Bresser enterra Thatcher; Folha tem saudade dela

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Recebo pela internet um belo artigo de Luiz Carlos Bresser Pereira, intitulado "O fim da era Thatcher". Bresser - um economista tucano que pensa por conta própria, e que nunca se rendeu às tolices do "vamos fazer a lição de casa", tão em voga nos anos 80 e 90 - escreve sobre o legado da chamada "Dama de Ferro". Apelido besta esse: foi "Dama de Ferro" para os sindicalistas, especialmente os mineiros, que ela massacrou após uma longa greve. Para os banqueiros foi "Dama de Veludo". Há exatos 30 anos, Thatcher chegava ao poder na Inglaterra, colocando em prática o receituário que depois viria a ser conhecido como neoliberal: desregulamentação dos mercados, ataque aos sindicatos de trabalhadores, privatização... Ali, com Thatcher, tudo começou. Depois, a receita foi seguida por Reagan. E, dos EUA, se espalhou para o mundo inteiro. Yeltsin na Rússia, Pinochet no Chile, Menem na Argentina. Bresser diz que era Thatcher acabou, mas "Folha" parece ter saudade de quando esses aí estavam no comando No Brasil, mesmo durante os anos FHC, resistimos um pouco. Justiça seja feita, havia entre os tucanos uma ala que não se rendia ao liberalismo boboca (e nesta ala estavam Serra, Bresser , Nakano e outros). E havia a CUT, os sindicatos, o PT, os outros partidos de esquerda e os  movimentos sociais a brigar contra o desmonte completo do Estado. Ainda bem: hoje temos Banco do Brasil, Petrobrás, BNDES... Ferramentas fundamentais no combate à crise global. Como repórter, passei anos ouvindo "economistas" e "consultores" dizendo que "o mal do Brasil" era não seguir à risca a receita de Mrs. Thatcher. "Vamos fazer a lição de casa", eles repetiam. "Reformas, menos Estado, mais mercado", bradavam os xaatos do mercadismo. Pois bem, Bresser mostra em seu artigo que "a experiência neoliberal fracasou sob todos os ângulos, (...) a renda concentrou-se em toda parte, a instabilidade econômica aumentou, e agora essa experiência termina de forma inglória, com a crise global". Bresser lembra também a famosa frase de Thatcher: "Não há alternativa". A frase foi repetida como um mantra mundo afora. Ajudou a fomentar a idéia de que não há salvação fora do capitalsmo extremado, e da  desregulamentação total. Foi o fundamentalismo de direita, que imperou mundo afora nos últimos 30 anos. Bresser responde: "tolice, as alternativas existem, mas não são exprimíveis em equações matemáticas coerentes com o que pretendem os economistas neoliberais." No fim, Bresser dá o tiro de misericórdia no neoliberalimso thatcheriano: "não voltará tão cedo". Muito bem. O curioso é que - um dia antes desse artigo ser publcado, na página 2 do caderno de Economia - a "Folha" trouxe, na edição de domingo, três páginas sobre os 30 anos do thatcherismo. E o tom da matéria principal era o oposto do artigo de Bresser. Vejam o título: "Thatcherismo resiste à crise que fomentou". Ok, a "Folha" reconhece que a desregulamentação irresponsável iniciada na Inglaterra está na raiz da crise atual. Mas, a partir daí, passa a ouvir "especialistas" para comprovar uma tese: o thatcherismo era necessário, quase inevitável, e foi benéfico para a economia. Tim Leunig, professor da London School of Economics, por exemplo, afirma à "Folha" que a receita de Thatcher "atraiu novos bancos e empresas financeiras para a praça londrina, e os volumes de negócios aumentaram enormemente". Ok. Menem poderia dizer o mesmo da Argentina na época da paridade. Mas o pior veio no fim da reportagem. "Não se voltará para  o período anterior, Não há perspectiva . A idéia de que o Estado empresário faz sentido acabou", diz Eduardo Gianetti da Fonseca. Falta combinar  com o Obama, falta combinar com o pessoal da Chrysler e dos bancos salvos pelo Estado. Isso nos EUA. A turma do "vamos fazer a lição de casa" está desesperada. Eles enxergavam o mundo com óculos que já não funcionam. Mas os caras seguem repetindo a lenga-lenga de 10, 20 anos atrás. FHC - que tentou surfar na onda neoliberal - anunciou que enterraria a herança de Vargas. Mas Getúlio está vivíssmo. Para desespero dos liberais, da "Folha" e das consultorias que pregavam a privatização total do Brasil! Quem morreu foi o thatcherismo. E já foi tarde. (Leia o artigo completo de Bresser Pereira, sobre "O fim da era Thatcher") O fim da era Thatcher EM 2008 , antes do "outubro negro", escrevi nesta coluna (21/ 4) que a onda neoliberal havia chegado ao fim. Agora, Gideon Rachman ganhou a manchete do "Financial Times" (28/4) afirmando que "terminou a era Thatcher, tudo a que a dama de ferro se opôs está de volta". De fato, o governo de Margaret Thatcher no Reino Unido, eleito em maio de 1979, 18 meses antes de Ronald Reagan nos Estados Unidos, marcou o início da "experiência neoliberal". Durante 30 anos, o mundo copiou suas políticas: "privatização, desregulação, redução de impostos, abolição dos controles de câmbio, assalto ao poder dos sindicatos, a celebração da criação de riqueza em vez da distribuição de riqueza". Engana-se, entretanto, Rachman quanto ao final da sua frase. A criação de riqueza foi antes de riqueza fictícia, não da riqueza real. A experiência neoliberal fracassou sob todos os ângulos: as taxas de crescimento econômico diminuíram, a renda concentrou-se em toda parte, a instabilidade econômica aumentou, e agora essa experiência termina de forma inglória com a crise global. A tese de que as políticas neoliberais tornavam os países mais competitivos, porque ao diminuírem os salários os faria mais dinâmicos, não se confirmou. Os dois grandes países que as adotaram no limite foram a Rússia de Mikhail Gorbatchov e Boris Ieltsin e a Argentina de Carlos Menem. Sabemos quão desastroso foi seu resultado. Quanto mais um país adotou as políticas neoliberais, menos cresceu. A redução dos salários foi alcançada, mas: 1) essa redução causou insuficiência de demanda e obrigou os países a produzirem mais bens de luxo e menos bens de salário para compatibilizar oferta e procura; 2) as políticas neoliberais de desregulamentação salarial minaram a solidariedade social, levando os trabalhadores a perder sua identificação com suas empresas e com seu país; e 3) a liberalização financeira tornou as economias nacionais mais sujeitas a crises, que se multiplicaram em todo o mundo: a desregulação "big bang" do setor financeiro promovida por Thatcher em 1986 está na origem da crise atual. Em 1988, quando escrevi o trabalho "O ciclos da intervenção do Estado" (disponível em meu site), eu previa que a onda neoliberal terminaria dentro de algum tempo, como, naquela década, terminara o ciclo desenvolvimentista e social iniciado em 1930. Embora afirmasse que a tendência geral, porque compatível com a democracia, era a do aumento gradual da regulação estatal e da garantia universal dos direitos sociais, eu afirmava que esse processo não era linear, mas sujeito a ciclos. Confesso, entretanto, que não esperava que o final do neoliberalismo ocorresse tão depressa e de forma tão violenta. Ainda que derrotado, o neoliberalismo não morreu. No final de seu artigo, Rachman duvida que o incentivo ao trabalho pregado pelo neoliberalismo tenha sido destruído pelos bônus recebidos por banqueiros enquanto estes levavam seus bancos à quebra; lembra a célebre frase de Thatcher: "Não há alternativa"; e cobra uma alternativa coerente. Tolice, as alternativas existem, mas não são exprimíveis em equações matemáticas coerentes com o que pretendem os economistas neoliberais. São fruto da experiência e do bom senso combinados com modelos teóricos abertos, como são a teoria keynesiana e a teoria estruturalista do desenvolvimento econômico. O neoliberalismo não voltará tão cedo: sua crise é incomparavelmente mais grave do que a desaceleração econômica que, nos anos 1970, facilitou o assalto neoliberal.