Por que a extrema direita odeia Paulo Freire

No debate entre candidatos à prefeitura de São Paulo, educador respeitado em todo o mundo foi mais uma vez citado de forma descontextualizada; entenda quais as razões para ele ser um alvo recorrente de detratores

Créditos: Luiz Carlos Cappellano/Wikimedia Commons
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No debate realizado entre os candidatos à prefeitura de São Paulo na noite de segunda-feira (23), pelo podcast Flow, mais uma vez Paulo Freire foi mencionado de forma descontextualizada e equivocada por uma figura política da extrema direita.

Após o candidato Guilherme Boulos (PSOL) anunciar que iria fazer um mutirão com o nome do educador voltado para a alfabetização no município de São Paulo, a candidata Marina Helena (Novo) comentou que a educação iria "piorar" ainda mais. "Aqui não vai ter método Paulo Freire", disse ela.

Mas qual o porquê de extremistas de direita terem como alvo o educador? No Outras Palavras TV, em julho, pude fazer essa pergunta a Joana Salém Vasconcelos, autora do livro Inquérito Paulo Freire: a ditadura interroga o educador (Editora Elefante), e ela forneceu elementos que ajudam a entender essa obsessão.

A educação brasileira não é freiriana

"Primeiro, o mecanismo do imaginário da extrema direita funciona com base na escolha de inimigos simples e bodes expiatórios. Simples no sentido de que se concentra em poucas figuras a origem de todo o mal, porque o raciocínio produzido pela extrema direita é um raciocínio altamente simplificador dos problemas e por isso também eles oferecem supostas soluções fáceis. Quer dizer, tira o Paulo Freire da escola e daí tudo vai melhorar, como se fosse isso. Então, o Paulo Freire é escolhido dentro desse mecanismo do bode expiatório, ele vai ser o causador de todos os problemas da educação", pontua Joana. 

Mas há outros fatores. "Ao mesmo tempo, de fato, a pedagogia freiriana promove uma quebra de hierarquias que causa ojeriza aos apoiadores da ditadura, aos saudosistas da ditadura, porque a extrema direita fundamenta os seus valores na ideia de ordem, de disciplina, de hierarquia, nas escolas cívico-militares que estão sendo reimplantadas no Brasil, antes, pelo Bolsonaro, e agora pelo Tarcísio de Freitas em São Paulo e por outros governadores em Goiás, no Paraná... Esse modelo de escola cívico-militar, porque supostamente a melhor educação é aquela que é mais disciplinadora, mais castradora, mais autoritária. E a educação freiriana é o oposto disso, é uma educação da escuta, em que a pluralidade é permitida, mas não uma pluralidade apenas caótica", explica.

Joana deu mais detalhes sobre a pedagogia freiriana. "Não é apenas o diálogo num círculo, vamos conversar e todos se escutam, isso é muito bonito, é uma versão meio 'fofinha' do Paulo Freire, que existe muito, mas a proposta do Paulo Freire evoluía do diálogo para o poder, para a tomada de decisão coletiva, para a democracia horizontal, radical e direta, e isso causa ojeriza aos autoritários da extrema direita. Eles acabam encontrando nessa figura um inimigo a ser atacado e vão, obviamente, fazendo calúnias, uma série de mentiras."

Entre as mentiras contadas pelos extremistas, a mais óbvia é a que conta que a educação brasileira seria freiriana. Não, não é. 

"Na verdade, a educação brasileira está mais para tradicional do que para freiriana, até porque não dá para ser freiriano em um regime de trabalho, no caso dos professores, em que você tem que dar aula em três escolas, 50 horas de aula por semana para receber um salário, minimamente, para sua subsistência, e não tem como ser freiriano em um regime de trabalho desses", aponta. "Mesmo que o professor queira ser freiriano, o sistema educacional brasileiro impede que ele seja, porque o processo pedagógico freiriano requer um tempo de liberdade criativa que o professor, esmagado por uma carga de trabalho exploradora, não consegue ter."

Confira abaixo a fala completa.

 

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