Quando colocaremos limites nos movimentos de “renovação”?

"A verdade é que esses grupos se tornaram verdadeiros partidos clandestinos que usufruem do discurso de desvalorização da política"

Luciano Huck em aula a alunos do RenovaBr (Foto: Reprodução)
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Se em 2018 a democracia foi fragilizada com o uso ostensivo e até criminoso das redes sociais, em um futuro não muito distante, o nosso problema será a turma dos movimentos de renovação política.

Acontece que estas organizações já nascem amparadas em um conceito totalmente errado, conhecido como “nova política”. Não irei me prolongar muito sobre o termo, já expliquei ele em outras colunas, mas resumindo: existe apenas ‘A Política e ponto final.

E é claro que quando os alicerces de uma construção não são bons, não há como o resto da obra se manter em pé com integridade.

A verdade é que esses grupos se tornaram verdadeiros partidos clandestinos que usufruem do discurso de desvalorização da política para fortalecimento de suas próprias bancadas. Não levam em consideração sequer as opiniões de seus eleitores, como a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) que emitiu a seguinte declaração no ano passado:

“Seria muito mais fácil virar para as redes sociais, falar que sou contra a Previdência e ser adorada por isso. No momento, o governo me odeia e a esquerda também” (...) Se com isso eu me tornar impopular e não ser reeleita, beleza. Com a formação que eu tenho, consigo emprego onde eu quiser. Eu volto a trabalhar e continuo o ativismo de outros lugares”.

Uma desfaçatez absurda com a democracia e ainda é de impressionar o desdém que uma representante da “casa do povo” com seu eleitorado. Afinal de contas, se não é para o Congresso Nacional fazer o intermédio e a representatividade entre a população e o poder, então qual o objetivo?

A verdade é que é muito mais fácil fazer lobby quando você elege os seus lobistas e ainda isenta todos eles de qualquer obrigação partidária.

A desfaçatez destes grupos é tão grande que em abril de 2018, o movimento Acredito – o da Tabata – fez o PDT assinar um documento onde “se compromete a respeitar as autonomias política e de funcionamento do Acredito, bem como a identidade do Movimento e de seus representantes".

A tradução literal dessa obscenidade seria: “olha partido, não temos uma legenda, mas queremos fazer política e vocês não querer perder recursos com a cláusula de barreira. Façamos o seguinte! Nós vamos dar uma candidata para vocês e em troca vamos mandar às favas qualquer agenda partidária que vocês tenham”.

E assim, estes grupos fazem o que querem com os partidos e com os seus mandatos sem se sentirem no direito de prestarem contas para a sociedade.

São frutos de anos de lava jato nos noticiários demonizando a política e “tudo isso que está aí” e que ironicamente buscam driblar a proibição de financiamento privado em eleições.

Como fica a política quando gerenciada por entes externos ao sistema político e que utilizam as legendas de forma parasitária?

Em 2018, esses grupos elegeram mais de 50 políticos em todo o país, logo, é uma forma (e um problema) em ascensão no país.

No ano passado o presidente do Acredito, Samuel Emílio Mel, declarou para o site Nexo que “se começa um desalinhamento sistemático entre as votações de qualquer parlamentar e os posicionamentos do movimento, os próprios voluntários do Movimento irão nos ajudar a entender e a construir as medidas necessárias para este caso’. Me pergunto: quais seriam as medidas?

Estranhamente, o único partido que acertou em evitar a aproximação com estes grupos foi o lamentável Partido Novo que em toda a sua curta história pode se orgulhar de ter ao menos uma decisão certa.

Caro leitor, não é nenhum segredo o meu mais profundo desprezo por qualquer movimento que se alicerce na antipolítica, falei, esse tipo de pensamento mais afasta a população da política do que qualquer outra coisa.

E quando temos um afastamento da sociedade, temos um desbalanceamento da democracia, afinal de contas, o povo é um elemento importante e a sua pressão social é fundamental quando necessário.

É aí que mora o problema dessas agremiações, esquecem de suas obrigações com o eleitorado e ainda promovem um discurso tão antipolítico que ele por si só afasta ainda mais a sociedade e por fim mantém as coisas como estão e até piores.

Se os partidos não ficarem atentos, o próximo grande problema da democracia será a horda de movimentos suprapartidários cheios de boas intenções e anos-luz de distância de seus eleitores.

Quer um exemplo?

Vamos novamente para Tabata Amaral, que até o momento não fez qualquer tipo de defesa mais enfática pelo CAQ, um dispositivo do Fundeb que define um curto mínimo por aluno e que tem como objetivo proporcionar o mínimo de estrutura para estudantes e escolas de todo o país de maneira justa.

Justo a deputada que se coloca como uma árdua defensora da educação no país.

Vai esperar para defender o CAQ quando aprovado? Se sim, por qual motivo? Para evitar sanções de atores externos?

Sobre isso eu falarei com mais detalhes em outro texto.