Militares: não precisam de um golpe, já deram cacetadas na democracia

Leia na coluna de Cleber Lourenço: O problema não é o golpe, mas o dano que essa aproximação causa para as instituições e para o Brasil

Foto: Agência Brasil
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Militares não precisam e nem vão dar golpe. Já perverteram o sistema político dando cacetadas na democracia. Mas isso não quer dizer que tudo está perdido ou que as instituições não funcionam de maneira alguma.

Embora sofram sucessivas humilhações, os militares estão em uma posição confortável. Eles acreditam fielmente que são “tutores” do estado brasileiro e que poderão manter normalidade.

Na minha coluna deste último sábado (23) eu já havia apontado algumas direções como a banalização da inserção de militares na segurança pública e na sociedade civil, como foi no caso do Rio de Janeiro.

Os militares que deixaram o poder no final dos anos 80 nunca aceitaram muito bem essa perda de protagonismo, principalmente no governo FHC, que sabiamente entendia o risco que seria reaproximar os fardados. Não por menos, sucateou e desequipou as nossas voláteis Forças Armadas, que ficaram bons anos sem causarem transtornos na democracia brasileira.

O que começou nos governos petistas acabou se agravando no governo Michel Temer e então atingimos um ponto sem volta. Os militares voltaram a gostar e queriam o poder novamente.

E mesmo com o presidente declarando entre dois generais que buscará ostensivamente a “milicianização” do país, com população armada para fazer frente às forças de segurança, nada abalou a relação.

Em novembro de 2018, o então comandante das Forças Armadas, general Eduardo Villas Bôas, deu a entender, em uma entrevista para a Folha de S.Paulo, que pretendia "intervir" caso o Supremo Tribunal Federal concedesse Habeas Corpus ao ex-presidente Lula. Ele declarou: "Temos a preocupação com a estabilidade, porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do que remediar”.

Em abril o general já havia ameaçado publicamente o STF com uma publicação no Twitter. Naquela entrevista já ficava claro que os militares se enxergavam tutores do Brasil (não da democracia) e que queriam voltar ao poder.

Em outubro ele voltaria a “orientar” decisões do STF em relação ao ex-presidente Lula.

Afinal de contas, quantas democracias sólidas no mundo você vê generais “orientado” decisões de suas supremas cortes? Nenhum. Ali o sinal vermelho já estava acesso.

Infelizmente perdemos a oportunidade de levar o general algemado para julgamento e fortalecer nossa democracia.

A ocupação militar e a ramificação do verde-oliva no governo e na política dispensam qualquer desejo de golpe, o que só prejudicaria ainda mais a imagem do país no exterior e perante os mercados em que participa. Sem falar do desgaste.

Os militares não precisam disso. Ao enquadrarem o STF duas vezes seguidas sem qualquer tipo de punição e agora uma terceira vez, na figura do general Heleno, eles reafirmam que farão o que bem entenderem com a estabilidade do país e com a sua democracia.

Ao permitirem que Bolsonaro alargasse os limites da democracia e da institucionalidade, permitiram que o presidente fizesse o trabalho ingrato, para que depois, agressões e ameaças como as do general Heleno não fossem recebidas com o devido alarde merecido.

De resto, eles deixam nas mãos das instituições o trabalho de contenção e supressão do presidente aluado. Acontece que para eles é bom que Bolsonaro possa ficar no poder. Mesmo que isso coloque os generais em situações vexatórias e ainda que o presidente promova a indisciplina entre os soldados.

Além disso, a aproximação dos militares com o governo não é consenso nem mesmo no meio. Ainda no dia 15 desse mês, o editor do site Sociedade Militar já havia criticado de maneira contundente a aproximação dos militares com o poder.

O problema não é o golpe, mas o dano que essa aproximação causa para as instituições e para o Brasil.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum