O jornalismo padrão globo de Bonner e o “amassa-barro” de Ana Paula Padrão

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Pela janela do quarto, Pela janela do carro Pela tela, pela janela Quem é ela? Quem é ela? Eu vejo tudo enquadrado Remoto controle... (Esquadros, Adriana Calcanhoto) Do dia 17 a 19 de janeiro, o Jornal da Record exibiu uma reportagem especial intitulada “Vizinhos do Crime”. Nela, a jornalista Ana Paula Padrão e sua equipe demonstram as condições de vida dos jovens moradores da Vila Gilda, conjunto de moradias precárias – palafitas, na maioria – em uma região de manguezal em Santos. A reportagem foi exibida em três partes e mostrou desde o mundo do crime se apresentando como alternativa para os jovens – e o preço a ser pago por isto que é a perspectiva curta de vida (e os que se enveredam por isto demonstram, na reportagem, terem plena consciência disto) – e as tentativas quixotescas de alguns membros da comunidade de apresentar outras alternativas como o MC Careca, na arte, e o futebol (clique aqui para ver). Curioso que o futebol está na alma dos jovens daquele bairro porém em perspectivas diferentes: um menino de 13 anos joga no infantil do Santos F.C e contou sua ida à Espanha para representar o alvinegro praiano em uma competição internacional e a camisa deste mesmo Santos FC aparece no rosto dos meninos do tráfico para esconder sua identidade. O que chama a atenção nesta reportagem é a ousadia de Ana Paula Padrão de sair da assepsia do estúdio do telejornal que apresenta e ir para a rua, “amassar barro” literalmente. Lembrei-me de uma ocasião em que alunos de jornalismo da Universidade Metodista de Piracicaba, onde lecionei durante 17 anos, foram visitar os estúdios do SBT onde a jornalista Ana Paula Padrão apresentava um telejornal. Certo momento, um aluno perguntou sobre a questão da “importância da boa aparência para apresentar jornal de televisão”. Ana Paula Padrão ficou furiosa, respondeu “boa aparência o c...; eu fui repórter durante muito tempo, perdi feriados, Natal, passei por inúmeras situações para ser reconhecida profissionalmente” foi mais ou menos as palavras dela, indignada. Lembro-me agora do William Bonner, do Jornal Nacional da Globo. A sua saída dos assépticos estúdios da Globo acontece dentro de um outro ambiente confortável, seguro e asséptico: o tal avião do JN, o aerobonner. É possível fazer uma analogia aos ecoturistas chiques estrangeiros que visitam a Amazônia dentro de seguros carros e cercado de seguranças das agências, podendo ver das janelas a paisagem “exótica” de plantas, animais e seres humanos estranhos. Uma das tentativas da Globo de ir para o mundo real deu em tragédia, a morte de Tim Lopes que, tragicamente, percebeu que o poder da rede do plim-plim não significa nada nas relações do tráfico nos morros do Rio de Janeiro (por isto a indignação da Globo com a morte do seu repórter que equivale ao sentimento de revolta de policiais quando um colega seu é morto – o poder não admite que suas fragilidades sejam expostas publicamente). O JN sintetiza este tipo de “jornalismo” que olha através do seu bunker, onde a arrogância e prepotência de quem se julga o único construtor legítimo das agendas públicas pode ser exercida plenamente. O subalterno vira coitado, vítima e só aparece na tela como estatística ou, no limite da sua subjetividade, para dar tons emotivos com seus choros nas tragédias. Independente de qualquer coisa, Ana Paula Padrão deu uma lição de jornalismo. Principalmente porque este tipo de matéria incomoda.