Juventude Transviada

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Quando, aos 14 anos, fui fantasiado de James Dean para uma festa temática do meu colégio, eu nunca tinha visto um filme dele sequer. Conhecia os títulos, Vidas Amargas, Juventude Transviada e Assim Caminha a Humanidade, porque uma tia avó gosta de numerá-los sempre que há uma menção ao astro: “Os três filmes de James Dean”. Ela foi comigo assistir Juventude Transviada no Janela Internacional de Cinema do Recife no último sábado. O curador da mostra de clássicos, Kleber Mendonça Filho, apresentou o filme e afirmou, incerto, que o ator havia morrido aos 26 anos. “Acho que foi 24”, corrigiu minha tia, muito tímida para dar a sua fala a certeza que tinha. Depois, na frente do Cinema São Luiz, Kleber comentaria que os três protagonistas do filme tiveram mortes prematuras: “O Sal Mineo foi esfaqueado, ainda é um mistério; Natalie Wood morreu afogada”.

Pequenas informações que facilmente ganham um caráter de misticismo acentuam o tom de lamento do filme. Juventude Transviada talvez seja o drama coming of age mais forte do cinema americano — que tem bastante apreço pelo gênero. É a história de uma geração (que pode ser qualquer geração) que não entende mais o que deve ser, pois o que foi dito a ela, sobre honra, moral e virtude, eram conceitos falsos, forjados por uma sociedade hipócrita. Assim, o personagem de James Dean, Jim Stark, traça uma jornada perdida em busca de valores que talvez nunca existiram, enquanto seus companheiros enfrentam a própria e inevitável sexualidade.

É crucial que os três sigam suas trajetórias de pontos diferentes. Jim da indignação de ver caídas as máscaras do mundo adulto, em que homens devem ser homens, e a honra um de seus objetivos. Judy da mulher que não pode mais agir como menina, pois seu corpo a ressignifica diante dos mais próximos. Plato do abandono. Os três, no entanto, partem de um aspecto comum: a perda de suas figuras heroicas.

E eu, que não conhecia o filme além da fantasia de James Dean (descobri tê-la usado errada), fui pego de surpresa, levado às lagrimas algumas vezes durante a projeção. Outros com quem conversei, pessoas que julgavam conhecê-lo bem, confessaram-se especialmente impactadas. Não irei tão longe quanto a julgar conhecer a raiz de todo o impacto causado, mas o que há de eterno na juventude de James Dean me recorda um dos textos mais sentimentais do crítico francês André Bazin. Ao colocar as diferenças dos modo de registro memorialista entre a fotografia e o cinema, Bazin diz: “O filme não se contenta mais em conservar para nós o objeto lacrado no instante, como no âmbar o corpo dos insetos de uma era extinta [...] Pela primeira vez, a imagem das coisas é também a de sua duração”.

Eternizado na juventude, Dean representa uma solene Terra do Nunca. A sua imagem, fixa, de jaqueta vermelha no cartaz de Juventude Transviada, permite uma continuidade mumificada, tal qual tantos reis que conhecemos por pinturas em quadros. Quando isso é tudo que sabemos dele, vê-lo em ação pode ser atordoante, o confronto com a real humanidade de um mito, o fim da sua iconoclastia. Quebra um segredo bem guardado da humanidade: nossos deuses são meros mortais.