Dilma não pode repetir ajuste fiscal de 2011 sob risco de sabotar retomada da economia

Para atender fortes pressões do mercado e grande mídia para fazer um ajuste fiscal, governo terá que retrair consumo das famílias e investimento públicos.

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Do Brasil de Debate
O governo tem sofrido fortes pressões do mercado e grande mídia para adotar uma postura mais rígida do ponto de vista da política fiscal restritiva e do comprometimento com metas de superávit fiscal. Dado o atual panorama interno de baixo crescimento econômico, isso exigiria uma forte retração no consumo e investimento públicos (já que as arrecadações fiscais do governo central têm comportamento pró-cíclico). Essa postura fiscal foi colocada em prática pelo governo brasileiro entre o final de 2010 e o final de 2011, em conjunto com outras medidas contracionistas. As consequências para o dinamismo econômico foram desastrosas e devem servir de parâmetro para uma condução mais virtuosa e anticíclica da política monetária e fiscal em 2015. Para Serrano & Summa (2013), a desaceleração da economia mundial não é suficiente para explicar o baixo dinamismo da economia brasileira a partir de 2011, dado o peso relativamente pequeno das exportações no PIB brasileiro (apenas 11%). O baixo crescimento da economia parece ter resultado, em alguma medida, de políticas deliberadas internamente. 1. Para os autores, apesar de a economia ter sinalizado em 2010, trimestre após trimestre (taxas de crescimento acumuladas em 12 meses), um claro arrefecimento no ritmo de recuperação em relação à recessão de 2009, o governo tomou medidas claras de contenção da demanda agregada visando ao cumprimento da meta de superávit primário e de inflação. Desde o final de 2010, o governo implementou um forte ajuste fiscal com o objetivo de cumprir a meta cheia (“Pelas normas do PAC/PPI que excluem parte dos investimentos públicos da meta oficial de superávit primário, a meta para 2011 legalmente poderia ter sido de 2,42% e não 3,1%, mas mesmo assim o governo escolheu a meta “cheia””) de superávit primário de 3,1% do PIB para 2011. A meta foi cumprida por meio da redução dos gastos públicos: i) o consumo do governo cresceu apenas 0,4% em 2011 (ante 5,8% na média 2004-2010); ii) investimento da Administração Pública teve queda real de 12% (ante média de crescimento de 14,8% entre 2004-2010); e iii) investimento das empresas estatais caiu 8,6% (ante média positiva de 14% entre 2004-2010). 2. Em fevereiro de 2010, como resposta a uma taxa de inflação acumulada em 12 meses superior ao centro da meta, o governo inicia um longo ciclo de elevação da taxa básica de juros de 7,5% para 13,5% em agosto de 2011. 3. No início de 2011, o governo adota “medidas macroprudenciais” de encarecimento do crédito ao consumidor (Como aumento do depósito compulsório, aumento do capital mínimo requerido para certos tipos de empréstimos, aumento de impostos sobre operações financeiras ligadas ao crédito ao consumidor, aumento do percentual mínimo de pagamento de saldos de cartões de crédito). A taxa de crescimento real do crédito a pessoas físicas desacelerou de 11,6% em 2010 para 5,9% em 2011 (Ainda que não tenha afetado a dinâmica da inflação e contribuído para a elevação da inadimplência). grafico indicadores macroeconomicos Impactos sobre setor privado e crescimento: 1. O consumo das famílias, que depende em grande medida do comportamento da renda agregada, mostrou desaceleração de 6,9%, (2010) para 4,10%, (2011) e 3,1% (2012). 2. O investimento privado em máquinas e equipamentos, que reflete, com certa defasagem, as perspectivas de crescimento da economia, mostrou grande desaceleração: de 30,4% (2010), para 6,0% (2011) e -8,0% (2012). 3. Como resultado das menores taxas de crescimento nos componentes da demanda (consumo das famílias, investimento privado, exportações líquidas e gasto do governo), o crescimento do PIB caiu de 7,5% (2010) para 2,5% (2011) e 0,9% (2012) – taxas significativamente inferiores à média de crescimento de 4,5% entre 2004-2010. Portanto, a forte retração do gasto público em 2011 para cumprir a meta de superávit primário, em um contexto de desaceleração das taxas de crescimento do produto (acumuladas em 12 meses), contribuiu pró-ciclicamente para a desaceleração econômica verificada naquele ano – desaceleração esta que parece ter perdurado ao longo dos últimos anos. O governo brasileiro, visando a estimular o investimento privado e o emprego, tem adotado primordialmente medidas de redução de custos e/ou aumentos nas margens de lucros das empresas (desonerações, incentivos fiscais, redução da taxa de juros e desvalorização cambial). No entanto, maiores margens de lucro não levarão os empresários a investirem mais sem que estes tenham perspectivas de crescimento mais rápido da demanda e, portanto, de realização rentável de seus bens e produtos. Para isso, a prioridade da política econômica, sobretudo em momentos recessivos, deveria ser o de estimular a demanda efetiva, da qual o consumo e investimentos do governo constituem importantes componentes autônomos. Piora fiscal deve-se a queda da arrecadação, não descontrole de gastos Diante da recente divulgação do resultado primário de setembro do governo central, que mostra um déficit de R$ 20,4 bilhões, muito se tem alardeado sobre o suposto descontrole das finanças públicas e a necessidade “imediata” de um ajuste fiscal. Essa nota argumenta que o resultado negativo deve-se à desaceleração na arrecadação de impostos e contribuições e que um ajuste contracionista tenderia a agravar a estagnação econômica sem garantir recomposição do resultado fiscal. De fato, o resultado primário foi negativo pelo quinto mês consecutivo e acumula déficit de R$ 15,7 bilhões de janeiro a setembro, valor distante da meta de R$ 80,8 bilhões em superávit para 2014. No entanto, ao contrário do que indicam alguns analistas, não se pode afirmar que o responsável pelo déficit foi o “crescimento explosivo” dos gastos. O crescimento das despesas do governo central em 2014, comparativamente ao mesmo período de 2013, foi de 13,2%, valor muito próximo à taxa média nos últimos dez anos (14,4%). Como ilustrado no gráfico abaixo, o fator determinante para a deterioração do resultado primário foi a desaceleração da arrecadação de impostos e contribuições, responsáveis por 63% das receitas totais. Entre janeiro e setembro desse ano, o acumulado da receita cresceu 7,2%, ante 8% em 2013 e 12,2% na média dos últimos dez anos. Essa desaceleração está diretamente relacionada ao baixo desempenho da economia brasileira nos últimos três anos. grafico crescimento arrecadação3 Diante desse diagnóstico, qual deveria ser a postura do governo? Promover um ajuste fiscal recessivo, cortando gastos e investimentos públicos? Quando combinado com fraco desempenho do PIB, o ajuste fiscal contracionista tende a aprofundar e a alongar o quadro recessivo (fenômeno apelidado de “austericídio” no tratamento da experiência da zona do euro). Os gastos correntes e investimentos do governo constituem importante fonte de demanda efetiva na economia. Quando eles são reduzidos, o impacto sobre o crescimento econômico tende a ser negativo. No fim, a austeridade fiscal tende a gerar uma armadilha, na qual a redução no crescimento gera menores arrecadações de impostos e contribuições, dificultando ainda mais o cumprimento das metas de superávit primário no período seguinte. - See more at: http://brasildebate.com.br/piora-fiscal-deve-se-a-queda-da-arrecadacao-nao-descontrole-de-gastos/#sthash.Fazoy06w.dpuf