Sobre a crise, corrupção e a "luta de classes" fora da moda

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Passei estes últimos dias no interior de Minas Gerais, a serviço. E nas rodas de conversa nos botecos, no ônibus, nas ruas, vira e mexe cai no assunto política. E o descontentamento é grande. Nem falo de pessoas de classe média, mas de trabalhadores  - motoristas, faxineiros, atendentes de escola. Aliás, este é um bom exercício para ver o humor do povo: observar as conversas do cotidiano. As reclamações vão desde os aumentos dos preços na gasolina, nos transportes e na energia elétrica, passa pelo problema da falta de água e caminha para uma pretensa crise que "vai piorar no futuro". E as reclamações são de que os "políticos são todos corruptos", só pensam neles mesmos, roubaram o dinheiro da Petrobrás e por aí vai. Vê-se por aí como a agenda bombardeada pela mídia está pautando os debates e a percepção do público, principalmente quanto a questão de um "futuro" sombrio. A maioria que dizia isto sustentava sua posição com a afirmação: "estão dizendo por aí que as coisas vão piorar". Uma das pessoas que reclamava da corrupção dos "políticos" disse que achava errado que a Polícia Federal prendesse executivos de empresas envolvidas. "O empresário não tem culpa, ele é obrigado a pagar as caixinhas que os políticos cobram". Esta mesma pessoa, um trabalhador, justificava o fato de uma estrada que andamos ainda não estar duplicada (mas já pedagiada) porque era preciso esperar que a empresa concessionária arrecadasse recursos com o pedágio. A cobertura da mídia deste escândalo da Petrobrás segue um viés ideológico muito sofisticado. Apesar da Operação Lava Jato pela primeira vez atingir também os corruptores - fato inédito em um país que admite ser racista mas ninguém aceita ter o seu comportamento classificado como racista e que empresários bradam contra a corrupção mas não aceitam ser julgados como corruptores - a lógica da cobertura midiática segue a velha ladainha de imputar um comportamento imoral do PT e do seu governo, não hesitando em angular acusações feitas por réus confessos em delações premiadas como se fossem verdades absolutas ou merecendo manchetes. Seletivamente, a mídia hegemônica tenta associar os esquemas de desvios de recursos proporcionados pelas empreiteiras como caixa dois da campanha do PT, mas não dos demais partidos. E foge ainda mais da discussão de fundo que é o questionamento do sistema eleitoral, embora haja uma movimentação significativa pela reforma política e pela proibição das doações privadas para campanhas, medida que está parada no Supremo Tribunal Federal, por conta do pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes. Mas o que quero destacar aqui é que se trata de uma leitura ideológica da mídia e não necessariamente uma "campanha antipetista" embora esta também esteja presente. Por que ideológica? Porque há uma nítida necessidade de se desqualificar a política como espaço de debate de idéias, de projetos. A desqualificação da política foi que possibilitou que um parlamentar com as práticas mais condenáveis fosse eleito presidente da Câmara - com apoio da maioria da mídia hegemônica. É a desqualificação da política que leva a mídia hegemônica a ignorar debates como o da reforma política, da reforma tributária, da reforma agrária, do combate ao genocídio da juventude negra e outros realizados fora dos espaços institucionais. Mas quero ressaltar o aspecto ideológico para apontar também que esta batalha está sendo perdida não só por conta da ação da mídia hegemônica e seus apoiadores, mas também pelo recuo ideológico de parte significativa da esquerda. Um trabalhador defendendo empresário é sinal de que o discurso classista está sendo derrotado. Digo mais que derrotado - ele tem sumido. Classe trabalhadora e trabalhadores estão presentes em manifestos e nome de partidos (como o PT) mas sumiram dos discursos em campanhas e institucionais da esquerda, sendo trocados por outros mais "gelatinosos": cidadãos, pobres, excluídos,"povo". Nada contra estes conceitos mas até que ponto ao se focar a análise nestas categorias, perdeu-se a dimensão da luta de classes, da crítica ao capitalismo e, por tabela, da necessidade de mudanças estruturais na sociedade? Retirando esta perspectiva, cai-se facilmente em uma briga moral - quem é o "bonzinho"e quem é o "malzinho" e a banalização do noticiário moralista leva rapidamente ao nilismo de que "nada presta", "todos são iguais", "não adianta fazer nada". Este discurso interessa aos reais detentores do poder - o capital. Por isto que a mídia hegemônica aposta neste discurso. Ele possibilita a manutenção do poder do capital independente dos eventuais ocupantes do governo. Observa-se isto também na luta contra o racismo. Ocuparam-se os espaços institucionais, desenvolveram-se políticas públicas, buscam-se mais espaços. Os ganhos são evidentes mas a estrutura racista continua imperando cotidianamente e se manifesta de forma cada vez mais cruel. Atônitos(nós) buscamos propostas institucionais que sejam mais "eficazes". E o debate ideológico no movimento negro reflui, perdendo a dimensão classista que vinha se fortalecendo desde os anos 1980 - embora tenha crescido, se enraizado em alguns lugares, esta perspectiva classista refluiu. São coisas para pensar para além de denunciarmos as campanhas da mídia hegemônica - até porque não se espera outro comportamento delas. Pois se trata de uma questão de luta de classes.