Os "cérebros de toucinhos" que querem governar o país

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Na obra clássica “18 Brumário”, Karl Marx afirma que os grandes fatos históricos se repetem, primeiro como tragédia e segundo como farsa. E que os seres humanos fazem a história, porém não como a querem e sim dentro de circunstâncias que não escolhem. Esta análise de conjuntura do século XIX na França é bem aplicável ao Brasil de hoje. Os governos Lula-Dilma efetivamente atuaram para modernizar o capitalismo brasileiro. Abriram novas fronteiras para expansão de mercados pela diplomacia que priorizou o diálogo Sul/Sul, ampliou o leque de políticas públicas para fortalecer o mercado interno. Dilma atuou na construção de uma nova matriz econômica, reduzindo juros, desonerando tributos de certos setores industriais e atuando para a redução das contas de energia. Sem contar nos financiamentos privilegiados feitos pelo BNDES Objetivo: com estas desonerações, o grande capital nacional protagonizaria um ciclo de investimentos e desenvolvimento econômico.  Daria conta das demandas crescentes de um mercado interno em expansão e os novos mercados externos sendo abertos. O que deu errado? Este grande capital não protagonizou este desenvolvimento. Os recursos auferidos em parte foram direcionados para o capital rentista. O mercado externo sofreu choques por conta da crise econômica mundial. Os países centrais do capitalismo passaram a pressionar os países latino-americanos, em especial o Brasil, para serem escoadouros das suas empresas com dificuldades nos respectivos mercados internos por conta da crise. Enfim, diversos atores atuaram contrariamente ao script desenhado pelo projeto Lula/Dilma. Por isto que o Paulo Skaf, da Fiesp, que em 2012 foi a televisão defender abertamente a presidenta Dilma, hoje é um dos seus mais ferrenhos opositores. E também é por esta razão que o golpe começou a ser conspirado dentro da própria base de apoio do governo, a começar pelo seu vice-presidente. Marx fala em certa passagem do 18 Brumário: Durante as jornadas de junho todas as classes e partidos se haviam congregado no partido da ordem, contra a classe proletária, considerada como o partido da anarquia, do socialismo, do comunismo. Tinham "salvo" a sociedade dos "inimigos da sociedade". Tinham dado como senhas a seu exército as palavras de ordem da velha sociedade - "propriedade, família, religião, ordem”. Dá para ver alguma semelhança com os deputados que votaram a favor do impeachment “em nome de Deus, da família, etc”? E a histeria anticomunista, antisocialista, anti-esquerda, anti- vermelha? Palavras de ordem de tempos passados, como a “Marcha com Deus pela Família e a Liberdade” antes do golpe militar de 1964, ou a sinistra TFP (Tradição, Família e Propriedade) descendente direta dos facistas da Ação Integralista Brasileira nos anos 1930/40. E sintetizado na referência feita ao torturador Brilhante Ulstra pelo deputado Jair Bolsonaro na votação de domingo. Para a população negra brasileira, um retrocesso político deste naipe tem impactos profundos. Porque retorno a velhas referências não significa apenas retrocessos no campo das liberdades democráticas. As referências velhas que ainda não foram totalmente superadas são também de cunho racial. Implicam em cristalizar hierarquias sócio-raciais construídas desde os períodos da escravização de africanos. Nunca é demais lembrar que os privilégios das elites foram construídos a base da super-exploração do trabalho de negras e negros. O racismo é elemento fundamental para a acumulação de riquezas neste tipo de sociedade. Esta é a farsa desta versão “pós-moderna” do golpe em curso, protagonizado pelos “cérebros de toucinhos” (como Marx definia Luis Bonaparte) Temer e Cunha. E, porque não dizer, também uma tragédia.