Quando a fala vem de um estrangeiro, a credibilidade aumenta

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Há pouco mais de um ano, publiquei um artigo (reproduzido em vários sites, entre eles o Observatório da Imprensa) que comentava sobre o "mal estar da grande mídia" em função do acordo obtido pelo governo brasileiro e turco com o Irã a respeito do contencioso sobre a questão nuclear. As grandes potências bombardearam o acordo e a mídia hegemônica repercutiu amplamente isto, como se a política externa brasileira devesse buscar credibilidade apenas e tão somente nestas "grandes potências" que hoje se debatem em como sair de uma crise econômica que se arrasta sem fim. A ideia de que foi uma "perda de tempo" e que a ação foi "ingênua" dominou os noticiários e as análises. Lembro que os comentários que recebi, principalmente após os EUA rejeitarem o acordo feito, foram de que o meu "otimismo petista" deu com os burros n'água, como se o meu referencial de análise se limitasse ao que o governo dos EUA pensa. Hoje (17/11/2011), na Folha de S. Paulo, Trita Parsi, do Conselho Iraniano-Americano, afirma que a política de sanções adotada pelos EUA é inócua e que defende que o presidente estadunidense Obama "siga o caminho do Brasil e da Turquia". Trita Parsi fugiu do Irã há quatro anos e está estabelecido nos EUA. Portanto, é um conhecedor da realidade iraniana, sem ser um simpático ao regime, e demonstrou, na entrevista, que tem um objetivo muito claro: impedir que o Irã produza a bomba atômica - como foi o caso do Brasil e da Turquia naquele acordo. O fato da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) apontar que o programa iraniano continua e avança, demonstrou que a política de sanções no objetivo que diz se propor fracassou. Na entrevista, a repórter da Folha ainda insistiu com a tese da "ingenuidade" do Brasil neste episódio, mas o especialista retrucou e até questionou os critérios de análise da AIEA. Parece que quando a opinião vem de alguém de fora, principalmente dos EUA, o peso aumenta - caso contrário, seria acusado de "petista". Vejam abaixo alguns trechos. A íntegra da entrevista está em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/9400-eua-tem-de-seguir-brasil-e-falar-com-ira-diz-analista.shtml (para assinantes). EUA têm de seguir Brasil e falar com Irã, diz analista LUCIANA COELHO DE WASHINGTON O alarme soado com o relatório da Agência Internacional de Energia Atômica sobre o Irã na semana passada reviveu o debate sobre frear o programa nuclear do país. Para um dos principais estudiosos da questão, porém, a solução ainda é a negociação. Trita Parsi, que aos quatro anos fugiu do Irã para a Suécia e hoje preside nos Estados Unidos o Conselho Nacional Iraniano-Americano, diz que as sucessivas sanções contra Teerã se mostraram inócuas. Folha - Se sanções não funcionam e uma ação militar é impensável, como atrair o Irã de volta à negociação e convencê-lo a permitir inspeções? Trita Parsi - O Brasil e a Turquia mostraram que dá para conversar com o Irã. É complicado, mas não é tão diferente de nenhuma outra negociação real. As negociações em que os EUA estiveram envolvidos com o Irã até agora foram muito limitadas e sempre com a expectativa de resultados imediatos, o que é totalmente irrealista. Tem muita fratura política e oposição interna hoje. Isso torna impossível negociar. Folha - Muito da pressão nos EUA vem da dúvida sobre quanto tempo há até a bomba-algo que a AIEA não indica. Alguns analistas falam em 2012. Como convencê-los a esperar mais quatro anos? A maioria das pessoas que diz que os iranianos estão a um ano da bomba o faz porque não quer negociações. Na verdade, temos mais tempo e, se uma negociação real começasse, antes da solução, poderíamos ter avanços que atrasassem o programa. Mas é preciso saber que demora. Quando brasileiros e turcos negociaram, buscaram diálogo com todas as facções políticas do governo do Irã, para não correr o risco de uma delas tentar sabotar. Os EUA têm de fazer o mesmo. Folha - Há espaço político? Não há. Mas é o presidente [Obama] que precisa criar. Um de seus principais erros foi nunca investir capital político nisso. Sempre tentou negociar dentro do espaço que já existia, muito limitado. Folha - Apesar do resultado que o Brasil e a Turquia obtiveram, nos EUA eles foram acusados de ingenuidade. Hoje ainda pesaria o fato de o relatório da AIEA indicar que o Irã quer de fato a bomba... Não, acho que o relatório indica que eles querem ter a capacidade de construção, algo que todos já sabiam. Folha - Mas o Irã nunca admitiu. É, mas eu não sei se isso muda as coisas, porque há cerca de 40 países no mundo com essa capacidade, inclusive o Brasil. O problema é que não há uma definição consensual do que seja essa capacidade, e a maioria cabe no Tratado de Não Proliferação Nuclear. Os iranianos tiram vantagem disso.