Há 25 anos atrás, era fundada uma grande entidade negra em São Paulo

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legdef Em 24 de fevereiro de 1990, pouco mais de 100 pessoas lotaram o auditório do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema) para a assembléia geral de fundação da União de Negros pela Igualdade de São Paulo (Unegro/SP), uma entidade que tinha sido fundada em Salvador (BA) dois anos antes (em 14 de julho de 1988). Por iniciativa dos dirigentes da Unegro da Bahia, Léo Ornellas, Valdir Estrela e Marcelo Gentil junto com militantes de São Paulo, Dennis de Oliveira, Juarez Tadeu e Benedito Cintra, foi decidido montar a entidade na capital paulista. Apesar da sua fundação "oficial" ter ocorrido nesta data, ela já funcionava como um coletivo de ativistas desde 1989, da qual participavam, além dos três citados acima, Conceição Assis Bueno e Vera Xavier (responsáveis pela elaboração da área de mulheres negras e que participaram ativamente da construção do Fórum de Mulheres Negras de São Paulo), Edson Roberto de Jesus e Lúcia Ágata, que desempenharam papel importante na luta pela implementação do Estatuto da Criança e Adolescente e dos conselhos tutelares, Luiz Carlos Felipe, diretor do Sintaema, responsável pela área sindical e que teve papel importante na implantação do debate racial no movimento sindical. Outros que também participaram deste "núcleo fundador": Edson Arruda, Cinélia Durval, Marlene, Solange da Silva, Luiz Mendes, Neusa Maria da Silva, Geraldo Potiguar Nascimento, Sandra Guilherme. Um grupo de nove militantes deste núcleo formou a primeira delegação da Unegro/SP que participou do VI Encontro Sul/Sudeste de Entidades Negras realizado em Vitória (ES) quando a entidade apresentou a sua tese intitulada "Extermínio da população negra e pobre no Brasil" como projeto do capitalismo na sua fase neoliberal. O momento político era difícil. Um ano antes, a derrota da candidatura da Frente Brasil Popular (PT/PSB/PC do B) com Lula e Bisol e a vitória de Collor significou a adesão do Brasil ao modelo neoliberal. O núcleo fundador da Unegro/SP identificou corretamente que o neoliberalismo no Brasil significaria a intensificação da violência racial. A Unegro/SP denunciou nos vários fóruns que participou o documento que teve acesso da Escola Superior de Guerra intitulado "Estrutura do Poder Nacional no Brasil: 1990/2000 - Uma década vital para um Brasil moderno e democrático" em que esta política de extermínio era explicitada (clique aqui para ler sobre este assunto). Os vetores do extermínio, segundo a entidade, eram o extermínio de crianças e adolescentes de rua, a violência policial e a esterilização indiscriminada de mulheres negras patrocinada por instituições norte-americanas. Articulando com a idéia que esta era a "solução" imposta pelo neoliberalismo, a Unegro/SP defendia a palavra de ordem "rebele-se contra o racismo, o capitalismo e o neoliberalismo". Este lema passa a ser, na sequência, de toda a entidade em nível nacional que chega a defender, no seu III Seminário Nacional, realizado em 1998, na cidade de Vassouras (RJ), uma sociedade "socialista e multi-racial". Este núcleo fundador da Unegro/SP também teve papel importante na construção do Fórum de Entidades Negras de São Paulo que teve a sua primeira atividade realizada em maio daquele ano em um debate sobre as perspectivas da população negra no cenário internacional, com a minha participação e o saudoso Hamilton Cardoso, com a mediação de Juarez Xavier. A Unegro/SP participou ativamente da construção do I Encontro Nacional de Entidades Negras (I Enen) realizado em novembro de 1991, no Pacaembu, em São Paulo. A participação no encontro era feita por meio de entidades negras que eram obrigadas a realizar assembleias com acompanhamento de representantes de outras entidades ligadas ao Fórum de Entidades.  O número de delegados eleitos pela Unegro/SP foi o segundo maior do Brasil, perdendo apenas para a Unegro/BA, pois realizou uma assembléia com 137 pessoas, em outubro, no auditório da Câmara Municipal de São Paulo. Nesta assembléia participaram representantes de três centrais sindicais: CUT, CGT e Força Sindical. No I Enen, a Unegro/SP teve atuação destacada e dali foi construída a Conen (Coordenação Nacional das Entidades Negras), articulação que teve a participação da Unegro/SP. Com um grande número de militantes formados e atuando na área pública, como as assistentes sociais formadas pela PUC/SP, Lúcia Ágata, Luciene Cerqueira e Conceição Bueno e a enfermeira Vera Xavier, uma das discussões mais importantes que pautou aquele núcleo fundador foi a concepção de políticas públicas. O Banco Mundial lançava seguidamente informes anuais demonstrando a preocupação com o aumento da miserabilidade no mundo e pregava políticas focalizadas e emergenciais, em geral tocadas por Organizações Não Governamentais. Com isto, aumentava o fluxo de recursos destinados a financiar projetos de ONGs, em especial voltados a mulheres negras. Isto, indiretamente, se vinculava a concepção de "Estado mínimo" neoliberal, forçava discursos "antipartidos" no seio do próprio movimento em defesa de uma pretensa "autonomia" do movimento. Com a esquerda na defensiva, a Unegro/SP procurava contaminar o debate racial junto aos movimentos sociais e populares: atuou na construção das comissões de combate ao racismo nos sindicatos, nas entidades estudantis e de juventude e no movimento popular. A esmagadora maioria dos militantes da Unegro/SP era composta por lideranças de movimentos sociais. E os novos militantes que chegavam eram estimulados a ingressar nos movimentos das suas áreas. Duas militantes recém chegadas à Unegro/SP, Ione e Viviane Maria, declararam a um jornal do Conselho da Comunidade Negra que a militância na Unegro/SP as deu "orgulho de serem negras" e passaram a atuar com afinco no movimento de moradia na zona norte de São Paulo. A entidade se organizava por núcleos de base, destacando-se os núcleos do Parque Santa Madalena (zona leste) e da Vila Nova Cachoeirinha (zona norte). Mais tarde, por iniciativa de dois militantes que faleceram precocemente, Luiz Carlos Felipe e Rosângela Ferreira, foi organizado o núcleo no bairro do Jardim Brasil (zona norte) com atividades junto ao bloco Afro de Nagô. Houve tentativas de organização de núcleos na zona sul, mas não foram consolidadas. Do ponto de vista institucional, a Unegro/SP teve papel importante na implantação da discussão sobre direitos humanos na Assembléia Legislativa, com as denúncias da violência policial nas periferias. O então deputado estadual Jamil Murad (PC do B) propôs uma CPI na Alesp para investigar esta denúncia. Mas o grande legado institucional foi o mandato do vereador Vital Nolasco, eleito como suplente em 1988 e depois em 1992. O gabinete do vereador foi uma das maiores referências parlamentares para o movimento negro, graças em boa parte a assessoria que contou com a presença de Solange Silva e, depois, Juarez Xavier. O lançamento da Marcha Zumbi de 1995 ocorreu no gabinete, assim como o I Congresso Continental dos Povos Negros nas Américas, realizado em novembro daquele ano no Memorial da América Latina, a visita de Nelson Mandela à São Paulo em 1991 (que recebeu o título de cidadão paulistano), os títulos de cidadãs paulistanas conferidas as primeiras senadoras negras eleitas, Benedita da Silva e Marina Silva (ambas pelo PT), o lançamento da Campanha Reaja à Violência Racial com o MNU, a organização da Associação de Ogãs e Ekedes, o lançamento da Campanha pelas Reparações (liderada pelo jornalista Fernando Conceição), a instituição de uma comissão de estudos sobre as desigualdades raciais no mercado de trabalho de São Paulo, com a participação de técnicos do Dieese e da Fundação Seade, e a apresentação de dados da arrecadação do município que demonstrava que quase 60% dos recursos do município vinham da periferia que, em contrapartida, sofria com a precariedade dos serviços públicos. O mandato do vereador também foi importante para a aprovação da lei que regulamentava os conselhos tutelares da criança e adolescente na cidade de São Paulo. Com justiça, a experiência do mandato do vereador Vital Nolasco é considerada, pela maioria dos militantes do movimento negro, como uma das maiores experiências de mandato anti-racista em São Paulo. E nisto os militantes da Unegro que trabalharam no gabinete e que deram sustentação, tiveram papel fundamental. De qualquer forma, a Unegro/SP tinha como um dos pressupostos que a sua prioridade era a atuação no movimento social e não na dimensão institucional. Por isto, vigorava naquele período a norma que os ocupantes de cargos institucionais eram obrigados a se afastarem de cargos de direção da entidade para que esta mantivesse a sua independência. Isto se devia a uma leitura política que a Unegro/SP tinha que a luta contra o racismo se desenvolvia por fora das estruturas do governo e também das ONGs financiadas pelas fundações internacionais. Esta postura trazia problemas de auto-sustentação permanentes para a entidade. Os militantes de então, todos trabalhadores e que militavam de forma voluntária nas suas horas de folga, batalhavam tenazmente para manter a entidade que conseguiu sua primeira sede no bairro de Artur Alvim, em 1998 e depois, no centro da cidade. Porém, a ausência de recursos limitava as ações da entidade. Aproveitando os contatos feitos com um dirigente da Fundação Palmares, do Ministério da Cultura, a Unegro/SP se envereda em um convênio com o governo federal para realizar um projeto de pesquisa sobre religiões de matriz africana. Na sequência, é contemplada com um financiamento da Inter American Foundation (IAF) para realizar um projeto sócio-educativo para crianças e jovens no bairro do Jardim Brasil. Por inexperiência, os dois projetos foram mal gerenciados, geraram dívidas enormes e processos judiciais que estouraram no colo de uma única pessoa no início dos anos 2000. Juridicamente, a entidade ficou totalmente irregular e inadimplente, com o patrimônio dilapidado. De qualquer forma, a experiência dos anos 1990 foi um marco na tentativa de construir uma organização negra revolucionária. Os participantes daquela experiência são pessoas, na sua maioria, reconhecidas pela sua história. Esta experiência rendeu, inclusive, uma dissertação de mestrado defendida na Unicamp (clique aqui para ler). Algumas pessoas que participaram desta experiência: Juarez Xavier - foi a principal liderança da Unegro/SP nos seus momentos iniciais, o seu primeiro coordenador geral. Jornalista, doutor pelo Prolam/USP sob orientação do Prof. Kabengele Munanga, atualmente é professor da Unesp/Bauru onde coordena um núcleo de pesquisa sobre economia criativa das culturas de matriz africana e populares. Conceição Bueno - foi a primeira dirigente da comissão de mulheres da Unegro/SP. Assistente social, atualmente atua no Sindicato dos Previdenciários de São Paulo. Rita Bueno - foi tesoureira da primeira diretoria da Unegro/SP, atualmente atua no Sindicato dos Previdenciários de São Paulo. Foi militante do PT até 2004, depois se desfiliou e atua junto com o PSOL. Vera Xavier - Também ajudou a construir a comissão de mulheres. Enfermeira, mudou-se para Florianópolis (SC). A última notícia que tive é que atua no Sindicato dos Previdenciários. Sandra Maria Guilherme - foi uma das grandes dirigentes da área de mulheres, a primeira coordenadora oficial. Funcionária do Tribunal de Justiça, ajudou na construção do núcleo de Vila Nova Cachoerinha. Fátima Oliveira - médica, importante liderança do movimento de mulheres negras, durante a sua estada em São Paulo como pesquisadora do Cebrap, teve papel importante na formação política da comissão de mulheres negras da Unegro/SP. Edson Roberto Jesus - sociólogo, teve papel destacado na inserção da Unegro/SP no movimento em defesa do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) e a formação dos conselhos tutelares e de direitos da criança e adolescente. Fez o mestrado sobre o samba paulista e foi um dos principais idealizadores do Projeto Rua do Samba que vigora até hoje. Atualmente é professor universitário. Lúcia Ágata - Junto com Edson Roberto, participou do movimento em defesa do ECA. Assistente social formada pela PUC/SP, desenvolve trabalho na área de habitação popular. Luiz Antonio Mendes - participou de um dos mais importantes núcleos da Unegro/SP dos anos 1990, o do Parque Santa Madalena, atua no Sindicato dos Trablhadores em Editoras. Geraldo Nascimento - militante experiente, fundador do MNU, ajudou na construção do núcleo da Vila Nova Cachoeirinha organizando o projeto "Rap na Praça", atualmente participa do grupo de escritores negros Quilomboje e é membro do Coletivo Quilombação. Esther Silva - militante do movimento popular, assistente social, atuou no movimento de mulheres. Atualmente atua na área de atendimento a mulheres vítimas de violência. Luiz Carlos Felipe - um dos mais ativos dirigentes da Unegro/SP na área sindical, faleceu tragicamente no final dos anos 1990. Eu, que participei orgulhosamente desta experiência, atualmente estou empenhado na discussão do racismo no ambiente acadêmico, como professor da USP, e também na organização de uma nova entidade, o Coletivo Quilombação, cujos princípios em muito se baseiam nesta experiência da Unegro/SP dos anos 1990. Em 2000, na preparação da Conferência Mundial de Combate ao Racismo, fui responsável pela elaboração de um curso de formação de militantes da entidade. O conteúdo foi publicado em livro que pode ser acessado aqui. Links para Boletins da Unegro digitalizados pelo Centro de Pesquisas Vergueiro (CPV) Boletim da Unegro de Janeiro de 1994 Boletim da Unegro de agosto de 1993 Boletim da Unegro de maio de 1993 Boletim da Unegro de maio de 1993 (2) Boletim Legítima Defesa de Julho de 1998