Como Treinar Seu Dragão 2

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Como Treinar Seu Dragão (Dean DeBlois e Chris Sanders, 2010) é um filme ainda muito próximo e querido, talvez seja, junto com Shrek (Adam Adamson e Vicky Jenson, 2001) o mais perto que a Dreamworks chegou de conquistar o afeto unânime do público. A sua continuação, Como Treinar Seu Dragão 2 (Dean DeBlois, 2014), chega ao Brasil nesta quinta-feira (19/06) em prováveis centenas de salas. Considerando seu caráter inevitável, é um alívio dizer que toma o devido cuidado para não envergonhar o carinho dos fãs do original. Mas o filme vai além disso ao escapar do aspecto obsoleto comum a muitas animações da Dreamworks e justificar a si mesmo como continuação de uma saga.

DeBlois, em entrevista, definiu Como Treinar Seu Dragão 2 como o O Império Contra-Ataca (Irvin Kershner, 1980) da saga, adaptada dos livros infantis de Cressida Cowell. É uma comparação muito certeira. O novo filme explora o universo criado por Cowell e desnuda nuances escondidas pela moral simples do seu antecessor, pegando emprestado bons traços do cinema épico.

Passaram-se 5 anos desde os eventos de Como Treinar Seu Dragão. A cidade viking que conhecemos então se tornou um espaço pacífico de convivência harmônica entre humanos e dragões. Soluço, nosso herói, já saiu da puberdade. Ele e seus amigos, cavaleiros em dragões, são bem-feitores que enfrentam contrabandistas megalomaníacos como Drago, o grande vilão do filme.

Essa luta do bem contra o mal foi uma das coisas que o primeiro filme fez bem em evitar. Embora ela pareça um pouco fora de lugar neste, é bem-vinda como um vício da narrativa épica da qual DeBlois claramente quer se aproximar. Ele enriquece o imaginário da saga com os mais belos planos do cinema de animação, sempre tomando tempo para contemplar a tragédia, a dor, o mistério e a beleza. Em um deles, somos apresentados a uma cavaleira mascarada, é o momento mais bonito do filme, que ajuda a construir a delicada relação de uma crucial personagem feminina com o filho.

Aí está outro vício do épico que, se não prejudica Como Treinar Seu Dragão 2, atrasa-o alguns anos. As personagens femininas, todas, são restritas às suas funções de mulher: mãe, esposa, objeto de desejo (o fato de a última estar associada no filme a uma garota masculinizada não é sinal de modernidade quando está restrita, em todas as suas cenas, a desejar um homem ou ser desejada por eles). Uma piada que revela sutilmente a sexualidade de um personagem não é tão interessante, principalmente se você já viu o delicioso ParaNorman(Chris Butler e Sam Fell, 2012). Como Treinar Seu Dragão é uma saga masculina e, além disso, que celebra a hereditariedade masculina.

Seria injusto sugerir que as personagens femininas do filme não são boas. Pelo contrário, são personagens sólidas, fortes. A questão é que estão todos ali (homens, mulheres e dragões) reduzidos ao íntimo de seus arquétipos mitológicos: do pai, da mãe, do sucessor, da fêmea sábia. São construções antigas e permanentes de que o filme utiliza. E é curioso que o faça. Nos últimos anos, o cinema de animação tem investido muito em amadurecer o seu humor, imagino que objetivando uma aproximação com os pais que acompanham os filhos às salas de cinema. Isso tem disfarçado e até propositalmente desconstruído as relações dramáticas mais comuns. A Dreamworks, principalmente, fugiu do drama e correu direto para a comédia.

Em Como Treinar Seu Dragão 2, porém, são justamente as investidas cômicas que nunca funcionam. Há problemas no roteiro de DeBlois, muitos desvios desnecessários que quebram a construção do drama com um humor desconfortavelmente fora de lugar. Seria, no entanto, muito mais fácil permanecer com o filme, mesmo passando por essas cenas, se a dublagem nacional não fosse tão problemática. Gustavo Pereira é um ótimo dublador e fez um excelente trabalho com Soluço no primeiro filme, mas aqui ele não acompanha o desenvolvimento do personagem e continua caracterizando-o como um pré-adolescente, com os tropeços comuns ao tom de voz da puberdade. Os monólogos do personagem sofrem com um mau timingda interpretação, e as piadas são sempre constrangedoras.

Como Treinar Seu Dragão 2 não é particularmente especial, mas acompanha o primeiro numa saudável contramão das produções da Dreamworks. É um bom filme com seus tropeços. E, mais importante, não subestima o senso crítico e emocional infantil tanto quanto outros. O 3-D ajuda na contemplação de seus belíssimos e cuidadosos planos, mas não é nunca essencial.