De Sobral para o Brasil: O motim dos militares e o país em risco

Desde a época do arcabuz até a era do fuzil, uma coisa é certa: quem tem um dos dois nunca pede voto nesse país, sempre levam o jogo na mão grande

Foto: Marcos Corrêa/PR
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É sempre a mesma receita desde 1889, um misto de totalitarismo positivista com rebeldia tomam os quartéis. Se juntarmos todos os golpes, passando pela deposição da família imperial até 64, já foram mais de 100 anos sob o controle da caserna desde a primeira república até os tempos atuais.

Ou seja, temos uma classe militar sempre ávida por segurar o fuzil com a caneta e que na menor fissura institucional não pensa duas vezes em esgarçar a constituição vigente, não sem antes incendiar o país se prestando ao papel de agitadores.

Acontece que quase um século depois uma versão do Tenentismo às avessas ameaça surgir. Em textos anteriores eu já chamava a atenção para a truculência do olavismo contra os militares e a falta de reação, seja do governo seja dos militares, contra o grupo de fundamentalistas que instaurou uma verdadeira batalha por poder em Brasília.

A subversão da ordem militar já começa no próprio governo onde um capitão comanda, enquanto um general é vice, lindo, poético e agita as patentes mais baixas. É a Cinderela de verde-oliva.

Depois desse ponto a coisa só piora. Constantemente os militares, mais precisamente os generais, são colocados como obstáculos da “revolução” de Olavo de Carvalho. Isso quando não são ofendidos e chamados de incompetentes.

A reação? Notas tímidas e acovardadas, acompanhadas de ameaças de processos. Nada além. Para os “tenentistas” os generais são vistos como sacos de pancadas, sem muito poder de fogo.

Mas vejam só em que democracia o mentor “intelectual” do presidente xingar o vice-presidente e um ministro é boa coisa?

Por mais que eu tenha críticas aos militares e sua mentalidade golpista em todas as patentes, eu sei que não há como isso acabar bem.

No caso de Mourão é ainda mais grave, já que ano passado Olavo ofendeu o vice-presidente e no domingo seguinte foi convidado de honra do presidente em um jantar nos EUA.

Me pergunto se essa tentativa de renovação do tenentismo será resultado de um plano orquestrado ou efeito colateral da incompetência e irresponsabilidade de Bolsonaro em gerir um país. Dos dois casos sabemos que apenas no segundo Bolsonaro teria alguma competência intelectual para algo.

Desde a época do arcabuz até a era do fuzil, uma coisa é certa: quem tem um dos dois nunca pede voto nesse país, sempre levam o jogo na mão grande.

Seria então Olavo o artífice desde tenentismo que pode estar por vir? Certamente!

Ano passado ele chegou, inclusive a publicar:

“As Forças Armadas jamais libertaram o país do comunismo. Libertaram-no, isto sim, das lideranças civis que o haviam libertado do comunismo”, disse Olavo.

E desde então foi uma série de ataques afirmando que os militares foram coniventes com uma suposta “onda comunista” pelo país.

Em dezembro de 2018, durante a primeira cúpula conservadora das Américas, Olavo já havia dito que os militares haviam falhado em combater o comunismo. E quando ele fala militares, ele não busca alfinetar as forças militares como um todo, a fala dele é dirigida, ele mira no alto-escalão que segundo ele seriam coniventes com o comunismo.

Sendo assim temos 3 peças colocadas no tabuleiro, de um lado o Bolsonarismo/Olavismo, do outro os Militares e por final o Partido da Lava-jato (PLJ).

Agora, basta observar: durante mais de um século, como afirmei acima, as forças armadas foram agentes de instabilidade e agitação no país. Logo, pela primeira vez em mais de 100 anos os militares não assumem o posto de agitadores nacionais.

Na verdade este posto fica para o Bolsonarismo e ao PLJ, o que nos faz crer que os militares são fiadores do PLJ ou possuem seus próprios objetivos dentro da baderna institucional que se instalou de vez no país.

A luz amarela já foi acesa, para um Exército acostumado com a submissão ao poder executivo, não precisará muito para o tenentismo começar. E o objetivo é claro, como sempre, esgarçar o tecido constitucional para passagem do autoritarismo.

Os ataques contra generais e contra a classe política buscam manter eleitorado de Bolsonaro permanentemente mobilizados, nas ruas e na caserna.

A movimentação preocupa o Congresso, que vê nos gestos uma tentação autoritária do presidente Jair Bolsonaro, você não acha engraçado que quase que de maneira seguida, tanto o STF quanto o Legislativo sejam atacados enquanto o executivo passa ileso?

Política é um conjunto de fatos interligados e se você não abrir os olhos acaba perdendo alguns movimentos.

Enquanto o caos se agrava, parlamentares trazem um velho movimento para a mesa, o parlamentarismo, o fiador da ideia? O vice-presidente.

A ruptura da ordem começou. Generais estão em alerta, congressistas também. A paranoia virou rotina em Brasília.

Acha exagero? Hoje o UOL publicou uma matéria onde detalha a determinação da cúpula militar em se descolar do governo, o texto alega que estão evitando serem vítimas do desgaste do governo.

Mas sabemos que não, Bolsonaro e sua turma estimulam a indisciplina, a balbúrdia na caserna, a sublevação das forças.

Podemos ver isso inclusive não só nas forças armadas mas também nas polícias militares ao redor do país.

O terror que assola Sobral e a ação das milícias durante o motim (não é greve) deixam claro a que nível está insubordinação nas forças militares do Brasil.

Enquanto os PMs se amotinam ilegalmente e passam a ameaçar os governos estaduais, Moro e Bolsonaro não repreendem as paralisações, que são ilegais.

Um tratamento completamente diferente que dispensam para greves de outras categorias como caminhoneiros, professores e agora os petroleiros.

Ontem mesmo Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, decidiu acoitar os criminosos em Sobral.

E enquanto tudo isso acontece, General Heleno agita as massas e as hordas delinquentes para ocuparem as ruas.

Afirmo seguramente que o país está à beira de sua mais severa crise institucional e constitucional e boa parte da imprensa está evitando tratar disso de forma frontal.

Tudo em prol da agenda econômica do ministro Pinochetista, Paulo Guedes e também para tentar evitar que Moro seja desgastado junto.

Não há como isso acabar bem. E alguns veículos perceberam isso: o Estadão decidiu fazer um editorial firme contra o governo, a Istoé inclusive a venta a possibilidade de impeachment.

Reafirmo, a situação é muito grave, na verdade é a mais grave desse século. Nunca, desde a redemocratização a normalidade democrática esteve tão em risco como nos últimos dias. Os militares da cúpula sabem disso.

Até quando o país vai suportar viver em risco e até quando as instituições irão suportar viver com a faca na garganta?

Já é um fato notório em Brasília. O sistema de pesos e contrapesos acabou!

Aqueles que deveriam conter a barbárie que está por vir assistem com complacência.

Isso quando não estão patrocinando barbaridades também.

O Brasil está em risco.

Este artigo não representa, necessariamente, a opinião da Fórum