Planeta dos Macacos: O Confronto

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Eu perdi a chance de sentir o impacto do último plano de Planeta dos Macacos (Franklin J. Schaffner, 1968), conheci o universo pela infame refilmagem de Tim Burton — que muito bem achou melhor não se aproximar da cena icônica.  O filme de Burton foi um dos primeiros — de vários — a tentar impôr a uma história clássica e conhecida do Cinema um tom de realismo épico, priorizando o aperfeiçoamento dos efeitos especiais e de maquiagem e rejeitando a narrativa linear mais simples. São preocupações completamente diferentes na construção visual de uma história influenciam na forma como ela será contada. Curiosamente, Planeta dos Macacos: A Origem (Rupert Wyatt, 2013) — tido como um reboot quando na verdade faz referências diretas ao A Conquista do Planeta dos Macacos (J. Lee Thompson, 1972), da saga original — alia a busca por verossimilhança visual a um desenvolvimento clássico de narrativa. O resultado foi louvável, e o filme se destacou da concorrência blockbuster por uma sólida construção de personagens e por efeitos especiais — captação de movimentos — que se justificam dramaticamente. Sua continuação, Planeta dos Macacos: O Confronto (Matt Reeves, 2014), mantém a qualidade mesmo levando a narrativa e o visual a patamares mais ambiciosos.

O novo filme encontra os personagens 10 anos depois da “batalha” na ponte de São Francisco que encerrou A Origem. James Franco morreu vítima do vírus que criou na tentativa de combater o Alzheimer, assim como a maior parte da raça humana, e Caesar (Andy Serkins) lidera uma próspera comunidade primata no meio da floresta, comunicando-se por sua própria linguagem de sinais e uma ou outra eventual palavra. O confronto do título começa quando uma expedição de sobreviventes humanos, à procura de uma usina de energia fora de atividade, depara-se com o território símio, despertando hostilidade e rancor dos dois lados.

A partir daí, a trama se desenvolve com traição, golpe de Estado, guerra e autoritarismo político. O filme parece entusiasmado por usar o nome de dois de seus personagens como alegoria: Caesar e Koba (interpretado por Toby Kebbell; Koba era o apelido de Joseph Stalin). Para ser justo, O Confronto tem seus méritos no estudo da influência política nas relações humanas e vice-versa. Para ser mais justo, o filme não se leva tão a sério nesse ponto quanto, por exemplo, Capitão América 2: O Soldado Invernal(Anthony e Joe Russo, 2014), embora seja de longe mais coerente.

Há algo de muito encantador na mise-en-scènepolítica e humana de O Confronto que consolida todas as referências a Júlio Cesar e dá apoio aos valores de produção e à alta tecnologia gráfica. O filme tem muita força na sua composição imagética. Os planos — sejam eles close-ups de expressões finalizadas no computador ou uma exposição de São Francisco em ruínas, com a relva subindo pelos arranha-céus — são cuidadosamente elaborados e bem utilizados pela Montagem. Com boa parte de O Confronto filmada em locação canadense, há de se aplaudir também o espetacular trabalho da Direção de Arte. Troncos retorcidos apontam em conjunto para fora da tela, dando ao cenário profundidade e ajudando o 3-D a fugir da obsolência da qual comumente é vítima.

Mas toda essa construção visual do drama na narrativa está restrita ao núcleo símio; os humanos, o calcanhar de Aquiles do filme, só são realmente interessantes quando interagem, como minoria, com os macacos. É certo que não é tão tentador fazer um espetacular close no olhar de Jason Clarke — um bom ator em desenvolvimento — quanto em um Serkins trabalhado pelo melhor da tecnologia de captura de movimentos. Quando comparada à meticulosidade com que foram filmados os sujeitos cinematograficamente híbridos, a Fotografia do núcleo humano parece plenamente desleixada. Não acho isso necessariamente ruim, pois termina dando a quem é devido um tom distinto, o problema é quando esse desleixe se deixa perceber em todos os aspectos que cercam os personagens.

O roteiro do filme parece querer colocar as duas espécies em um jogo de espelhos. Se estou certo, não foi uma tentativa muito eficaz. Primeiro porque enquanto em uma delas há um bem-sucedido esforço no desenvolvimento quase shakespeariano de interações humanas e sociais, na outra se reproduz a fórmula datada da família pós-apocalíptica — temos o pai (Clarke), a mãe (Keri Russell, mal aproveitada), o filho (Kodi Smit-McPhee), o babaca (Kirk Acevedo) e o negro (Jon Eyez). Depois porque os personagens de Gary Oldman, Clarke e Smit-McPhee, por exemplo, não correspondem à força de motivações de sua contraposição.


O Confronto se associa mais diretamente com A Batalha do Planeta dos Macacos (J. Lee Thompson, 1973), o último da saga original e que encerra também o seu prólogo interno. Daqui para frente — e acontecimentos e diálogos ao final do filme denunciam a intenção de um “daqui para frente” — a Fox se responsabiliza por preencher algumas lacunas temporais decisivas. Que eles continuem contratando bons diretores de estúdio (tenho muito respeito por Cloverfield): estou no aguardo pela completa dizimação da raça humana.