Conto: As leis de mercado

Faço uma espécie de pausa nas minhas considerações políticas sobre a realidade brasileira e peço licença aos leitores para publicar um pequeno conto do meu livro. "Miltão, o Milton Toledo Soares de Guimarães Neto, tinha o nome e a conta bancária bem extensos. Fato que jamais o preocupara, como é natural. O que de fato preocupava Miltão era o seu baixo desempenho sexual."

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por Izaías Almada Enquanto o mundo ainda se divide em tentativas de salvar os bandidos que criaram a crise econômica de 2008 ou em condená-los em seus respectivos países até mesmo à prisão (grupo no qual me incluo, para deixar claro), faço uma espécie de pausa nas minhas considerações políticas sobre a realidade brasileira, agora sob nova direção, e peço licença aos leitores para publicar um pequeno conto do meu livro O VIDENTE DA RUA 46. O livro, de 2001, não deixa de ser premonitório sobre os costumes dessa classe de marginais do colarinho branco. Aí vai: “Miltão, o Milton Toledo Soares de Guimarães Neto, tinha o nome e a conta bancária bem extensos. Fato que jamais o preocupara, como é natural. Desde cedo conviveu com a fartura e o conforto de uma família que sabia administrar os bens que vinham passando de pais para filhos, todos trabalhadores e conscientes do patrimônio a zelar. O que de fato preocupava Miltão era o seu baixo desempenho sexual. O seu único casamento, aliás, terminara na cama. Ou melhor, na falta dela. Ali, entre lençóis de linho e seda, entre carícias e exóticos produtos importados, jamais se fizera sobressair como no pregão da Bolsa de Valores ou numa transação de cavalos de raça. E amara a sua ex-mulher, de verdade. Não guardava mágoas. Traumatizado, fez tratamentos no Brasil e no exterior. Consultou médicos e psicólogos, ingeriu drogas chinesas, africanas e baianas. Nada. Até que um dia, entre atônito e surpreso, teve uma bela ereção assim que acabou de arrematar um lote de ações da Petrobrás. Acabara de ganhar pouco mais de quinhentos mil dólares. Feliz e um tanto constrangido pela situação, correu para o banheiro e aliviou-se. Cinco sessões de análise não foram suficientes para Miltão esgotar o assunto. Nem a nova namorada, com quem conversava abertamente sobre os seus problemas, mesmos os mais íntimos, foi capaz de perceber sua aflição. Ela, que há meses esperava pelo milagre! Inspirado na reação da Bolsa de Valores, Miltão resolveu que durante o próximo ato sexual deveria ter, espalhados pelo quarto, alguns apelos ao seu novo erotismo, esperando que os tais objetos o motivassem e estimulassem. Do pensamento ao ato. Espalhou-os estrategicamente sobre a mesinha de cabeceira, sobre a estante de mão francesa e até mesmo colados na porta do guarda-roupa: dois talões de cheques, alguns cartões de crédito, gold e platina, as chaves do seu Jaguar, ações ao portador, uma fotografia do seu iate, ícones de inegável poder afrodisíaco para ele. E convidou Amelinha para jantar à luz de velas, com champanha e caviar. De madrugada, lançaram-se os dois na cama. Tudo correu bem até o momento esperado, onde – sem saber porquê – alguma coisa não funcionou. Em desespero, Miltão recorreu aos ícones. E ao pressentir que a derrota ainda assim era iminente, apelou para um último recurso: - “Amelinha, diz quanto você quer para transar comigo...” - “Você ficou louco?” - “Claro que não, é apenas uma fantasia...” - “Fantasia ou não, você está me ofendendo...” Amelinha ameaçou levantar-se, mas agarrado a ela Miltão insistia: - “Diga quanto, Amelinha, eu preciso que você diga, depressa.” - “Cinqüenta mil reais”, respondeu Amelinha num misto de indignação e feminina curiosidade. Hoje em dia, Miltão é um homem feliz. Até as sessões de psicanálise foram postas de lado. Amelinha tem uma invejável conta bancária, uma Mercedes classe A, vários cartões de crédito e um loft em Nova Iorque, cujo quarto é decorado com um papel de parede que amplia as notas de cem dólares. Nesse quarto, em especial, Miltão torna-se um garanhão impossível... Izaías Almada é escritor, dramaturgo, autor – entre outros – do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Boitempo) e “Venezuela povo e Forças Armadas” (Caros Amigos).

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