É a sociedade da informação, estúpido!

Os protestos contra a presidenta Dilma foram produto de uma apropriação das tecnologias por parte da direita. A esquerda precisa se preparar para entrar nesta disputa.

Escrito en BLOGS el
Durante todo o dia, os telejornais repercutiram o "panelaço" e as vaias que ocorreram em alguns bairros de classe média e média-alta nas grandes metrópoles brasileiras durante o pronunciamento da presidenta Dilma Roussef em cadeia nacional de rádio e televisão. Estas manifestações foram um prenúncio dos protestos marcados para o próximo dia 15 de março que tem como uma das bandeiras o afastamento da presidenta eleita no ano passado. Não tenho nada a acrescentar a análise lúcida do comentarista esportivo Juca Kfouri na sua coluna no portal UOL (clique aqui para ler). Os protestos vem de uma elite branca acostumada ao privilégio e não ao direito universal que, mesmo sem ter perdido a sua condição, destila seu ódio com a inclusão de negras e negros, pobres, trabalhadoras e trabalhadores com as políticas de inclusão instituídas nos últimos 12 anos. Mas o que chama a atenção é o formato desta mobilização. Ela demonstra uma apropriação eficiente destes grupos conservadores das tecnologias da informação. A consultoria Interagentes apontou, em estudo, que esta mobilização partiu principalmente de dois grupos e que figuras conhecidas foram os principais agentes: o cantor Lobão, o colunista da Globo Ricardo Noblat e o senador goiano Ronaldo Caiado. A mobilização do dia 15 de março está sendo chamada já há dois meses pelas redes sociais, inclusive pelo WhatsApp. No ano passado, durante o período eleitoral, boatos foram espalhados por estas redes, como que Lula era dono da Friboi e da Vigor, que Dilma iria implantar uma ditadura no Brasil ao estilo cubano, entre outros. Estes boatos eram repicados em rodas de conversa (em uma delas, em uma sala de espera de um consultório médico, um grupo de mulheres diziam que não iam mais consumir produtos da marca Vigor por pertencer ao Lula e confessaram que receberam esta informação pelo whatsapp). Muito tem que se discutir sobre o papel das redes sociais. Mas é fato que elas se transformaram em poderoso instrumento de articulação e propaganda, pautando, até mesmo, a grande mídia (boa parte da cobertura do panelaço de ontem foi feito com base em imagens gravadas por pessoas e socializadas nas redes). No ano passado, logo após o primeiro turno e diante de um crescimento vertiginoso da candidatura de Aécio Neves, vários coletivos de ativistas se reuniram para articular uma contra-ofensiva: ela foi realizada em pouco mais de uma semana e redundou num ato político-cultural que mobilizou muita gente, dando início a uma virada na opinião pública que acabou levando Dilma à vitória. Nas eleições municipais de São Paulo, o mesmo ocorreu com movimentos como "existe amor em SP" que tiveram uma ação reativa importante contra um conservadorismo fundamentalista que crescia na cidade. Isto mostra que é necessário que o campo da esquerda discuta estratégias de ação na sociedade da informação em que as grandes narrativas ideológicas perdem força sedutora para a informação minimalista que favorece a simplificação, a mediocrização e a incitaçao ao ódio via as ofensas. É possível fazer isto? As experiências dos coletivos mostra que sim, é preciso olhar com mais atenção a estas experiências. Ficar culpando apenas a mídia hegemônica por tudo é um chororô que não resolve absolutamente nada. Dilemas políticos A situação está acirrada simplesmente porque as margens de negociação entre classes são cada vez menores. A "concertación" petista que buscava tocar um projeto de aliança de classes está praticamente esgotado. Por mais que as elites não tenham perdido nada significativamente - basta ver, como exemplo, o lucro do Bradesco que no ano passado cresceu 25% - o que está "pegando" é a perda de privilégios. Dividir o espaço do aeroporto, da universidade, do shopping center com pobres, negros e negras, povo da periferia é o fim. A cordialidade brasileira vai até o momento em que cada um fica no seu devido lugar. A irritação e cegueira de parte da classe média brasileira não permite que ela veja que se os impostos que ela paga são altos se deve não ao Bolsa Família, mas a elisão e sonegação fiscal de grandes empresários que representa mais de dez vezes os gastos com o programa de transferência de renda. Mas como essa classe média tem esta grande burguesia como projeção, culpa justamente aqueles que consomem a menor parte dos impostos. E a busca aristocrática por distinção a faz ter ódio visceral a políticas públicas que poderiam aliviar os seus gastos com educação e saúde, por exemplo. O grande problema é que há uma grande massa de jovens da periferia, recém incluídos, que desejam um discurso que aponte uma perspectiva para além da inclusão social. Boa parte destes jovens da periferia, muitos negras e negros inclusive, são seduzidos por este discurso conservador pois, na ausência de outras perspectivas, são também seduzidos por esta narrativa da classe média conservadora. Este é outro desafio para a esquerda.