Anjos da Lei 2

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Preocupa-me apontar cinismo na sociedade pós-moderna sem nomear evidências claras que partam de algo além do mero achismo e da observação. Agora, seja ou não uma avaliação precisa, muitos filmes, blockbusters inclusive, têm comprado esse cinismo ou para questioná-lo ou para construir seu jogo ao redor dele. A presença forte da autoconsciência na comédia recente tem servido como prova de uma nova percepção dos grandes estúdios do que é interessante para o público. A Marvel apostou na autoironia desde o primeiro Homem de Ferro (Jon Favreau, 2008) para consolidar o que é talvez a “saga” mais ambiciosa do cinema. Em Guardiões da Galáxia (James Gunn, 2014), pesou tanto a mão que ficou cansativo. As animações da Dreamworks, que fizeram do cinismo sua marca registrada desde Shrek (Andrew Adamson e Vicky Jenson, 2001), continuam investindo nisso contra a narrativa clássica das da Disney. Judd Apatow praticamente criou um subgênero dentro da comédia contemporânea na ridicularização dos personagens e seus relacionamentos.

A dupla Phil Lord e Christopher Miller é filha de todos eles. No início deste ano eles utilizaram a linguagem típica da animação contemporânea, com seu quadro de referências, sua acidez e inversão dos papeis de gênero, e criaram com isso algo novo. Uma Aventura LEGO é sofisticado no seu humor e honesto em todo o resto, um bem-recebido frescor em um gênero que começava a se repetir. Anjos da Lei (2012) fez o mesmo pelo filme de colegial; e sua continuação, como ela mesma coloca, faz questão de que seja tudo exatamente como da última vez.

Essa colocação, que se repete várias vezes por Anjos da Lei 2, é a maior das brincadeiras com a honestidade do filme, que um amigo meu define como “a refilmagem mais rápida da história”, do que discordo. Ora, o cinema comercial — hollywoodiano mas não somente — sempre teve certo gosto por reproduzir fórmulas que davam certo. Nem o cinema contemporâneo nem, muito menos, Anjos da Lei 2 tem nisso qualquer exclusividade. Mas, ainda na questão posta pelo filme de ser exatamente como o antecessor, tenho a sorte de ter baseado meu texto sobre o primeiro Anjos da Lei na subversão do gênero de colegial. Ganhei tempo, então, para colocar aqui outras questões do humor de Lord e Miller.

Quando menciono ambos Anjos da Lei, assim como outras tantas obras da comédia americana contemporânea, principalmente na televisão — as séries 30 Rock, Parks and Recreation, Saturday Night Live e Brooklyn 9-9, gosto de acentuar a habilidade com que brincam com o politicamente incorreto sem jogar do lado da opressão estúpida. Ao abraçar as questões de minoria, esse humor perde o receio de se tornar politizado, palavra temida e ridicularizada por muitos comediantes, e se torna necessariamente autocrítico — muito do prestigiado lugar que a NBC ocupa como a casa da comédia americana é por se permitir ridicularizada.

O embate entre o humor político e o humor alienado não significa, como prova tanto esses filmes como a websérie brasileira Porta dos Fundos, um embate entre a cultura de nicho e a cultura de massas, pois Anjos da Lei 2 não é nem Monty Phyton nem Borat, está muito mais associado à estética do blockbuster. E se, voltando, a estética do blockbuster necessita repetir fórmulas, ele está pronto para subverter também isso, com muito charme e pouco barulho.


Apesar do bom resultado do engajamento político do humor contemporâneo, características vitais do filme de comédia falado clássico não são ignoradas. A dupla Jonah Hill e Channing Tatum tem o timing e a química de Dean Martin e Jerry Lewis. Praticamente todas as piadas funcionam, os neologismos são pontuais, e o reconhecido peso do bromance, hilário. Uma deliciosa sequência nos créditos dá a crer que não teremos mais Anjos da Lei. De uma forma ou de outra, espero que as duas duplas em ação nesses filmes possam continuar a trabalhar juntos. Por que não, se a fórmula deu certo? 

Jonah Hill, Ice Cube e Channing Tatum em Anjos da Lei 2