Ser positivo, por Ian Green

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Por Ian Green* Esta publicação está dando continuidade à série de textos traduzidos em comemoração ao mês do Orgulho. Em 1985, o mundo estava em um estado de histeria. Apenas alguns anos antes, ninguém tinha ouvido falar de Aids ou HIV. Em 3 de julho de 1981, o New York Times reportou que “médicos em Nova York e na Califórnia diagnosticaram entre homens homossexuais 41 casos de uma forma rara e frequentemente rapidamente fatal de câncer”. Mas logo ficou aparente que o mundo estava de fato enfrentando um novo e desconhecido vírus. Em apenas três anos, a Aids havia sido reportada em mais de 50 países e havia tirado milhares de vidas. Para evitar a dúvida: HIV é um vírus que pode danificar o sistema imunológico daqueles que infecta. Aids é uma condição que pode ser desenvolvida como resultado da infecção por HIV, caracterizada por várias debilitações de resposta imunológica que deixa o corpo aberto a outras infecções. Naqueles primeiros dias, o pânico se espalhou tão rapidamente quanto o vírus, e o que era percebido como “risco” estava em todo lugar: copos, toalhas, abraços, beijos e até vinhos compartilhados. Avisos alarmistas vinham até de fontes aparentemente confiáveis — no seu livro Crise: comportamento heterossexual na era da Aids, os pesquisadores do sexo Masters e Johnson sugeriram que assentos sanitários poderiam ser capazes de passar a infecção. Logo nada era seguro na cabeça do público. Ainda assim levou muito tempo para que o presidente Reagan e sua administração abordassem a questão. Uma gravação de uma coletiva de imprensa em 1982 mostra o assessor da Casa Branca Larry Speakes zombar abertamente o jornalista Lester Kinsolving, que tinha questionado o assessor sobre a doença e a posição do governo diante dela. Reagan nem mesmo mencionou a Aids publicamente até 1985 e não foi até 1987 que a comissão do presidente para a epidemia do HIV foi formada. Críticos têm amplamente caracterizado essa aparente relutância de se engajar com a questão como uma escolha de expediente político sobre a obrigação moral (gastar recursos no tratamento de uma “doença gay” não seria bem visto por muitos eleitores republicanos). Aqui no Reino Unido, o HIV foi trazido à atenção de todo lar no país pela famosa campanha de 1986 apresentando as palavras: “AIDS: não morra de ignorância”, escritas imponentemente sobre uma lápide. O antigo secretário de saúde Lord Fowler tem desde então falado da oposição de Margaret Thatcher à distribuição do que ela via como uma informação explicitamente sexual desnecessária como parte dessa campanha. Ainda assim, essa abordagem corajosa salvou muitas vidas. Mas a adição de lápides e imaginários de filme de horror à psique pública acerca da Aids também ajudou a cementar um legado de medo que dura até os dias de hoje. Os tablóides agitaram essa histeria com ânimo, cunhando termos inúteis e estigmatizantes como “a praga gay” e “punição de Deus”. Sem se importar com o fato de que comunidades, famílias e vidas estavam sendo dilaceradas, que pessoas estavam perdendo amigos e parceiros amados e não sabiam por que. O medo vendia jornais. Era uma perfeita tempestade; muitas das comunidades que sofreram o pior bocado — homens gays, minorias étnicas, pessoas trans — já eram marginalizadas. Um vírus mortal transmitido sexualmente, associado a grupos de minoria era um alvo fácil. Enquanto ignorância criava medo, pessoas vivendo com HIV e Aids se tornaram os novos “intocáveis”. Havia um brilho de esperança. Enquanto muitos governos ignoraram a crise por tempo demais, a comunidade gay protestou unida quando parecia que ninguém mais se importava. Quando Terry Higgins se tornou uma das primeiras pessoas a morrer de Aids no Reino Unido em 1982, seus amigos formaram um fundo de caridade em seu nome em uma tentativa de humanizar a epidemia e fazer a diferença para outros. Hoje nós somos a primeira caridade de saúde sexual e HIV do Reino Unido. E Princesa Diana esmagou o estigma quando ela famosamente segurou as mãos de um paciente em uma visita ao centro, dizendo: “HIV não faz as pessoas perigosas de se conhecer — você pode apertar suas mãos e dar-lhes um abraço: os céus sabem o quanto eles precisam”. Mais de três décadas se passaram desde os primeiros dias da epidemia da Aids, desde as cenas que você assiste em Angels in America. Mas o que mudou realmente? Bem, medicamente: tudo. Para começar, embora as taxas de transmissão de HIV permaneçam altas, felizmente poucas pessoas no Reino Unido e nos EUA estão sendo diagnosticadas com Aids. Efetivamente o tratamento do HIV ficou disponível pela primeira vez em 1996 e tem sido nada menos que transformador. Ele funciona através de uma redução da quantidade de HIV na corrente sanguínea a níveis indetectáveis, o que significa que você pode viver uma vida longa e saudável com o vírus. De fato, estamos agora vendo a primeira geração a viver com HIV até a velhice, o que é uma ótima notícia. Não apenas isso, mas no ano passado um marcante estudo chamado Partner confirmou que pessoas que estão em tratamento efetivo e tem uma carga viral indetectável não podem transmitir o HIV. Isso é um dos maiores desenvolvimento em nosso conhecimento do HIV desde a terapia antiretroviral foi apresentada há cerca de 20 anos. Isso dará confiança e esperança a pessoas vivendo com HIV que querem namorar, começar uma fampilia e ter uma vida sexual feliz e saudável sem medo de passar HIV ao seu parceiro. Não é uma cura — mas, para aqueles que perderam pessoas amadas para a Aids nos anos 1980 ou que viviam sob a sombra do HIV em sua juventude, é esplêndido ver esse progresso em nosso tempo. O teste para o HIV também caminhou bastante. Como um estudante em meados dos anos 1980, a cada poucos meses, sem contar a uma alma, eu fazia testes de HIV no meu hospital local. Eu usava um nome falso quando era testado, tamanha era a vergonha. Então, levava cerca de três semanas para conseguir o resultado do exame. Aquelas três semanas eram um inferno — um medo consumidor o submergia enquanto você esperava sentado pela notícia. Teria me dado grande conforto saber que um dia eu estaria liderando um grupo que testa pessoas a céu aberto, em supermercados, em igrejas, em partidas de futebol e até em suas próprias casas. Hoje podemos dar às pessoas seu resultado em minutos, não semanas. Hoje, testar-se para o HIV deve ser algo para se orgulhar, não se envergonhar. Mas, apesar desse progresso médico e científico, em nível de sociedade, de muitas maneiras nada mudou. Eu acho que temos feito um grande esforço para nos livrar do legado de medo dos anos 1980 e realmente apreciar os rápidos avanços médicos que tiveram lugar desde então. Nos países britânticos, pessoas vivendo com HIV agora são protegidas da discriminação sob o The Equality Act 2010 — é ilegal recusar emprego, serviço de saúde, bens ou serviçoes com base no seu status de HIV. Mas escave a superfície e as velhas posturas dos anos 1980 nunca estão muito longe. Mesmo 30 anos depois, pessoas vivendo com HIV ainda encaram estigma e ostracismo chocantes, normalmente devido à falta de conhecimento atualizada do vírus. Apenas dois anos atrás, Charlie Sheen foi perseguido pela imprensa para divulgar o seu status de HIV publicamente entre manchetes como “Pânico da Aids em Hollywood!”. No Terrence Higgins Trust, ouvimos histórias de pessoas idosas com HIV sendo rejeitadas de casas de apoio, sendo informadas que devem pagar o dobro “por seu fardo” e sendo confinadas a seus quartos para evitar contato com outros residentes. Uma senhora não foi sequer permitida a utilizar o controle remoto da TV no lounge sem que ele fosse tirado dela e limpado com lenços antibacterianos. Isso é inaceitável. A ciência já tem agora nos informado como o HIV é ou não transmitido, não há razão para temer e isolar alguém vivendo com HIV — e ainda assim uma recente pesquisa do Terrence Higgins Trust com 2000 adultos mostrou que um em cada cinco britânicos ainda acha que você pode transmitir HIV pelo beijo, enquanto um em cada quatro acredita que pode contrair HIV por compartilhar uma escova de dentes. Os efeitos dessa má informação sobre a epidemia são reais demais — pessoas continuam evitando serem testadas por medo do resultado, e uma em sete pessoas vivendo com HIV não sabe que o possui. Claramente, nós precisamos atualizar o público com urgência com o que o HIV significa em 2017. Enquanto olhamos adiante, nós precisamos nos preparar para e apoiar nossa população soropositiva que envelhece e ajudá-los a encarar as incertezas adiante. Nós precisamos ensinar pessoas jovens sobre o HIV e empoderá-los a tomar controle de sua saúde sexual, para que não sejam complacentes. Nós precisamos fazer do teste para o HIV tão rotineiro quanto ir ao dentista ou medir a pressão. Passos positivos estão sendo tomados — o príncipe Harry recentemente fez um teste de HIV ao vivo no Facebook, o que levou a um pico que quintuplou o número de pedidos que recebemos por autoteste de HIV nos dias seguintes. Esse foi um grande momento na luta contra a transmissão de HIV — fez as pessoas voltaram a falar de HIV e normalizou o teste a uma audiência global. Nós temos todas as ferramentas médicas que precisamos para encerrar essa epidemia de uma vez por todas e para assegurar que aqueles que vivem com HIV possam aproveitar uma vida feliz e saudável — mas nunca chegaremos lá até pormos um fim ao estigma. É por isso que é tão importante, tão urgente, contar histórias daqueles primeiros dias da epidemia e porque estou tão feliz que Angels in America voltou aos palcos. Nós não podemos jamais esquecer e não podemos jamais desistir. Quando penso no quanto progresso foi conquistado nos últimos 30 anos, fico esperançoso pelo que podemos alcançar nos próximo 30 se trabalharmos juntos e deixarmos o estigma e a discriminação no passado, onde pertencem. A epidemia de HIV não acabou. Mas um dia pode acabar. Ian Green é o chefe executivo do Terrence Higgins Trust, a organização de caridade para HIV e saúde sexual do Reino Unido.

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