O racismo na Unesp e a responsabilidade coletiva pelo combate ao autoritarismo

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Na segunda feira, dia 27 de junho, estava assistindo ao programa do Marcelo Tas. Discussão: se a liberdade de expressão deve ser "sem restrições" ou não. E Tas cravou: " não pode haver restrições". Mesmo ante os argumentos, tímidos até, de uns convidados seus que lembraram sobre se está liberdade irrestrita não poderia possibilitar, por exemplo, o racismo e a homofobia. Na terça feira, abro o jornal e me deparo com o absurdo caso de racismo contra negras e negros da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), campus da cidade de Bauru. Pichação nos banheiros da instituição escreviam "negros fedem" e "Juarez macaco" (ataque ao prof. Juarez Tadeu, coordenador do nucleo de pesquisa e extensão sobre relações étnicas na universidade e antigo militante do movimento negro). Foi mais um episódio de manifestação de racismo e intolerância que vem crescendo nos últimos tempos nas redes sociais e, pasmem, nas universidades, instituições que deveriam ter como pressupostos a defesa da diversidade e do diálogo. Um livro de Tdzevan Todorov, que acabei de ler recentemente, intitulado "Inimigos íntimos da democracia" alerta que as narrativas autoritárias contemporâneas brotam das entranhas da própria sociedade democrática. No Brasil, por exemplo, depois de uma árdua luta pelo fim da dilatadora e pela garantia das liberdades, entre as quais se inclui a liberdade de expressão, o discurso autoritário apropria-se da tal liberdade de expressão para disseminar a intolerância e o ódio. Em outras palavras, um ataque à democracia. Em um debate que participei recentemente no qual este tema da liberdade de expressão foi tocado, afirmei que em uma democracia, "nenhum direito pode ser absoluto". Nem o mais elementar de todos eles, o direito à vida, é absoluto, pois existe o instrumento da "legítima defesa" (se você matar uma pessoa como último recurso para garantir a sua). Tudo isso decorre por um deslocamento das perspectivas societárias de uma dimensão coletiva para a individual. O indivíduo virou o centro de tudo. Bem estar deixou de ser uma bandeira coletiva (Estados de bem estar social) para se transformar em uma conquista individual (o programa da TV Globo "Bem Estar" ensina como). Mas quem é este indivíduo? É aquele formado pelas relações sociais que estabelece com outro e aí, no tocante às relações etnicorraciais, o arquétipo do ser branco se constrói pela subjugação do ser negro, como o arquétipo do homem se faz pela subjugação da mulher. A Unesp, local do caso mais recente de manifestação explícita do racismo, implantou recentemente cotas raciais. O curso de Comunicação Social tem na sua direção um professor negro que assume a coordenação do núcleo de projetos voltados a discussão das relações raciais. Vai aparecer, logo, algum "expertinho" dizendo que cotas acirram ainda mais o racismo. Isto me faz lembrar o conceito de "tolerância opressiva" de Darcy Ribeiro para definir as relações raciais no Brasil: tolerar o outro desde que este outro ocupe o seu "devido lugar". A tolerância opressiva, que define lugares de brancos e de negros, legitima comportamentos como este que se viu na Unesp. Mas também legitima o genocídio da juventude negra por parte das forças de segurança. E também a diferença salarial entre trabalhadores brancos e negros e negras. E a sexualização radicalizada da mulher negra. Lutar contra o racismo não passa apenas pela culpabilização ou vitimização como os detratores da luta antirracista costumam dizer ("eu não sou culpado" e "vocês sempre querem ser vítimas"). Mas trata-se da responsabilização coletiva, como fala Hannah Arendt. É responsabilidade coletiva consolidar a democracia, combater o autoritarismo, é responsabilidade coletiva, portanto, combater o racismo. Razão pela qual espera-se que os órgãos dirigentes da Unesp apurem e punam os responsáveis por este crime, bem como as autoridades judiciais. Tudo em nome da democracia.   A turma negra da Unesp ousou sair do lugar determinado e o racismo saiu do armário e foi para as paredes do banheiro, Enfim, voltando para a discussão anterior: em uma sociedade em que os indivíduos são formados nesta perspectiva de relações de subjugação como é o caso do Brasil, a democracia não se consolida a partir das liberdades individuais e sim da repactuação coletiva.