Guardiões da Galáxia

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Chris Pratt em Guardiões da Galáxia

Desde que a escalação de Robert Downey Jr. recebeu muito do crédito pelo sucesso do primogênito Homem de Ferro (Jon Favreau, 2008), humor e carisma são peças fundamentais nos filmes da Marvel Studios. O Tony Stark e o Thor conhecidos pelo cinemão atual têm o melhor dos sensos de humor, até mesmo o Capitão América supera seu aspecto melancólico para uma boa piada eventual. Não é dizer que há uma infidelidade com os personagens dos quadrinhos — embora, como fã do deus nórdico, eu nunca o tenha visto se comportar como um jockde colegial americano da maneira como Chris Hemsworth faz com o personagem. É parte do estúdio, da graça de unir todos eles, esse humor maroto, descolado, e essa falta de seriedade. Em Os Vingadores (Joss Whedon, 2012), a autoironia, ensaiada e autoconsciente,  apoia-se em piadas que são incessantemente repetidas por duas horas e meia de filme.

Guardiões da Galáxia (James Gunn, 2014), embora sofra do mesmo problema, ganha com o protagonista, Chris Pratt (o Andy da série Parks and Recreation), certo charme de ingenuidade, que pode garantir seu interesse pelo filme por um tempo — tudo depende da sua paciência e força de vontade. Pratt é Peter Quill, terráqueo sequestrado quando criança por alienígenas por motivos secretos o bastante para justificar uma sequência. Passado o prólogo, vemos Quill adulto, um fora da lei que atende pelo nome de Senhor das Estrelas, dança ao som de uma mixtape dos anos 1980 que carrega em seu walkman e é um poço de referências da cultura americana do século XX. Uma das lembranças de Quill, e um bom ponto de apoio para a trama de Guardiões, é Relíquia Macabra (John Huston, 1941). Os dois filmes constroem em torno de um objeto de utilidade incerta um jogo de interesses políticos e econômicos envolvendo seus principais personagens. Interessantemente, a primeira hora de Guardiões  se desenvolve bastante como o clássico noir, o mistério mantido joga as motivações de todos às sombras. Quando as verdades individuais se revelam, colocam a trama do filme numa situação delicada.

Talvez seja apenas acidental que a história contada por Guardiões lembre tanto a atual situação no Oriente Médio, mas essa seria uma suposição um tanto ingênua. O vilão é repetidamente referido como terrorista. Ele quer vingar seu povo torturando e matando famílias inocentes e destruindo por inteiro uma etnia rival. É lamentável que o filme se mostre ávido por revelar toda a ignorância do establishment americano com uma metáfora porca e maniqueísta como essa, que ele entenda assim não só o atual conflito na faixa de Gaza, mas também a própria guerra estúpida que ele mesmo começou há 13 anos.

Os problemas do roteiro de Guardiões não são apenas políticos. O seu desenvolvimento falha em coesão, principalmente no ato final. Em 20 minutos, o filme foi capaz de repetir a mesma cena — uma que estabelece entre os personagens laços de fraternidade — três vezes. As piadas, como já sugerido, se repetem exaustivamente, e nada no filme, nem a trama intergaláctica nem o efeito fofura da dupla Groot-Rocket, justifica o exagero de efeitos visuais ou a bagunça de cores. Guardiões se expõe visualmente para muito além do que é necessário, arriscando uma velhice precoce.

A leveza e o ar de originalidade tão elogiados pela crítica americana — o filme teve a surpreendente aprovação de 100% no RottenTomatoes — parecem-me falsos e desmitificáveis. Eu nunca vi um filme se esforçar tanto para se mostrar despretensioso. As autossabotagens das cenas dramáticas, que, com poucas exceções, são quebradas com uma piada, são mais uma infantilidade e um refúgio para um roteiro fraco e uma direção ausente que vislumbres da capacidade criativa da equipe do filme.

Mesmo não sendo tão longo quanto Os Vingadores, também sofre com problemas de Montagem, um tropeço constante nos blockbusters contemporâneos. Apesar de ter apenas duas horas, é mais longo do que deveria e demora para chegar ao ponto — no caminho, recorre a várias saídas fáceis. Com Os Vingadores, Guardiões da Galáxia também tem em comum um vilão ausente que ambos guardam para um possível mashup. Mais desses personagens é garantido ao final deste filme. Um colega chegou a sugerir que essa demonstração de confiança se deve a algum sucesso especial dos screenings. Acho apenas que a Marvel realmente acredita ter feito aqui algo muito original, que triste.

Dave Bautista em Guardiões da Galáxia