Do encanto com os créditos de abertura de "Alice no País das Maravilhas", visto religiosamente sempre que exibido nas tardes de sábado pelo SBT, veio a paixão pelo cinema como experiência estética, transformadora e expressão de uma ideia, uma história ou do próprio experimento. Por amar o cinema para além dos padrões de qualidade impostos a ele pela mídia, por outras instituições e até por uma crítica datada, veio o meu amor por conversar sobre cinema, aderi-lo, defendê-lo, apropriar-me dele. O Milos Morpha é uma conversa sobre cinema. Aqui, o texto nunca é certo e definitivo. O cinema não é uma fórmula para que cada cineasta se aproxime da solução mais correta, é um conjunto de experiências artísticas que já dura mais de 100 anos, é dessa forma que criticamente percebemos e experimentamos o cinema no Milos Morpha.
Titanic 3D (the other side)
Ah, James Cameron...
Eu me lembro da primeira vez que ouvi falar de Titanic. Eu não imagino quantos anos eu devia ter, mas minha tia havia comprado uma versão especial do filme, na época ainda em fita. E apesar de todos me dizerem que aquele era um filme inapropriado para a minha idade, eis que me pego assistindo-o na primeiríssima vez em que ele passou na TV aberta, ou pelo menos na Globo. Lembro-me que era um filme tão longo que, pasme, tiveram que dividi-lo em duas partes.
Mas só muito tempo depois que eu tive a chance de ver o filme novamente. E saber que aquela era a maior bilheteria até então, e ouvir as histórias sobre como aquele filme tinha marcado a vida de tanta gente. E, o mais importante, só muito depois foi que eu soube quem era o homem por trás daquilo tudo. Logo depois da estréia de Avatar (2009), que mesmo sendo visualmente uma das coisas mais fantásticas já feitas no cinema, me fez ficar trancado durante quase 6 horas(vi duas vezes, a primeira 2D e a segunda 3D) assistindo um filme com um enredo chatíssimo, cheio de conceitos complicados, e enrolações que servem de pretexto para mostrar os espetaculares efeitos digitais do mesmo. Mas que ultrapassou a bilheteria de Titanic.
E com isso voltamos a James Cameron. O homem que se auto-proclama(ou se auto-proclamava) o pai do 3D moderno, e que criticou abertamente as conversões para 3D quando estas começaram a virar moda, pois, para se usar dessa tecnologia da maneira mais apropriada, é necessário que se faça o filme pensando no 3D, coisa que obviamente não acontece com um filme convertido. Mas eis que esse homem anuncia que, em homenagem aos 100 anos do náufrago do navio, iria relançar Titanic, em 3D convertido!
Ainda assim, eu fui ao cinema. Mesmo sabendo de tudo isso, mesmo tendo que pagar um ingresso mais caro para ver um filme convertido, mesmo sabendo que ia ter de ficar 3 horas numa sala de cinema vendo um filme altamente melodramático, que ia fazer eu ficar com a porcaria da música da Celine Dion na minha cabeça, que provavelmente iria me fazer chorar, e que, pelo fato de eu ter visto com a minha namorada, ia me fazer ter que aguentar coisas como "você deveria ser romântico que nem o Jack". Mas eu fui. E chorei. E não me arrependo nem um pouco.
O que dizer de Titanic? De todos os adjetivos que meu amigo colocou no post abaixo, tem um que me chamou especialmente a atenção: cruel. James Cameron é cruel. Desde a primeira vez que vemos o Titanic, nós embarcamos junto com aqueles passageiros na viagem fatídica. Através dos planos em que Cameron mostra o tamanho do navio nos deslumbramos com a sua magnitude, e somos levados a acreditar que o Titanic é mesmo inafundável. Quase que sentimos, junto com a Rose, o cheiro de tinta fresca do navio recém construído, e a maciez daqueles lencóis e travesseiros que nunca foram usados. Acompanhamos o destrinchar da história, conhecemos os personagens históricos, a Inafundável Molly, John Jacob Astor IV, o capitão Edward Smith. Aprendermos a detestar a mãe de Rose e Cal Hockley, somos convidados à jantares de luxo com a alta sociedade e a uma "festa de verdade" na terceira classe. E quando finalmente vibramos com a linda cena do primeiro beijo dos dois, ao por do sol, somos trazidos bruscamente de volta à realidade. "E aquela foi a última vez que o Titanic viu a luz do sol".
A partir daí o filme(e o navio), seguem em direção à tragédia já esperada por todos, e, mesmo se nos deixa feliz ouvir Rose dizer que quer desembarcar com o Jack quando eles chegarem a Nova York, nós já sabemos o que nos espera.
Tecnicamente preciso em todos os aspectos, desde o figurino de época à longa sequência que termina com o trágico náufrago do navio, Titanic honrou não só todo o dinheiro que foi gasto para fazê-lo, mas a todas as vítimas do náufrago (procurem no Google Memorial das Mulheres do Titanic) e à tragédia em si. Todas as lendas e detalhes estão lá: A orquestra que tocou até o final, os operários da sala de eletricidade que heroicamente mantiveram as luzes acesas até o último momento, Molly Brown lutando para resgatar o máximo possível de passageiros e o clichê do "capitão que sempre naufraga com seu navio". E se nos comovemos com a mãe colocando seus filhos pra dormir pela última vez, ou o casal de velhinhos abraçados apenas esperando para embarcar juntos em mais uma viagem, é porque sabemos que, apesar de serem meros elementos dramáticos, essas histórias e muitas outras podem realmente ter acontecido. Quantas vidas foram tiradas, quantas histórias foram interrompidas, naquele fatídico 15 de abril de 1912? E confesso que estando na sala de cinema quase que exatamente na mesma hora em que, há cem anos, o RMS Titanic afundava no meio do Atlântico, tudo isso me tocou de uma maneira singular.
Já as atuações também não deixam nada a desejar. A química entre o casal central é estonteante, vide a cena da "primeira vez" deles, que realmente consegue captar com perfeição o sentimento de que aquilo, longe de ser como os relacionamentos de Jack em Paris, é realmente a consumação máxima do amor dois. Billy Zane faz um Hockley cruel, detestável, Frances Fisher nos mostra uma Ruth que faz de tudo para manter as aparências e se manter firme, mesmo com todo seu mundo prestes a desabar. Mas confesso os atores que mais me chamaram a atenção foram Victor Garber e Jonathan Hyde, respectivamente como os não-fictícios, Thomas Andrews, construtor do Titanic, e J. Bruce Ismay, diretor da White Star Line, empresa responsável pelo Titanic. É interessante perceber a maneira distinta como os dois homens lidam com a responsabilidade no náufrago, e acredito que os atores conseguiram passar bem o conflito interno de cada um.
Sobre o 3D, confesso que, com exceção de algumas cenas, ele não me fez diferença. Não sei se pela conversão, que pelo menos não é uma bela porcaria como a de Star Wars, ou se porque, afinal, eu não precisei de um óculos 3D para estar ali dentro. No final das contas, a grandiosidade do filme se sobrepôs ao 3D. E independente dele, ver Titanic em tela grande é uma viagem que acho que todos, principalmente os que nunca viram o filme nos cinemas, deveriam fazer.
E ao final do filme, quando Celine Dion começa a cantar, nada mais importa.
James Cameron, seu miserável, você conseguiu. De novo.