantes a considerar. A primeira é que o PSOL se propõe a superar o PT. Logo, espera-se dele uma coerência superior, certo?

A segunda diferença importante diz respeito ao que você diz sobre a “política macroeconômica abertamente liberal do governo petista, a manutenção da política privatista, os favores dados ao grande capital”. Por partes.

Sou contra os subsídios sem contrapartida. Mas acho impossível (e acho que você também acha isto) que um governo de esquerda, na atual correlação de forças mundial e nacional, não faça algum tipo de “negócio” com o grande capital. Vice Cuba, vide Venezuela etc.

Acho que uma parte dos que criticam o governo petista por fazer “favores ao grande capital” acreditam que é possível expropriar o conjunto do grande capital. Por isto acho indispensável que deixemos claro no que acreditamos. Eu acho que é possível e necessário submeter o grande Capital, mas isso exige pau e cenoura. Não apenas pau.

Sou contra as concessões e acho que o leilão do pré-Sal foi um erro. Mas não acho que se trata de “manutenção da política privatista”. Não é a mesma política adotada pelos governos tucanos. Por exemplo: leia a excelente entrevista do Estrela na Folha de S.Paulo, onde ele critica o leilão e ao mesmo tempo mostra as diferenças.

Aliás, um dos erros do governo foi exatamente este: permitir que a direita diga que se trata da “manutenção da política privatista”, que é tudo igual. Eles sabem que não é, tanto é que forçaram a mão para derrubar as licitações feitas nas regras estabelecidas pelo governo. Mas dizem de público que é, por razões políticas.

E, para não dizer que não falei de flores: você afirma que a “política macroeconômica” do “governo petista” é “abertamente liberal”.

Não acho que o governo Dilma seja petista, nem que os governos Lula tenham sido “petistas”: governo de coalizão com partidos de esquerda, centro e direita é uma coisa, governo petista é outra coisa. Mas admitamos, para facilitar o debate, que seja como você diz.

O interessante na tua frase é que você diz que a política do governo é “abertamente liberal”. Ora, ora... terá sido um erro de digitação ou você reconhece que não se trata de uma política abertamente neoliberal?

Pois este é o ponto: a política dos governos FHC foi neoliberal. A política dos governos encabeçados pelo PT (embora não petistas) não foi neoliberal. O que foi, então? Liberal? Desenvolvimentista? Em disputa? Aqui cabe um debate, mas neoliberal é que não foi.

Opinião 6: você reclama que petistas tem “tomado manhosamente a parte pelo todo”, acusado o PSOL de conjunto por atos de indivíduos ou de setores do PSOL. E diz que você não faz “isso com o PT”. Buenas, você há de convir que a maior parte do PSOL também “toma a parte pelo todo”.

Opinião 9: você evidentemente fugiu de responder. Minha questão não é sobre o teu voto. Minha questão é sobre como agirá o PSOL, como partido, na hipótese do segundo turno de 2014, caso tenhamos Dilma contra Eduardo ou Aécio.

Por fim, quanto a opinião 8: nunca confie num cartunista, ele sempre acaba apelando para uma caricatura.

Na tua opinião 8, você diz que uma das “maiores provas” de que os governos petistas não foram/são de “esquerda” é que “um dos melhores e mais preparados quadros da esquerda brasileira– sequer ter sido cogitado para exercer função decisiva nas administrações de Lula e Dilma”.

Meu caro, se eu fosse mesmo tudo isto, você estaria no PT, na Articulação de Esquerda. Se nem você aceita minha orientação, por qual motivo o Lula e a Dilma me dariam importância???

Ademais, para ser honesto, uma vez fui indiretamente consultado a respeito. Pedi a presidência do Banco Central. Como não tive resposta, preferi ficar na direção do Partido, que para mim continua sendo muito mais importante que estar no governo.

Abraços e um bom domingo

Valter Pomar