Cotas na USP é lutar contra o poder do capitalismo do conhecimento

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Nestes dias 14 e 15 de abril,  iniciou mais uma greve na Universidade de São Paulo, com inclusão com um pouco mais de ênfase desta vez, da bandeira das cotas raciais. Coletivos de estudantes negros e negras da USP realizaram uma série de ocupações em aulas e outras formas de mobilização para chamar a atenção da necessidade de se implantar as cotas raciais. No dia 14, estudantes chegaram a ocupar uma reunião do Conselho Universitário para reivindicar esta bandeira, entre outras. Sueli Carneiro, do Geledés (Instituto da Mulher Negra), disse-me certa vez quando participávamos de uma banca de mestrado que lutar por cotas na USP é brigar pelo poder. Daí a grande resistência dos setores conservadores e outros nem tão conservadores. Por que poder? Vivemos na era do capitalismo do conhecimento.  A chamada terceira revolução industrial deslocou o centro de gerenciamento da apropriação da mais valia do trabalho para os núcleos produtores da informação e conhecimento. A maior potência do planeta, os Estados Unidos  da América, tem como das suas principais fontes de riqueza os centros científicos e tecnológicos que propiciam recursos pela venda de patentes, royalties, direitos autorais ,entre outros. Ainda que a produção manufatureira se desloque para outras nações, como a China e os tigres asiáticos, a hegemonia norte-americana se impõe por concentrar o conhecimento científico. Configura-se, assim, uma nova divisão internacional do trabalho, com determinadas nações sendo responsáveis pelo fornecimento da matéria prima (como os países do continente africano e vários da América Latina), outros pela manufatura de bens com maior ou menor valor agregado (China e Brasil disputam neste campo a produção de maior valor agregado, outros países ainda se concentram na produção manufatureira de baixo valor agregado, como a maioria das nações latino-americanas) e os centros hegemônicos, particularmente os Estados Unidos, com o conhecimento científico e tecnológico. Note-se aí que as nações cujas populações são majoritariamente não negras ocupam as posições chave na hegemonia capitalista global. Há, assim, uma zona de conflito e pressão na partição dos recursos entre estes vários centros de poder, a medida que as nações pertencem a um ou outro grupo, tendem a ser prejudicadas nestas partições o que as leva a situações de pressão por maior exploração da mão de obra. Exemplos: a escravização de crianças em países africanos para a extração de minerais usados na produção de telas de cristal líquido de celulares e tablets e a pressão por desregulação do trabalho industrial via a terceirização e precarização no Brasil. Assim, a zona de conflitos está no controle dos centros de produção do conhecimento. É aqui que se disputa e se sinaliza para a construção de projetos mais soberanos ou não de nação. A USP é responsável por 25% da produção de pesquisa no Brasil e 50% do estado de São Paulo. Como o Brasil é responsável por 2% da pesquisa mundial, a USP responde então por 0,5% da pesquisa no mundo. Em outras palavras, é o centro privilegiado para se constituir este poder centrado no conhecimento científico e tecnológico. A democratização desta universidade - que passa por mecanismos que possibilite maior  acesso de negros e negras e também por mecanismos de governança com participação da sociedade civil - significa uma fissura no atual sistema de poder do capitalismo do conhecimento que, globalmente como vimos, privilegia as populações não negras. Também significa ampliar o projeto político de soberania nacional, adequando ao contexto do capitalismo do conhecimento. Não se trata apenas de proporcionar acesso ao ensino superior aos mais pobres e negras e negros, mas possibilitar que estes passem a intervir nos centros produtores de conhecimento. Este é um debate estratégico que deve ser realizado pelo movimento negro e pela esquerda em geral.