STF, COAF e MP: estamos um passo mais próximo do AI-5

"A quem serve acabar com o sigilo bancário e fiscal dos brasileiros? Serve aos democratas e constitucionalistas ou aos que salivam atrás de uma ditadura para chamar de sua?"

Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Escrito en BLOGS el
A decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF) terminou por dez votos a um e definiu um conjunto de boas intenções (não dá para chamar aquilo de regras) para o compartilhamento, sem autorização judicial prévia, de dados sigilosos de órgãos de controle, como a Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antigo COAF), com o Ministério Público. De acordo com a tese aprovada pelos ministros do STF nesta quarta, e que eu já havia comentado quais seriam as possibilidades na semana passada, ficou definido que esse compartilhamento de dados só pode ser feito por meios formais – sistemas e vias de cada órgão. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, ficou definido que é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal com o Ministério Público e as polícias para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações, e sendo consideradas inválidas as comunicações por e-mail, telefone ou Whatsapp. Acontece que a decisão do STF, na verdade, foi constitucionalmente inconstitucional e quase que flerta com o fim do sigilo bancário e fiscal no país, algo que é vedado pela Constituição. Com a decisão, o Ministério Público fica livre para vasculhar a vida de qualquer brasileiro, basta que lhe dê na telha. O que abre margem para o uso político descabido destas informações, o que é grave e certamente trará reflexos já no próximo pleito presidencial em 2022. E tampouco impede investigações encomendadas. Me incomoda a adesão massiva dos ministros na tese vencedora, inclusive Dias Toffoli, uma vez que poderá banalizar procedimentos como os revelados pelas reportagens do The Intercept Brasil que mostram que o procurador Deltan Dallagnol deliberadamente decidiu inspecionar a vida fiscal do ministro com o objetivo de se encontrar alguma ilegalidade ou mal feito. A única coisa que difere a situação vivida pelo ministro e a decisão atual é que a busca de informações feita pelo Deltan foi feita fora dos meios oficiais. Porém, com a decisão, nada impediria ele de decidir fazer a mesma coisa com qualquer um dos mais de 200 milhões de brasileiros que possuam atividade bancária e vida fiscal ativas no país. Pergunto aos ministros e também para você, caro leitor: em uma República de vazamentos seletivos, de graves indícios de corrupção na operação Lava Jato e, ainda - o pior de tudo! -, em um Brasil onde um juiz prendeu o primeiro colocado nas pesquisas eleitorais para depois se tonar ministro do principal beneficiado pela sua decisão, isso dará certo? E o show de barbaridades ainda não para por aí! Tudo isso atropelando uma cláusula pétrea da Constituição! E tudo isso em um momento do país onde se ameaça a nação com AI-5 com a mesma banalidade em que se diz “hoje é quinta-feira”. A quem serve acabar com o sigilo bancário e fiscal dos brasileiros? Serve aos democratas e constitucionalistas ou aos que salivam atrás de uma ditadura para chamar de sua? Não há como isso acabar bem e, adianto, ao menor sinal de abertura para a instauração de um governo totalitário pelas mãos de Jair Bolsonaro ou qualquer outro esse será um dos instrumentos que vão abrir caminho para isso. Infelizmente o país deu um passo em direção ao AI-5. O STF ainda tentou colocar algumas regras no processo todo como, por exemplo: toda vez que um acesso ou consulta for realizada ela deixará uma impressão de quem foi o responsável pelo acesso. Mais aí já adianto, isso não resolve o problema! Vejam só, Sérgio Moro foi responsável por escutas ilegais contra uma presidente da República! Admitiu o crime abertamente e sequer foi punido. Deltan e os procuradores da Lava Jato também aprontaram todo tipo de descalabro sem qualquer tipo de sanção. Se o problema principal do país é a impunidade, então, acima de tudo devemos garantir a punição e a fiscalização sobre qualquer infração do poder judiciário, caso contrário, tudo isso não passará de bravata e oportunismo de quem sempre está a procura de uma brecha para tirar vantagem. E quem aplaude a decisão de ontem do STF estará enquadrado irrestritamente em um dos dois grupos que citarei: ou não faz ideia do que está acontecendo ou, então, lhe falta caráter.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.
 

Temas