50 cenas musicais que me fizeram refém do gênero

Escrito en BLOGS el
71REdqNLntL._SL1024_ 1-    “Seerauber Jenny” (A Ópera dos Três Vinténs) Diretor: G.W. Pabst Um dos primeiríssimos filmes musicais é esta adaptação da Ópera dos Três Vinténs, instigante e incendiário texto de Bertolt Brecht. O discurso do filme de Pabst é claro: mendigos, ladrões e prostitutas, uni-vos. Seerauber Jenny é o número da Judas da trama, a quem o texto se refere ironicamente como Pirate Jenny. A construção da cena é muito parecida com aquela de Palavra de Mulher, que Elba Ramalho protagoniza na Ópera do Malandro de Chico Buarque. O número no filme de Pabst, no entanto, é a declaração moral de uma traição, que muito logo será arrependida.   witm   2-    “We’re in the Money” (Cavadoras de Ouro) Diretor: Mervyn LeRoy Depois da crise de 1929, a crítica americana força certa associação entre ela e o cinema criando uma classificação estranha de ser usada apenas para um período específico de Hollywood: o cinema “escapista”. Se o escapismo realmente foi inventado por um momento social dificilmente poderemos provar. Mas parte do cinema musical encarou de frente a crise e a própria ideia do show business como uma fuga ideal dela. Neste número, atrizes e vedetes logo desempregadas cantam e dançam sobre o dinheiro. Com o excesso e o contraste começa Caçadoras de Ouro. A coreografia é do grande Busby Berkeley, seu ponto alto no filme é a exposição grandiloquente das lacunas da Guerra em Remember My Forgotten Man (Lembre-se do meu Homem Esquecido). Que começa com mulheres cantando “Lembra-se do meu homem esquecido? Você pôs um rifle em sua mão, mandou-o para bem longe, gritou ‘hip-hooray!’. Olhe só para ele hoje”. Nas construções cenográficas da sua coreografia, Berkeley quebrava a possibilidade de diegese de um musical sobre o teatro musical ao trazer para o número tamanhos e formas e pontos de vista impossíveis para o teatro. We’re in the Money é um de seus números mais simples, escolhi-o pela reflexão que joga sobre o papel do próprio show business.   sa   3-     “Sonhando Assim” (Branca de Neve e os 7 Anões) Eu não queria encher essa lista de números animados. Não é o meu foco. Mas achei que seria interessante dar destaque para três deles. Este é o único número da lista que está dublado. A versão em inglês é igualmente maravilhosa, mas estas foram as vozes com as quais cresci. Elas têm uma coisa meio radiofônica que se destacam para uma criança dos anos 1990. Além disso, é uma mise-en-scéne esteticamente soberba. Alguns minutos de conquistas históricas no cinema de animação. Do fundo de um poço, vemos, através das águas, Branca de Neve e o despertar de um novo gênero.   [caption id="attachment_797" align="alignnone" width="500"]"Americanos tell me that my hat is tall" "Americanos tell me that my hat is tall"[/caption]   4-    “The Lady in the Tutti Frutti Hat” (Entre a Loura e a Morena) Diretor: Busby Berkeley O Brasil ufanista de bananas, araras, Dorival Caymi e Ary Baroso se viu representado em Hollywood pela lusobrasileira Carmen Miranda, a moça do chapéu de frutas. "Ora eu sempre acreditei no petróleo nacional da mesma maneira que em Carmen e muito embora tenha visto tão pouco produto no primeiro quanto talento na segunda, não perdi as esperanças", diz uma carta de leitor à revista brasileira Scena Muda, em 1944. Miranda era um bom personagem para o cinema musical. Uma mulher pequena, bastante performática e engraçadinha, tal qual Judy Garland, Mae West e outras. The Lady in the Tutti Frutti Hat é a síntese de Miranda. A sua figura recusa a razão da disciplina e da ordem que rege o mundo, ela é a alegria que se manifesta sem motivo.   sw   5-    “Stormy Weather” (Tempestade de Ritmo) Diretor: Andrew L. Stone Tempestade de Ritmo é aquele tipo de filme musical com um fiapo de roteiro que serve como desculpa para uma série de demonstrações fabulosas de canto e dança. O que há de enredo se debruça sobre a cultura da classe média negra americana no período entre guerras, começando no Harlem, em 1918, e concluindo no início da Segunda Guerra. A trajetória dos personagens entre esses momentos reforça certos estereótipos de gênero e sugere que as sombras do período os teria abalado, mas logo que ele se encerra tradicionais convenções de etnia e gênero devem ser aceitas. Stormy Weather é a performance que, já ao final do filme, reúne os protagonistas separados há algum tempo.   [caption id="attachment_783" align="alignnone" width="500"]"Here I go again, hearing the trumpets blow again, an all glow again, taking a chance on love" "Here I go again, hearing the trumpets blow again, an all glow again, taking a chance on love"[/caption]   6-    “Taking a Chance on Love” (Uma Cabana no Céu) Diretor: Vincente Minnelli O estereótipo mammy da negra americana, uma tentativa de enfraquecimento político e ideológico da escrava doméstica, foi continuadamente reproduzido pela publicidade e indústria cultura americana (no Brasil, temos de Monteiro Lobato a nossa Tia Anastácia), como no filme ... E O Vento Levou. A mammy era ingênua, amorosa, muito familiar (uma boa mãe e dona de casa). Em Uma Cabana no Céu, coloca Kate Marie Webster no seu belo texto Beyond Racial Stereotypes: subversive subtexts in Cabin in the Skys, parece que Petúnia, a personagem de Ethel Waters, está para reforçar todos esses estereótipos. É delicioso vê-la quebrando as expectativas. Em determinado momento do filme, seu marido, Little Joe, implora que ela cante “a música que você cantou na primeira vez que nós...”. Petúnia, encabulada, sexualizada como nenhuma mammy teve a chance de ser, canta Taking a chance on love, comparando o amor ao ato da aposta. A sua paixão é secular, é algo que pode dar errado, que pode ser passageira e vã. Há também a sugestão de que tudo aquilo já aconteceu antes. “Aqui vou eu de novo, ouço os trompetes tocarem de novo, sinto-me brilhar de novo, apostando no amor.”   tts   7-    “The Trolley Song” (Agora Seremos Felizes) Diretor: Vincente Minnelli “Lançado no auge da Segunda Guerra Mundial, Agora seremos felizes aplaca as ansiedades que acometiam os EUA com uma nostálgica fantasia sobre a aurora do século XX. No filme, a cidade de St. Louis é uma utopia de abundância, igualdade e bons e velhos valores familiares, povoada exclusivamente por gente branca, alegre e 100% americana. Falando daqui do século XXI, é difícil não enquadrar o filme como uma peça de propaganda do american way of life ou, na melhor das hipóteses, um açucarado artefato kitsch produzido para um público ingênuo. Mas aí começa The trolley song e até o mais amargo crítico se rende à euforia de um passeio de bonde numa manhã de primavera. Toda resistência é vã diante tantos violinos e vozes doces, cores saturadas e os olhos arregalados de Judy Garland. A vida é boa.” Pedro Pinheiro Neves   sitr   8-     “Singin in the Rain” (Cantando na Chuva) Diretores: Stanley Donen e Gene Kelly Eu evitei colocar os números mais óbvios de cada musical nesta lista. Mas alguns clichês são evidentemente justificados por uma genialidade peculiar. Singin in the Rain, não é uma música original de Cantando na Chuva. O próprio nome do filme é uma brincadeira com o primeiro cinema musical americano, do qual fala com uma ironia muito afetuosa. Cantando na Chuva é com razão o marco dos marcos para o gênero. Eu ainda me surpreendo com sua generalizada aceitação mesmo quando este não abre mão de um lirismo visual que hoje parece estranhíssimo.   [caption id="attachment_808" align="alignnone" width="500"]"The city was asleep. The joints were closed. The rats and hoods and killers were in their holes." "The city was asleep. The joints were closed. The rats and hoods and killers were in their holes."[/caption]   9-    “Dancing in the Dark” (A Roda da Fortuna) Diretor: Vincente Minnelli Dancing in the Dark era uma das cenas de cinema preferidas de Santiago, mordomo da casa da família de João Moreira Salles, que sobre ele fez um dos documentários mais bonitos do nosso cinema. A Roda da Fortuna é um bom filme, mas nada nele sequer se aproxima da beleza desta cena, da cuidadosa construção da dança (os números de Fred Astaire costumavam ser bem mais abruptos). O passo como flerte, o movimento de Astaire perde a ingenuidade tola que tinha com Ginger Rogers e desabrocha em sexualidade.   ftmo   10- “From This Moment On” (Dá-me um Beijo) Diretor: George Sidney “Dá-me um Beijo, de 1953, é um desses musicais do auge da MGM.  Adaptado da peça da Broadway de mesmo nome [Kiss Me, Kate, no original], ele é um daqueles retornos às formas mais clássicas do musical hollywoodiano: o show musical dentro do filme, onde os números ocorrem do mesmo modo que eles ocorrem  na vida real, ou seja, como parte separada da realidade, no palco ou na tela. From this moment on é o penúltimo número do musical e mostra a personagem Lois Lane (Ann Miller) interpretando Bianca, a irmã da protagonista junto ao seu noivo Lucentio e os outros dois pretendentes.  A adaptação de A megera domada é só uma desculpa  para  um paralelo entre a história de Kate e Petrucchio e a dos atores que os interpretam, Lilli Vanessi (Kathryn Grayson) e Fred Graham (Howard Keel)  e, obviamente, o desfile das belas canções de Cole Porter e, de fato, From this moment on é uma das melhores.” Angela Prysthon   tmtga   11- “The Man that Got Away” (Nasce uma Estrela) Diretor: George Cukor “Em um filme cheio de números musicais grandiosos (Born in a trunk é o primeiro que vem à mente) The man that got away parece singelo: um ensaio despretensioso num bar fechado, nas altas horas da madrugada, filmado em discreto plano-sequência (esqueçamos por um momento a conturbada história da gravação da cena, filmada em três versões, contabilizando mais de 40 takes, 3 mudanças de figurino e 1 demissão do diretor de fotografia). No centro do plano, entretanto, em meio à fumaça de cigarro e luz suave, Judy Garland é servida em forma destilada: a grande entertainer, sem gelo e sem firulas. Cada gesto parece ao mesmo tempo controlado e espontâneo; sem esforço, ela domina a cena, sem por um minuto quebrar o clima de camaradagem e intimidade entre os colegas músicos. Tudo muito leve e amistoso, até que a voz (A Voz) transborda do corpo ordinário, do bar, do estúdio da Warner Bros., da sala de cinema. Isso é Judy: por trás do calculado profissionalismo da performer, um talento excessivo, exagerado, transcendente e quase constrangedor ameaça rasgar a tela e engolir o filme inteiro.” Pedro Neves   otl   12-“Or That’s Love” (Carmen Jones) Diretor: Otto Preminger Cada releitura da ópera Carmen, de Georges Bizet, buscou trabalhar questões relativas a conflitos étnicos e políticos próprios da cultura onde é apresentada. Uma judia comunista foi a personagem-título na Moscou de 1925, os nazistas focaram sua montagem no medo das miscigenação. Foi baseado na influência moura da cultura espanhola (que Carmen originalmente representa), que Oscar Hammerstein II defendeu a sua tradução com um elenco totalmente negro, em Nova York. Mais próximo dos movimentos pelos direitos civis que os outros musicais negros desta lista, Carmen Jones foi acusado pelo segregacionismo fantasioso que era base para a existência também de Tempestade de Ritmo e Uma Cabana no Céu. Esses filmes não poderiam mostrar personagens brancos porque uma única interação desmoronaria a ilusão de paz e harmonia daquele universo.   iiwab   13- “If I Were a Bell” (Eles e Elas) Diretor: Joseph L. Mankiewicz “Eles e Elas é considerado por muitos o musical perfeito, e pouco se pode questionar sobre tal afirmação. A trama é intrigante, os personagens são sisudos, mas cativantes, e a trilha de Frank Loesser é uma pérola com a cara da Broadway. E embora o número mais popular do musical seja Sit Down, You’re Rocking the Boat, é em If I Were A Bell que vemos Sarah (interpretada por Jean Simmons no filme) se libertar de todos os problemas num momento de euforia cativante e próxima de nós, é um momento de liberdade tão forte que fica até difícil acreditar que Marlon Brando está em cena, porque o brilho todo pertence a Simmons e sua Sarah, ‘they’re are ringing’.” Madson Melo   [caption id="attachment_794" align="alignnone" width="500"]"One long ball hitter, that's what we need! I'd sell my soul for one long ball hitter." "One long ball hitter, that's what we need! I'd sell my soul for one long ball hitter."[/caption]   14- “Who’s Got the Pain” (O Parceiro do Satanás) Diretores: George Abbott e Stanley Donen Aqui está o grande Bob Fosse antes de propor uma saída histórica e muito subestimada para o cinema musical e para a filmagem de uma performance como um todo. Who’s Got the Pain, na peça original de Damn Yankees!, é um número no inferno. No filme, a sedutora e bondosa Lola o apresenta num show de talentos na companhia de um sujeito sem nome que é suficiente como Fosse. Das últimas coreografias teatrais geniais do gênero em Hollywood, talvez esta seja a última. Quando os dançarinos ainda eram filmados de corpo inteiro. O filme teve que enfrentar também uma greve de músicos, que o prejudicou tecnicamente.   ifp   15-“I Feel Pretty” (Amor, Sublime Amor) Diretores: Jerome Robbins, Robert Wise Infelizmente, o maior personagem contemporâneo da narrativa musical, Stephen Sondheim, é raramente adaptado para o cinema. Tendo dividido a composição deste com Leonard Bernstein,  deve ter sido seu trabalho mais popularizado até Tim Burton escolher destruir o seu tour de force com o filme Sweeney Todd. Enfim, I Feel Pretty curiosamente me parece uma das cenas mais despretensiosas de um filme cheio de ambições sérias que buscava desesperadamente uma maneira de tirar o gênero da crise. Escolho este também porque o melhor número da peça, A Boy Like That, nunca foi adaptado para o cinema.   eicur   16-“Everything is Coming Up Roses” (Em Busca da Fama) Diretor: Mervyn LeRoy Com a temática que tradicionalmente sustentava o gênero em crise, o musical hollywoodiano teve que contar quase que exclusivamente com a inspiração em peças de sucesso da Broadway para sobreviver. Isso refletiu numa curiosa construção de cena, tão puramente teatral (pelo ponto de vista completamente objetivo, pela cenografia limitada, pelas interpretações carregadas de drama próprio) que parecia retornar aos princípios do muito criticado teatro filmado. Conduzido pelo texto, música e letra de Gypsy, talvez o melhor do teatro musical americano até então, Em Busca da Fama vai muito bem. Arthur Laurents, June Styne e Sondheim criam uma trama tão sedutoramente novelesca, no melhor dos sentidos, tão autossuficiente, que o artifício é jogado para segundo plano. E daí que tudo parece ser encenado em cima de um palco? E daí que Rosalind Russel não tem a mais absoluta das vozes? Isso pouco importa, não é do artifício que Everything’s Coming Up Roses precisa, é de um gesto, uma expressão de desespero.   stcd5a7   17-“Sans Toi” (Cleo das 5 às 7) Diretora: Agnès Varda A ideia da lista é só trazer números musicais em filmes musicais. Mas definir o que é um filme musical não é tão objetivo assim. Optei em alguns casos pelo que me sugeria o gosto. Cleo das 5 às 7 é um filme sobre uma cantora, mas dificilmente seria considerado um musical pela quantidade de músicas, que é pouca. O que me fez definir pela cena na lista foi a quebra da diegese, o que não é nem muito comum quando se trata de um musical sobre o universo da música. “Cleopatra, eu a idolatro”, a única parte da voz masculina, abre as portas para a performance genial de Corinne Marchant, que primeiro olha a partitura, depois para o alto, e então nos encara nos olhos. O seu último lamento de “sans toi” é seguido por um zoom-out que corta o cordão umbilical que se estabeleceu entre nós e Cleo.   bbb   18-“Bye, Bye, Birdie” (Adeus, Amor) Diretor: George Sidney Grease ficou com a presença mais forte na memória coletiva. Mas Adeus, Amor é definitivamente o melhor musical sobre esse momento da juventude de classe média do subúrbio americano às vésperas da revolução sexual. No filme, é o alistamento do galã Birdie no exército americano que tira os personagens de um lugar idílico de inocência e ignorância. O mesmo número abre e fecha o filme: Ann-Margret se despedindo do amado ídolo diante de um chroma key azul. Sempre me pergunto se a reprise da abertura é mais carregada sexualmente ou se apenas parece ser por toda a trajetória que vemos a personagem percorrer entre as duas performances.   ftb   19-“Feed the Birds” (Mary Poppins) Diretor: Robert Stevenson Para defender a força da letra de Sondheim, disse que em Em Busca da Fama artifícios como a voz não são tão importantes. Isso não é verdade em Mary Poppins como não poderia ser verdade talvez em qualquer musical estrelado por Julie Andrews (e quando ela se junta a Sondheim, que bela divindade que surge!). Feed the Birds é um número um tanto destoante dentro de Mary Poppins, uma bizarra cantiga de ninar potencializada pela voz de Andrews. O que há de fascinante é a maneira como essa voz é tão poderosa e única que termina por, no lugar se seguir a melodia da música, ser a própria melodia. Com certeza seria um número muito melhor se não desviasse o foco de Andrews.   jt   20-“Je T’attendrais” (Guarda-chuvas do Amor) "[Em Guarda-chuvas do Amor] vamos nos deparar com talvez a mais célebre das canções de Michel Legrand e o principal motivo melódico da narrativa: Je t’attendrais, que perpassa todo o filme como a lembrança da relação entre os protagonistas, Guy e Geneviève. A intensa carga afetiva da canção traz à tona não somente o fracasso do romance entre os dois jovens, como também a sombra da Guerra da Argélia, que intensifica as contradições internas da obra, seu cunho realista e seu ímpeto político. Do mesmo modo que Je t’attendrais é o motivo que imprime a extrema melancolia do filme, a guerra funciona como um baixo contínuo quase inaudível e quase invisível, como a força motriz para as transformações do cotidiano francês no período.  De certo modo, a dimensão utópica não se encontra propriamente no filme, mas nas promessas perdidas, no que é apenas entrevisto, no que é fugidio. O fato de o filme ser todo cantado, então, não teria a ver com uma equalização entre o lugar da utopia e os espaços do cotidiano (nesse caso, a cidade provinciana do litoral norte francês), inversamente quase teríamos uma afirmação da forma (e uma forma particularmente estilizada, cuidadosa e seriamente “afetada”, sem traços de ironia, sem camp) como agência do real, como constitutiva de uma política do cotidiano.” Angela Prysthon em Utopias da Frivolidade   ishkb   21-“I Should Have Known Better” (Os Reis do Iê, Iê, Iê) Diretor: Richard Lester “A cena é simples: os Beatles estão num trem e começam a tocar pra passar o tempo. A música, com sua letra boba, uma típica silly sove song, pra usar o termo que Lennon daria anos mais tarde pra pra o trabalho de McCartney. Mas alguma coisa na segunda parte da melodia denuncia que tem algo a mais acontecendo por ali. Talvez seja um devaneio de fã, mas dá pra sentir um pouquinho da magia, da essência do que ficou conhecido como Beatlemania e que se transformou o amor inocente que permeou a carreira da banda bem ali, seja nos rostos apaixonados de Pattie Boyd e das outras meninas ou na leveza com que Paul dubla a música. E, no geral, é essa a magia que desperta até hoje o fascínio das pessoas pelo quarteto de Liverpool. Afinal, ‘some people wanna fill the world with silly love songs, and what's wrong with that?’” Antonio Lira   gda   22- “Gavotte de Ascot” (Minha Bela Dama) Diretor: George Cukor “A Gavotte de Ascot é um dos números musicais mais encantadores de um filme cheio deles.  Em My Fair Lady, a cena  marca o início da transformação de Eliza Doolittle na bela dama do título em português. A graça da sequência, uma encenação da corrida de abertura em Ascot (reduto da mais famosa corrida de cavalos da Inglaterra),  consiste justamente no paradoxo em  ser extremamente artificial e extravagante para realizar um comentário crítico sobre artificialidade e extravagância. Os figurinos, os chapéus, as posturas, as coreografias e o ar blasé dos extras são parte de uma implacável (e impecável) crônica de costumes sobre as elites britânicas, coroada pelo grito de Eliza: ‘move your blooming arse’!” Angela Prysthon.   idmjht   23-“Is Duniya Mein Jeena Ho To” (Gumnaam) Diretor: Raja Nawathe Não se engane pela alegria da cena, Gumnaam é um supense bollywoodiano adaptado d’O Caso dos Dez Negrinhos, um dos mais famosos romances de Agatha Christie. Sete pessoas ganham uma viagem de avião para uma ilha, onde logo se descobrirão presos. Quando os assassinatos começam, um por um, os sobreviventes vão ficando mais desconfiados de seus colegas. Aos poucos, vão aparecendo as conexões entre os viajantes e o motivo que levou todos eles à ilha. Outro número de GumnaamJaan pehechaan ho, é mostrado no filme Ghost World.   eanr   24-“Edelweiss” (A Noviça Rebelde) Diretor: Robert Wise Assim como Agora Seremos Felizes, A Noviça Rebelde é o canto por um tempo que não existe mais e que talvez nunca tenha existido. O curioso aqui é que o filme já começa depois do momento de alegria plena. Seus personagens, além do próprio filme, já são nostálgicos, vivem em silêncio seu luto por pessoas ou por um mundo perdido, que resgatam por um breve momento até descobrirem que não pode mais ser resgatado. Edelweiss é a mais bela expressão dessa nostalgia. Neste momento, o amargurado Capitão Von Trapp se reaproxima dos filhos. No final, ele voltaria à mesma música para se despedir de seu país.   asinat   25-“A Secretary is Not a Toy” (Como Vencer na Vida Sem Fazer Força) Diretor: David Swift A Secretary is not a Toy é um dos maiores frutos da contribuição de Bob Fosse ao cinema musical. Sendo coreógrafo da Broadway (o mais notável), Fosse trouxe para as adaptações do teatro ao cinema algumas sacadas que poderiam solucionar um problema antigo da exposição de um ato completo e indivisível em um palco contra a frequente necessidade foco, montagem e jogo de câmera do cinema. A dança em A Secretary is not a Toy está no estalar dos dedos, nos movimentos de uma máquina de escrever e em mínimos passos e inclinações do corpo. O filme, muito pouco visto, é uma fascinante sátira da moralidade empresarial.   cdj   26- “Chanson des jumelles” (Duas Garotas Românticas) Diretor: Jacques Demy “Tudo [em Duas Garotas Românticas] parece existir para negar a melancolia: os grandes espaços abertos, a Place Colbert, em Rochefort, com suas fachadas em tons pastéis, marinheiros, bailarinas, crianças que dançam festivamente, a combinação de cores. Inevitavelmente, porém, esta irrompe, afinal é ela que está na raiz de toda a movimentação dos personagens, de todos os impulsos de pintar a cidade, de todo o desejo pelo desconhecido (o ideal feminino de Maxence, o poeta de Delphine, o estrangeiro de Solange) e pelo que foi perdido no passado.” Angela Prysthon em Utopias da Frivolidade.   [caption id="attachment_800" align="alignnone" width="500"]"In this life, one thing counts; in the bank, large amounts." "In this life, one thing counts; in the bank, large amounts."[/caption]   27- “You’ve Got to Pick a Pocket or Two” (Oliver!) Diretor: Carol Reed Oliver! tem o charme do mal-feito, da amoralidade declarada com paixão. Um Fagin (Ron Moody, genial) romantizado, ambicioso, mas também afetuoso, como demonstra em sua relação com Dodger. Vários números de Oliver! nos covidam a participar empolgados do roubo, da corrupção, dos meios dos excluídos. Consider Yourself One of Us, It’s a Fine Life e I’do Anything For You parecem dizer “Estamos bem assim, não queremos sua pena ou sua ajuda”. You’ve Got to Pick a Pocket or Two é a lição de moral dos batedores de carteira, a fábula que não se conta nas escolas.   [caption id="attachment_799" align="alignnone" width="500"]Hello, gorgeous "Hello, gorgeous"[/caption]   28- “The Beautiful Reflection of My Love’s Affection” (Funny Girl) Diretor: William Wyler Funny Girl é cinebiografia da comediante Fanny Brice (Barbra Streisand, perfeita), focando no seu relacionamento com Nick Arnstein (Omar Sharif). The Beautiful Reflection of My Love’s Affection é a primeira apresentação de Fanny como uma das garotas do Ziegfield Follies. O número é bastante tradicional, exaltando a beleza feminina, o que deixa Fanny, que se considera feia, bastante incomodada. A primeira surpresa na performance vem com a revelação do corpo de Fanny, que ela usa para dar um sentido completamente diferente à letra.   [caption id="attachment_798" align="alignnone" width="500"]"Hey, big spender, spend a little time with me." "Hey, big spender, spend a little time with me."[/caption]   29-“The Rich Man’s Frug” (Charity, Meu Amor) Diretor: Bob Fosse Este deve ser o número mais estranho, excêntrico e narrativamente distante da carreira de Bob Fosse. Sweet Charity é uma adaptação musical de Noites de Cabíria e, apesar de ser doloroso ver Shirley MacLaine tentando imitar os trejeitos de Giulietta Masina entre eles, quase todos os números do filme são um colosso. O adorado Chicago fez alguns empréstimos deste filme, o mais notável deles de Big Spender, em que as prostitutas estão alinhadas à Fosse, oferecendo seus serviços.   [caption id="attachment_825" align="alignnone" width="500"]"Não era ontem quando eles eram crianças?" "Não era ontem quando eles eram crianças?"[/caption]   30- “Sunrise, Sunset” (Violinista no Telhado) Diretor: Norman Jewison Violinista no Telhado é sobre a transformação, o fim das tradições como um caminho inevitável correspondido por profundas mudanças políticas e culturais. Ou seja, é sobre a impossibilidade e, ao mesmo tempo, inevitabilidade da nostalgia. Em Sunrise, Sunset, um pai abre mão do passado que conhece por um futuro que desconhece. Logo, ele e vários como ele serão expulsos daquela terra. Como sua família, sua comunidade inteira está prestes a se desfazer, e o seu povo, dentro e fora dela, está prestes a sofrer um cruel genocídio.   [caption id="attachment_824" align="alignnone" width="500"]"So shines a good deed in a weary world." "So shines a good deed in a weary world."[/caption]   31-“I Got a Golden Ticket” (A Fantástica Fábrica de Chocolate) Diretor: Mel Stuart A Fantástica Fábrica de Chocolate, ao contrário da sua versão mais recente, é daquelas pérolas tão charmosas e universais que tem dificuldade em envelhecer. A ilusão da fábrica é um encanto. Gene Wilder está excelente como Willy Wonka. E a moralidade fácil, quase soviética (os maus valores são a gula, a ganância, a competitividade exarcebada e a alienação), é atraente justamente pelo seu simplismo. I Got a Golden Ticket é a vitória dos protagonistas ao final do primeiro ato e a confirmação de nossa fácil empatia por eles. Cheer up, Charlie, cantada pela mãe de Charlie alguns momentos antes, é outra bela canção.   abvdt   32-“A Bandeira Vermelha dos Trabalhadores” (Salmo Vermelho) Diretor: Miklós Jancsó Salmo Vermelho é um filme que carrega de sentido político cantigas, danças, caminhadas, corpo. Miklós Jacsó estabelece uma construção de cena que não funciona muito diferente de um espetáculo de balé, por exemplo. Com longos planos (são apenas 27), ele contempla o movimento de corpos tão expressivos que desafiam perspectivas de tempo e espaço. O mais interessante em Salmo Vermelho é como o discurso da revolução sempre se dá na presença do opressor, obrigando-o a lidar com a retórica da sua opressão.   [caption id="attachment_822" align="alignnone" width="500"]"Every time I look at you I don't understand why you let the things you did get so out of hand? You'd've managed better if you'd had a plan. Why'd you choose such a backwards time in such a strange land? If you'd come today you would've reached a whole nation. Israel in 4 B.C. had no mass communication." "Every time I look at you I don't understand why you let the things you did get so out of hand? You'd've managed better if you'd had a plan. Why'd you choose such a backwards time in such a strange land? If you'd come today you would've reached a whole nation. Israel in 4 B.C. had no mass communication."[/caption]   33-“Superstar” (Jesus Cristo Superstar) Diretor: Norman Jewison “Jesus Cristo Superstar é uma brilhante e às vezes de tirar o fôlego adaptação da ópera rock de mesmo nome. É de fato um triunfo sobre aquele trabalho, usando as mesmas músicas e letras, é bem-sucedido em ser iluminado e nada narcisístico. Norman Jewison, um diretor de grande talento, pegou um pedaço de apelo comercial e o transformou num filme bíblico digno. Não é algo fácil de se fazer. A vida de Cristo pode parecer ter uma dignidade natal, mas raros foram os filmes que o mostraram humano, forte e próximo.” Roger Ebert   mc   34-“Money” (Cabaret) Diretor: Bob Fosse Coloquei Bob Fosse cinco vezes nesta lista. É preciso dizer que, embora seja o mais simples do diretor/coreógrafo, principalmente em termos de coreografia filmada, Cabaret é tranquilamente o meu Fosse preferido. O filme tem a seu favor um texto excelente, mas acho que a sua verdadeira força está na figura de Liza Minneli, que, diferente de sua igualmente talentosa mãe (Judy Garland, para os desavisados), foi muito mal utilizada por Hollywood. A genialidade de Money não está tanto no número quanto na montagem do filme, que o coloca próximo ao momento em que o protagonista bissexual (Michael York) sede aos caprichos de Sally Bowles (Minnelli) e à riqueza do sedutor Maximilian von Heune (Helmut Griem).   aftb   35-“All for the Best” (Godspell) Diretor: David Greene “Até hoje Hair ganha uma desnecessária atenção por, teoricamente, ser o musical que melhor descreve as experiência da era hippie nos Estados Unidos, mas seis anos antes de sua estreia, um outro filme já havia abraçado as ideias do amor e da liberdade de forma muito menos formuláica e pontual, e de maneira muito mais curiosa. Baseado no texto homônimo da Broadway, Godspell – A Esperança é uma cativante releitura do evangelho de São Mateus, que coloca Jesus e seus discípulos como um grupo de palhaços mambembes que tem as ruas de Nova York como palco. De todas as boas canções, All For The Best é das mais divertidas e simbólicas: Jesus e João/Judas discutem suas crenças enquanto dançam em telhados e outdoors iluminados. Só essa ideia já deixa Jesus Cristo Superstar, e especialmente Hair, para trás” Felipe André Silva   twtrhps   36-“Time Warp” (The Rocky Horror Picture Show”) Diretor: Jim Sharman "Hilário, sensual, emocionante e atual, The Rocky Horror Picture Show prende a atenção do espectador em sua teia de referências e clichês perfeitamente usados como tributo à história do cinema. A forma sutil como se trabalha a ficção científica para tratar de questões reais e importantes como sexualidade, gênero e discriminação é impecável. Time Warp é uma performance divisora de águas no filme, pois representa uma completa mudança de rumo na história dos personagens principais, esclarece a viagem que será feita através da memória de outros clássicos e tem a coreografia mais marcante de todo o show." Winston Araújo.   ie   37-“I’m Easy” (Nashville) Diretor: Robert Altman “Nashville tem, dentre outras, como grande qualidade sua excepcional articulação do espaço/tempo. Espaço esse, Nashville. Tempo - alguns dias antes de um grande festival de música. Diversos personagens existem na trama e suas construções são primordialmente clássicos em suas construções, talhados sob os preceitos da composição motivacional. Entretanto, a causalidade da trama está além de seus respectivos controles, os objetivos, motivações e romances colidem entre si e o contextualização política do tempo tem a última palavra sobre seus futuros destinos. Narratologicamente Nashville também assume, a princípio, uma proposta clássica — uma narração em off descreve os eventos e os personagens que o espectador virá a encontrar, como é de praxe no cinema clássico (não a narração off em si, mas o papel introdutório na narração, no cinema mudo, por exemplo, esse processo seria realizado através de cartelas, no próprio cinema clássico, as vezes, através de sequencias de montagem iniciais — intros, como as de Saul Bass, por exemplo). Caso Nashville pretendesse seguir o molde clássico a narração então se afastaria e reapareceria em momentos-chave. Altman subverte o preceito tornando a narração extremamente onisciente e onipresente, não há uma relação lógica de amostragem das personagens e histórias, há apenas um narrador que decide, a esmo mostrar, aquilo que lhe convém, sem uma ordem causal própria, como era, por sua vez, comum entre os cineastas das new waves, a experimentar novas formas de explorar a linguagem cinematográfica.” Francisco Cannalonga   ltt   38-“Love Takes Time” (A Little Night Music) Diretor: Harold Prince Poucas obras compostas (e não só escritas) por Stephen Sondheim foram adaptadas ao cinema. É estranho se considerarmos a imensa popularidade do autor mesmo fora no círculo íntimo do teatro musical americano-inglês, mas talvez essa falta de interesse de Hollywood ateste pela inevitável teatralidade do que Sondheim deixou. Estamos às vésperas da estreia de Into the Woods, adaptação megaproduzida pela Disney, e ainda me pergunto para onde vai todo aquele humor propriamente cênico e se o drama dos personagens conseguirá ter a mesma força sem encontrar o contraste da farsa evidente. A Little Night Music é uma comédia de costumes que confirma Sondheim como o Shakespeare do século XX e o aproxima de Oscar Wilde pela verdade impossível de seus personagens. Em Love Takes Time, o filme reconhece-se o espetáculo da farsa em sua missão de revelar a verdade.   opera-do-malandro-610x416   39- “Palavra de Mulher” (Ópera do Malandro) Diretor: Ruy Guerra Curiosamente, tenho Sondheim e Chico Buarque, meus compositores e letristas favoritos, lado a lado nessa lista. Os dois tem bastante em comum, inclusive. A entrega total ao universo de referências, questões e gostos do seu eu lírico e a construção do ritmo já na letra, por exemplo. Chico escreveu e traduziu belíssimos musicais nos anos 1970, a grande maioria deles caiu no esquecimento, no sentido de serem hoje pouco encenados e não muito lembrados como peças, embora suas músicas sejam parte viva da memória coletiva. Os Saltimbancos é uma deliciosa exceção que permanece na cultura infantil. O filme de Ópera do Malandro, adaptação de Chico da Ópera dos Três Vintens, é tão desprezado como costuma ser o cinema nacional da sua época (talvez o mais malvado efeito do deslumbramento técnico do olhar que ficou com a Retomada), mas é especial talvez principalmente como um musical adaptado. Nesta cena genial, Edson Celulari observa distante Elba Ramalho cantar Palavra de Mulher. Nesta música, nesta cena e com esta Elba, não há Judy ou Berkeley que brilhe mais que os órgãos expostos, e cantados, da fragilidade humana.   [caption id="attachment_828" align="alignnone" width="500"]"Bet, there on land, they understand; that they don't reprimand their daughters." "Bet, there on land, they understand; that they don't reprimand their daughters."[/caption]   40-“Part of Your World” (A Pequena Sereia) Diretores: Ron Clements e John Musker A Pequena Sereia, o primeiro filme do chamado renascimento Disney, tem a sua protagonista mais interessante e menos linear até então. Ariel é rebelde sem causa, mimada, indisciplinada e obsessiva. Seu desejo de fugir do universo paterno conduz a trama do filme, expresso na maravilhosa Part of your world. Infelizmente, este comete dois erros: associar a fuga da princesa dos mares não apenas ao seu despertar sexual, mas necessariamente à figura desse despertar, o príncipe Eric; e sacrificar o poderosíssimo final de Hans Christian Andersen, autor do conto.   Hellfire   41-“Heaven’s Light, Hellfire” (O Corcunda de Notre-Dame) Diretores: Gary Trousdale e Kirk Wise “A dicotomia barroca, presente em todo o filme do Corcunda de Notre-Dame, chega ao seu auge com Heaven's Light/Hellfire. A inocência dos sentimentos de Quasímodo por Esmeralda contrasta com o conflito que é a essência do personagem de Frollo, algo que é refletido na maneira como as cenas são construídas e no arranjo das próprias músicas (simples na primeira, exagerado na segunda). A última é, inclusive, um dos momentos mais ousados das animações da Disney. Ao abordar temáticas como luxúria e a culpa católica, algo bastante presente na literatura barroca, o número torna Frollo um dos vilões mais tridimensionais da história do estúdio, mesmo que não seja tão fiel ao personagem de Victor Hugo. A repetição da frase musical que vinha desde The Bells Of Notre Dame, presente de forma bem delicada em Heaven's Light e explodindo no refrão de Hellfire, reforça a sequência como momento chave do filme.” Antonio Lira.   hero_EB19970117REVIEWS701170302AR   42-“I’m through with love” (Todos Dizem Eu te Amo) Diretor: Woody Allen “Enquanto um monte de gente coloca Moulin Rouge como um marco do renascimento dos filmes musicais, essa joia de Woody Allen, feita cinco anos antes, frequentemente é esquecida. Talvez esta seja a única cena 100% romântica filmada por Woody: sem neurose, só beleza e os voos dos amores que se foram mas que estão pra sempre presentes voando por aí.” Fábio Leal   3011   43-“I’ve Seen it All” (Dançando no Escuro) Diretor: Lars Von Trier "Até onde somos capazes de ir por aqueles que amamos? Do que abriríamos mão por eles? Selma tem muito pouco e está prestes a perder o pouco que tem, mas acredita que seus sacrifícios serão recompensados se puder dar uma vida melhor ao seu filho. Imersa num mundo de fantasias musicais, ela parece incapaz de ver a maldade do mundo real e segue sonhando com números de Esther Williams, Cyd Charisse e Ginger Rogers, mas, sendo Dançando no Escuro um filme de Lars von Trier, não há muita esperança de felicidade para a pobre e bondosa Selma." Winston Araujo   hedwig3   44- “Wig in a Box” (Hedwig and the Angry Itch) Diretor: John Cameron Mitchell “Se cantar é arrancar as máscaras da alma, nada mais libertário do que a aceitação de Hedwig em seu mascaramento se realizar no correr de uma canção. É cantando que ela nos coloca todo o problema de se reconstruir, seja com o uso de maquiagens e perucas, seja com a irreversível decisão de viver pela e para a música. Wig in a Box não figura apenas como uma boa síntese de um personagem, mas como um triunfo da conscientização que todo corpo precisa para sobreviver em meio a sonhos que nem sempre se tornam realidade. Destes casos em que a música vence o mundo, revelando a verdadeira pele das coisas, o sentido mais profundo de se descobrir vivo e, nisto, entender que é preciso curtir os dias antes que eles findem.” Fernando Mendonça   moulin-rouge-3   45-“El Tango de Roxanne” (Moulin Rouge) Diretor: Baz Luhrmann “O abismo é shakespeariano. No Tango de Roxanne se concentra o espelho de Moulin Rouge, como ocorria na peça dentro da peça de Hamlet. Eis a dança enquanto metáfora do ato erótico e concretização narrativa que progride cada um dos elementos do todo fílmico. A potência da linguagem corporal, onde cada dobra e articulação, cada toque e carícia valem por linhas e mais linhas de diálogo, expande este universo histriônico de Luhrmann a um nível que ultrapassa a simplicidade de seu texto. É de sentimentos antigos e repetidos que trata seu filme, disso que tratam todos os filmes e musicais, no fim das contas, e que se renova a cada passo coreografado, cada nota cantada. No amor e na morte, somos sempre os mesmos, mas nunca somos iguais.” Fernando Mendonça   Canções-de-Amor-2   46- “As-tu déjà aimé” (Canções de Amor) Diretor: Christoph Honoré "Habituado a inserir momentos musicais em seus filmes, em Canções de Amor o diretor e roteirista Christophe Honoré vai mais fundo na proposta e nos traz um musical inteiro, com canções que falam de amor em suas variadas formas: amor conjugal, amor passageiro, amor em família, amor perdido, amor de luto, amor não correspondido, negação do amor, redenção pelo amor... Difícil resumir em poucas linhas um filme que trata de tantos temas e aponta para vários caminhos, mas destacamos a cena com a canção As-tu dejá aimé? como exemplo de visões divergentes sobre um tema comum: vale a pena amar?" Winston Araújo   Empty_Chairs_at_Empty_Tables   47- “Empty Chairs at Empty Tables” (Os Miseráveis) Diretor: Tom Hooper Os Miseráveis foi muito facilmente descartado pela cinefilia, curiosamente mesmo por boa parte daquela interessada em cinema musical. Não entendi porque seus meios visuais não poderiam ser desculpados como uma excentricidade de direção qualquer e, principalmente, como não foi aclamado pela inteligente escolha do canto ao vivo, que desafia um pacto estético dos princípios do gênero e coloca em questão a sua montagem. O mais interessante talvez seja o paradoxo que tudo isso encontra no fascínio que Os Miseráveis provoca em tantos não fãs de musical. Um filme completamente cantado, veja bem. Eddie Redmayne em Empty Chairs and Empty Tables (pra mim, a melhor letra, mesmo que apenas traduzida, de Andrew Lloyd Webber) é minha cena preferida do filme.   inside-llewyn-davis-carey-mulligan-justin-timberlake-500-miles   48-“Five Hundred Miles” (Balada de um Homem Comum) Diretores: Joel e Ethan Coen “É sinuoso e extremamente discreto o movimento de câmera que acompanha os números musicais de Balada de um Homem Comum, harmonizados em igual medida pelo áudio e pela iluminação de cada cena. Como ilustra Five Hundred Miles, que em poucos cortes e contracampos nos deixa ver toda uma relação perdida, todo um afeto impossível, desencontrado nas sombras da face de seu protagonista (Oscar Isaac, aqui calado, mas dizendo tudo), estamos no domínio das tonalidades menores, e por isso mais incisivas em se tratando de melancolia e recuperação do passado. Este olhar desiludido, para muitos cruel, que perpassa o cinema dos Coen, solidifica na música um lamento, uma nota ambígua de pesar que excede a biografia e a nacionalidade, atingindo o anseio humano sensivelmente expresso por Llewyn Davis: viver precisa ser mais do que apenas existir.” Fernando Mendonça   LMBrasileiros - Sinfonia da Necrópole. Divulgação   49-“Canção dos Caixões” (Sinfonia da Necrópole) Diretora: Juliana Rojas “Apenas seu conceito já torna Sinfonia da Necrópole um filme bastante especial dentro da atual safra do cinema brasileiro; mas não bastasse ser um musical, o delírio de Juliana Rojas ainda ousa no tom noventista e na delicada morbidez com que trata aquilo tudo. A Canção dos Caixões é o mais simbólico desses momentos, e o que melhor aprisiona o sentimento geral. Deodato, sempre amedrontado pela profissão de coveiro, aprende sobre caixões, e também sobre a vida, com sua nova colega de trabalho e paixão platônica, Jaqueline. ‘Se eu fraquejar, quem é que me socorre?’ divaga o rapaz. ‘A pessoa é para o que morre’, é o que ouve de resposta. E assim segue a vida entre aqueles que não existem mais.” Felipe André Silva   adam-keira   50-“Lost Stars” (Mesmo que Nada Dê Certo) Diretor: John McCarney “Numa Nova York tão naturalmente agridoce como esta do Mesmo Se Nada Der Certo, de John Carney, terminar um filme deixando a protagonista absolutamente livre de amarras e pronta para seguir sua vida é algo que pode beirar a fábula, mas o custo a que essa liberdade chega é a verdadeira fonte de beleza da cena, do momento, e principalmente da música nesta sequência. Reprisada por Adam Levine numa versão muito mais pop do que aquela pensada pela personagem de Keira Knightley momentos antes, Lost Stars é um canto sobre decepção, mas também sobre esperança. Pode soar algo exagerado, mas poucas vezes o cinema capturou tão bem essa sensação quase inexplicável de estar vivo, e feliz com essa condição”, Felipe André Silva.