Década do Afrodescendente é uma oportunidade para o movimento negro brasileiro

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O Brasil é signatário de vários tratados internacionais referentes ao combate à discriminação racial. Inclusive dos que foram aprovados na Conferência de combate ao racismo da ONU em Durban, 2001. Naquele momento, o movimento negro brasileiro conseguiu ter uma boa intervenção no evento, participando ativamente das conferências preparatórias a nível nacional e continental. A relatora da conferência inclusive foi uma militante histórica do movimento negro brasileiro, Edna Rolland, hoje secretária de políticas para a mulheres e igualdade racial na cidade de Guarulhos (SP). Fruto daquela conferência, em 2013, a ONU aprovou a Década Internacional do Afrodescendente, de 2015 a 2024. A década é composta por um plano de ações de combate ao racismo, dividido em três grandes vetores - reconhecimento, justiça e desenvolvimento. Os países signatários - que inclui o Brasil - se comprometem com a adoção de medidas que vão ao encontro do plano de ação da ONU. Desde o seu lançamento, o governo brasileiro fez uma série de pronunciamentos oficiais, primeiro com a ex-ministra Luiza Bairros (em 2013) e depois com a atual ministra, Nilma Gomes. Passado um ano, assusta que o movimento social de negros quase nada fez para,  a partir dos diagnósticos da situação dos afrodescendentes brasileiros nas áreas apontadas como prioridades no plano de ação da ONU, cobrar medidas institucionais do Estado brasileiro para corrigir. Por exemplo, um dos itens do Plano de Ação refere-se à representação de negras e negros nos espaços de poder. As eleições de 2014 tiveram como resultado uma REDUÇÃO da presença de negras e negros nos parlamentos. No próprio Poder Executivo federal, a única mulher negra, no início do mandato, era a professora Nilma Gomes, na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Foi mantida no cargo com a fusão das pastas com Mulheres, Direitos Humanos e Juventude. A existência de um ministério para tratar da igualdade racial garantiria uma cota de um(a) negro(a) no ministério. Esta cota virou teto. Como se negras e negros só pudessem gerenciar políticas específicas de combate ao racismo. Não existem negras e negros capazes de gerenciar educação, economia, cultura, assuntos agrários? O movimento negro pouco discutiu uma reforma política que barrasse esta exclusão. Corretamente, apoiou o fim do financiamento empresarial. Levantou a bandeira do financiamento exclusivamente público, embora isto não tenha sido aprovado. Mas a situação exige mais. Por que não defender cotas raciais nas listas partidárias, assim como o movimento de mulheres reivindicou e conseguiu parcialmente, pelo menos? Por que não defender cotas nos recursos advindos do Fundo Partidário para a formação de quadros negros nos partidos por meio das fundações partidárias? Ou, mais ainda, cotas raciais nas direções partidárias? São bandeiras suprapartidárias que vão ao encontro de um problema concreto: a sub-representação institucional do povo negro brasileiro. Este debate faz parte do Plano de Ação da Década do Afrodescendente da ONU,  da qual o Brasil é signatário, o que dá um lastro nesta reivindicação. Assim como vários outros temas que constam no plano. A ONU é um organismo que merece toda a desconfiança. E também não é a solução para tudo. Mas possibilita dar uma visibilidade até internacional para o problema do racismo no Brasil. Para isto, é preciso ir além dos discursos oficiais. E quem pode fazer isto é o movimento negro, desde que se liberte das agendas da "realpolitik" e pense de forma mais estratégica. [caption id="attachment_979" align="aligncenter" width="300"]A então ministra da Seppir, Luiza Bairros, no lançamento da Década do Afrodescendente na ONU em 2014 A então ministra da Seppir, Luiza Bairros, no lançamento da Década do Afrodescendente na ONU em 2014[/caption]