Especial 5 Anos Milos Morpha - Os 20 Preferidos

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Fazer listas de Cinema é uma delícia, mas uma grande responsabilidade. Depois de anos de hesitação, venci o meu espírito libriano e juntei alguns títulos para lembrar aqui. Como eu não acredito em "melhores", ficam os "preferidos". Queria também quebrar outro clichê de listas: estes filmes não partiram de uma seleção dos que mais me emocionaram ao longo da vida, e sim dos que mais me comovem hoje. Que fique claro o seu potencial passageiro. Por ordem de afeto:


Aceite. Ame. Perdoe.


Broadway Danny Rose (Woody Allen, 1984)

Na década de 1980, Woody Allen dedicou-se a filmar a memória urbana de Nova York. Desse ímpeto saiu obras-primas como Zelig, A Era do Rádio e Broadway Danny Rose. Danny Rose abraça os fracassados com o mesmo carinho de sua cidade. Uma deliciosamente divertida fábula de amizade e solidariedade.

Why, she wouldn't even harm a fly

Psicose (Alfred Hitchcock, 1960)

Festim Diabólico e Janela Indiscreta são deleites com o inigualável charme britânico de Alfred Hitchcock. Psicose é cinema arquitetado, pensado, construído — cada plano como que ansiando por se fazer merecido da linguagem.

I proved once and for all that the limb is mightier than the thumb


Aconteceu Naquela Noite (Frank Capra, 1934)

Claudette Colbert e Clark Gable falam sem parar. É a fissura pelo diálogo muito compreensível nos primeiros anos da Hollywood sonora. Quando os personagens não podem ficar calados, o silêncio é preenchido pelas melhores tiradas do cinema. Para tanto, é preciso uma química rara, genial. Os dois protagonistas enfrentam esse tiroteio verbal em pé de igualdade. O resultado? A comédia-romântica hollywoodiana.


Apocalypse Now (Francis Ford Coppola, 1979)

Apocalypse Now é um filme que me faz tremer, ter calafrios, ânsia de vômito, vontade de chorar. Mas não se engane, o que a câmera de Coppola anuncia aqui é extrema beleza em meio ao horror, ou a estranha beleza de um sujeito perdido nesse horror — ainda que de alguma forma responsável por ele.

Ao povo alemão

Os Nibelungos: A morte de Siegfried e a Vingança de Kriemhield (Fritz Lang, 1924 e 1925)

“Ao povo alemão”, dedica Fritz Lang ao abrir a segunda parte de Os Nibelungos. O mito de fundação da Alemanha é uma história de rancor, ódio e genocídio. Quando o filme foi aos cinemas, o país acabara de sair derrotado de uma guerra e enfrentava perdas difíceis de deixar para trás. Uma nova guerra, há apenas alguns anos de distância, cumpriria lamentavelmente o previsto pela lenda.


Morte ao Vivo (Alejandro Amenábar, 1996)

Na primeira cena de Morte ao Vivo, Ana Torrent (não mais a criança de O Espírito das Colmeias) é orientada por uma voz no trem a desviar do horror que aguarda do lado de fora — o cadáver de um homem nos trilhos. É o voyeurismo da violência e o papel do cinema na sua exposição que estão em cena.


Paisagem na Neblina (Theodoros Angelopoulos, 1988)

Os longos e muitas vezes distantes planos de Theo Angelopoulos capturavam todo o universo de seus personagens. Em Paisagem na Neblina o universo em questão é infantil. Duas crianças fogem de seu país à procura do pai, no caminho encontram dor e genuíno afeto.


Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho, 1984)

Com a anistia dada por Figueiredo, Eduardo Coutinho vai atrás daqueles que participaram do seu incompleto filme sobre a luta agrária e o papel de João Pedro Teixeira nela. Entre as pessoas que Coutinho reencontra está Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro e que passou os últimos 20 anos vivendo por outro nome.


A Primeira Noite de um Homem (Mike Nichols, 1967)

O cinema americano dos anos 1960 saiu com alguns grandes filmes provocados pela Revolução Sexual — ou provocadores dela. Se Meu Apartamento Falasse, Perdidos na Noite e A Primeira Noite de um Homem são meus preferidos em questão. Um filme rito-de-passagem, ou coming-of-age, como preferir, de montagem libidinosa e, de várias maneiras, uma comédia-romântica bem incomum.

Será o fim dos Rauffensteins e dos Boeldieus

A Grande Ilusão (Jean Renoir, 1937)

A Grande Guerra, ou Primeira Guerra Mundial, foi o fim dos Rauffensteins e dos Boeldieus. A Grande Ilusão nos aproxima de cada um de seus personagens. Para exercermos sobre eles qualquer julgamento, temos que ultrapassar a barreira de sua gritante humanidade, como mesmo diz André Bazin sobre o neorrealismo italiano, influenciado diretamente pelo cinema de Renoir.

Nobody is perfect

Quanto Mais Quente Melhor (Billy Wilder, 1959)

Seria apenas natural que um filme dos anos 1950 sobre homens que se vestem de mulher envelhecesse mal. Mas nunca este. Quanto Mais Quente Melhor é atualíssimo, e hilário. Billy Wilder extraiu de seu trio protagonista o mais absoluto charme e rara graça. O plano final deste pode tirar qualquer dúvida — que porventura permaneceu — da validade do cinema falado.


Memórias do Subdesenvolvimento (Tomás Gutiérrez Alea, 1968)

Um olhar crítico, ainda que muito afetivo, à Revolução Cubana. Em um momento que o país era uma verdadeira fábrica de obras-primas, Memórias do Subdesenvolvimento é a cereja do bolo. Um título que merece ser lembrado pelos defensores do cinema-político.


A Faca na Água (Roman Polanski, 1962)

O primeiro longa-metragem de Roman Polanski já recorre a conflitos e construções narrativas que o diretor retomará por toda a sua obra. A trama mínima não impede uma construção cuidadosa de início, meio e fim. Para mim, o desfecho mais admirável do cinema.


Ladrões de Bicicleta (Vittorio de Sica, 1948)

O neorrealismo italiano deve ser um dos movimentos mais ricos da história do cinema. Ladrões de Bicicleta é visto como sua expressão máxima. Nele, um trabalhador tem roubado seu instrumento de trabalho e redescobrirá as ruínas de uma sociedade na busca por recuperá-lo.


Bodas de Sangue (Carlos Saura, 1981)

Neste filme-performance — parte da Trilogia do Flamenco, de Carlos Saura —, um grupo de dança ensaia sua apresentação Bodas de Sangue, baseada no texto de García Lorca.  O filme transita silenciosa e desfaçadamente do contar de uma história para a própria história contada.


Dumbo (Samuel Armstrong, Norman Ferguson, Wilfred Jackson, Jack Kinney, Bill Roberts, Ben Sharpsteen, John Elliotte, 1941)

Seguindo as superproduções Branca de Neve e os Sete Anões, Pinóquio e Fantasia, a Disney surgiu com Dumbo, um filme pequeno e modesto. Livres com os propósitos singelos de Dumbo, os animadores de Disney experimentaram narrativa e esteticamente. O cinema de animação tradicionalmente prezava pela harmonia entre música e cor, as várias Silly Simphonies e o esforço posto em Fantasia são prova disso. Dumbo se aproxima desses dois pilares com timidez e os conquista pela humildade.

Heaven is for the blessed, not for the sex-obsessed

Se... e O Lucky Man! (Lindsay Anderson, 1968 e 1973)

Lindsay Anderson e Malcolm McDowell estiveram com Michael Travers em três filmes. E se não incluo aqui Brittania Hospital é menos pelos méritos do filme em si que pela distância que mantém da genialidade narrativa dos outros dois. Diretor e ator revisitam a estrutura humana da Inglaterra com maravilhoso humor non-sense.

Let's do the Time Warp again

The Rocky Horror Picture Show (Jim Sharman, 1975)

Do cinema americano, o musical é um gênero que me conquista com o mínimo de esforço. Talvez ironicamente, o único desta lista seja afetadamente irônico, não só com a tradição do musical hollywoodiano, mas com o cinema de gênero como um todo.


A Paixão de Joana D'arc (Carl Theodor Dreyer, 1928)

 Há uma brincadeira nos close-ups de Carl Theodor Dreyer em A Paixão de Joana D’arc. Enquanto Maria Falconetti é a expressão perfeita de um muito consciente sacrifício, todos os padres parecem meio patetas. Roman Polanski faria algo muito parecido décadas depois, com O Bebê de Rosemary. Aqui, no entanto, o humor está muito mais escondido, e a tragédia, baseada em escritos reais, faz-se presente do início ao fim.


Comícios do Amor (Pier Paolo Pasolini, 1964)

Pier Paolo Pasolini aproveita a tecnologia do som-direto para ir às ruas da Itália em busca de uma representação nacional da ideia que se fazia de sexo e comportamento sexual. Ele restringe qualquer comentário a pequenos letreiros que anunciam novas etapas da pesquisa e ali descarrega toda a ironia necessária para enfrentar o que é dito pelos entrevistados. O momento em que Pasolini, ele mesmo gay, escuta as definições populares para a homossexualidade revela, cada vez mais, a leve brutalidade do Cinema-Verdade.