Trump, Temer e Homer: a sátira como profecia, por Cecília Shamá

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Em 2000, no episódio “Bart to the Future”, os Simpsons elegeram Donald Trump como presidente dos EUA. Toda a trama do episódio gira em torno do teor ridículo da manipulação à população quando esta é colocada para escolher seu governante. O desenho colocava a má gestão de Trump como resultado catastrófico das eleições norte-americanas e, ao final do episódio, Lisa, a mais brilhante dos Simpsons, resolve a política interna de seu país e é eleita presidente, em 2030. Nos últimos meses da política brasileira, a comédia envolvendo a figura de Dilma foi amplamente divulgada como consciência social brasileira. Pegue uma mulher, representante da esquerda, cuja solteirice incomoda a família tradicional brasileira, adicione a isso ligações privadas entre ela e Lula e transmita ilegalmente para o público através dos meios de comunicação e das nossas redes sociais e acabe por torná-la o vetor único de toda a rede de corrupção brasileira. Fim. O Brasil foi feliz para sempre. Não foi. Nunca foi. Não é. O mito da gentileza brasileira há muito desmoronou. Quando escrito por Sérgio Buarque de Holanda em 1936, no quinto capítulo de seu livro Raízes do Brasil, “O homem cordial”, nosso jeitinho brasileiro já era engessado na hierarquia. Todas as nossas ações enquanto cultura e sociedade seriam moldadas a partir de nossa criação entre quatro paredes na visão do autor. Se num futuro o indivíduo virasse a esquerda da curva de sua família, teríamos sorte ou acaso. Mas de sorte não se governa um país. Não adianta legalizar a corrupção de toda uma sociedade e partido em um só indivíduo e mascarar isso de consciência política. Não adianta retroceder enquanto governo trazendo um vice que vota contra sua própria presidente eleita. O mundo está voltando no tempo social, cultural, politica e até televisivamente. Fomos de Obama e estamos indo possivelmente para Trump. Fomos de Dilma para Temer. De cordialidade, o inferno está cheio de políticos brasileiros. Porque nossos valores familiares retrógrados estão todos impregnados no falso impeachment de Dilma. Que povo cordial nós somos! Em 2016 Veep (série da HBO que narra a trajetória de uma vice-presidente que, diante da renúncia do presidente eleito, assume o cargo) mostrou em sua quinta temporada a perda da presidência de Selina Meyer (Julia-Louis Dreyfus) pelo voto popular. Mas, até o momento em que seu mandato tem fim, os únicos atos de Selina enquanto presidente foram apenas para se manter presidente. Plataforma de campanha? Educação. No outro dia, luta contra a violência. Na outra semana, política externa e paz mundial. Veep mostrou como é eleger uma vice para o próximo nível político, é tão simples como quando você precisa passar de fase no videogame. Selina assumiu o cargo por acaso na temporada anterior e não se manteve no poder quando legitimada presidente. Toda a comédia da série se centra no fato do vice ser aquela pessoa figurativa que tem acesso às festas do partido, aos votos das minorias, à falsa noção de queda do patriarcado estadunidense. Acesso vip à casa branca, ao melhor dos melhores. Mas no final das contas sempre a mera figura do vice. Selina era apenas a figura temporária que governava a nação dentro de um jatinho. Nem a tarefa de ser presidente por acaso foi capaz de cumprir. Temer assim como Selina não precisa ser presidente. A corrupção geral já faz as leis. O país do carnaval dá as festas populares com efeito de distração.O Brasil de Temer é um pouco como os EUA de Selina: não está sendo governado. O Brasil está apenas no modo automático da direção política. A brincadeira dos Simpsons ocorrida em 2000 era apenas uma reação às manifestações públicas de Trump em 1999 sobre como ele, que já é dono de grande parte da economia norte-americana, poderia se sentar na cadeira da presidência. A previsão da série foi precisa porque a população deixa no sistema a corrupção moral e política que recebeu de seus pais como direção automática. O Brasil é ministrado, assim como pode vir a ser os Estados Unidos, através da comédia e da farsa. Mas a maior piada que é a nossa política nacional atual continua sem graça e sem conteúdo, ao contrário das duas séries citadas. Lembrando que ela segue sempre, é claro, construída pela nossa cordialidade.