As eleições de domingo para além dos ufanismos e derrotismos superficiais

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É preciso transcender os sentimentos imediatos que brotam quando se tem um resultado eleitoral, seja positivo e negativo. Muitas vezes, as expectativas podem gerar  ufanismos ou derrotismos exagerados. É preciso conectar fenômenos históricos pontuais, como um processo eleitoral, a dinâmicas históricas mais amplas para compreender a real dimensão dos desdobramentos. Como Marx disse no “Método da economia política”, o concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações. Ou ainda Althusser, no seu conceito de sobredeterminação em que aponta a necessidade de se elencar as diversas variáveis que constroem os cenários políticos e sociais. Uma análise rápida e fugidia pode correr no risco de apontar ou destacar uma ou poucas variáveis, caindo no jogo fácil da condenação moral e de culpabilização de pessoas ou organizações. Assim, propomos analisar este processo eleitoral e seus resultados elencando as seguintes variáveis (sem ordem de importância): a-) a reforma eleitoral aprovada no Congresso sob a batuta do ex-deputado federal Eduardo Cunha que reduziu o tempo de campanha, alterou a divisão do tempo de propaganda prejudicando os partidos pequenos e até mesmo criando barreiras para a participação destes partidos nos debates organizados pela mídia; b-) o golpe midiático-parlamentar-judicial consolidado em 31 de agosto de 2016 sustentado no discurso moralista do combate à corrupção e criminalização do PT e da esquerda em geral; c-) a continuidade desta narrativa com as ações da Operação Lava Jato em setembro tentando criminalizar figuras proeminentes do governo do PT, entre eles, o próprio Lula, o ex-ministro Palocci e outros; d-) a narrativa da criminalização da política feita pela mídia hegemônica tanto na repercussão das ações da Lava Jato como também na divulgação de escândalos envolvendo algumas personalidades de outros partidos, até mesmo conservadores, que foram reverberados pela esquerda como resposta na perspectiva de que há uma seletividade ideológica nas acusações; e-) a constituição de um segmento social intermediário nas periferias que teve alguma inclusão social por conta das políticas públicas do governo Lula e Dilma e que passou a ser interpelado pelo Estado como uma “nova classe média”; f-) a crise econômica mundial do capitalismo que sinaliza para o esvaziamento dos espaços de intermediação política, pressiona desesperadamente pela desregulação das relações de trabalho e pelo rígido controle fiscal do Orçamento Público e a priorização dos interesses do capital rentista – esta situação a nível municipal ocorre em que os orçamentos municipais estão quebrados, com pouca margem para investimento, agravados ainda pela crise econômica que faz cair a arrecadação. As classes dominantes expressam sua posição ao se unirem na articulação BBB (Boi-Bíblia-Bala). No nível municipal, a “bancada do Boi” (metáfora dos latifundiários) se expressa pelos interesses da especulação imobiliária; da Bala, pelos políticos que defendem a militarização da cidade com a transformação das guardas municipais em novas forças repressoras e da Bíblia com a profusão de políticos que fazem o discurso da demagogia religiosa. A desqualificação da política, a sensação de caos criado pelas constantes denúncias de escândalos que a mídia divulga diariamente gera a necessidade de se buscar a ordem. Uma ordem que favorece o discurso fundamentalista religioso ou o da repressão ou de pessoas que se apresentam como “fora da política”. Isto em um modelo eleitoral moldado da forma que foi feito dificilmente iria favorecer um debate mais ideológico. Resultado: abstenções altas, eleição de vereadores com este perfil BBB, prefeitos que se apresentam como o “novo” e assim por diante. Mesmo nas regiões periféricas em que há um contingente significativo de pessoas que foram incluídas nos governos do PT houve este comportamento. Muitos podem considerar que foi uma “traição” ou que eles foram “alienados pela mídia”. Sem discordar totalmente disto, é preciso analisar mais concretamente este fenômeno. Marx, em 18 Brumário, afirma que a pequena burguesia não é uma classe social porque não tem um projeto próprio. É um segmento social que está preocupado com seus interesses individuais e tende a se unir única e exclusivamente no discurso da ordem e da moralidade para que seus negócios continuem e, acrescento levando-se em conta a fragilidade da situação dos segmentos intermediários no Brasil, não caírem de status social. A interpelação desta classe trabalhadora que conseguiu alguns benefícios como classe média (e digo isto porque até mesmo em documentos de pessoas ligadas ao PT e movimentos sociais havia a menção a uma nova classe media) favoreceu a sua atitude com características pequeno-burguesas de defender a moralidade, a ordem e que a crise é por conta da corrupção dos “políticos profissionais”. A ação direta do capital, conceito que desenvolvemos para tipificar a forma política contemporânea de exercício do poder do capitalismo reduz as possibilidades de pactos sociais que sinalizem para um Estado de bem estar social. Por isto, ficar num ufanismo ou derrotismo por conta de resultados eleitorais é confiar em demasia nos arranjos institucionais do capitalismo que cada vez mais fecham para uma possibilidade de mudança ainda que pontual. Os anos de governança do PT criou a ilusão em parte da esquerda de que é possível mudar a estrutura social por dentro dos aparelhos institucionais, esquecendo que o Estado não é apenas a Sociedade Política (para usar um conceito de Gramsci) ou o Aparelho Repressor (usando um conceito de Althusser). É também a Sociedade Civil (Estado Ampliado, como diz Gramsci), lócus onde as ideias são disseminadas, consolidadas e formam as práticas sociais que se expressam em comportamentos eleitorais como o do último domingo. Enfim, a coisa é muito mais complexa que analisar campanhas, posturas de candidatos, manipulações da mídia (como se ela não fizesse sempre...) ou ainda qualidade das gestões. É fundamental entender os processos eleitorais como parte de uma luta maior, pela transformação das estruturas sociais. E numa conjuntura adversa como esta, algumas vitórias eleitorais pontuais como a ida de Marcelo Freixo ao segundo turno no Rio de Janeiro, a eleição de nove vereadores do PT (além dos dois do PSOL) em São Paulo consolidando-se como a segunda maior bancada mesmo com toda o bombardeio midiático, entre outros, mostra que a esquerda é como uma toupeira – ela pode ficar invisível em determinados momentos, mas não está morta e quando menos se espera aparece. Compete a nós, militantes dos movimentos sociais e por um mundo mais justo, continuar batalhando para que isto ocorra o mais rápido possível.