Igor Fuser: Celac depende de governos progressistas

A 2ª Cúpula da Celac, realizada em Havana na semana passada, representa a consolidação de uma inovadora instituição internacional. Leia entrevista com o jornalista Igor Fuser, professor do curso de Relações Internacionais da UFABC.

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Por Igor Felippe, no Escrevinhador

A 2ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), realizada em Havana na semana passada, representa a consolidação de uma inovadora instituição internacional, com a participação de 33 países da região e a presença do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-Moon. Criada em 2010 como alternativa à Organização dos Estados Americanos (OEA), controlada pelos Estados Unidos, a Celac é um fato consumado no jogo da geopolítica e cria um ambiente favorável à integração dos países do continente. Essa é a avaliação do jornalista Igor Fuser, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e doutor em Ciência Política pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (2011). “O futuro da Celac depende, em primeiro lugar, da manutenção dos atuais governos progressistas diante da crise econômica global e das próximas eleições presidenciais e, em segundo lugar, do próprio rumo que esses governos percorrerão no próximo período”, avalia. Abaixo, leia entrevista concedida ao Blog Escrevinhador. Qual a sua avaliação sobre a 2ª cúpula da Celac? A reunião da Celac em Havana deixou um saldo muito positivo, ao consolidar a existência essa inovadora organização internacional. A partir de agora, já não se perguntará mais se a Celac vai "vingar". Ela se tornou um fato consumado. Um sinal disso, além da participação de todos os governos das Américas do Sul e Central, México e Caribe, foi a presença do secretario-geral da ONU, Ban Ki-Moon. O que você destaca na reunião? Dois tópicos importantes que fazem da reunião de Havana um evento vitorioso, do ponto de vista da soberania e do avanço político da região no rumo da justiça social e da efetiva democratização, foram o papel de Cuba como anfitriã, o que marca mais um passo na plena reintegração da ilha socialista ao conjunto dos Estados latino-americanos, e a declaração da América Latina como uma região de paz, contrariando frontalmente a postura estadunidense de militarização do continente. Quais os principais desafios para a consolidação da Celac? A Celac é um fruto direto da existência simultânea de vários governos pós-neoliberais na região, principalmente na América do Sul, mas também na América Central, com a Nicarágua, por exemplo, sem falar na sobrevivência de Cuba revolucionária a todas as tempestades do pós-Guerra Fria. Assim, a própria continuidade dessa nova instituição e, sobretudo, se ela terá um papel político relevante ou ficará como uma simples sigla, dependerá da correlação de forças em âmbito regional e continental. O que isso significa? O futuro da Celac depende, em primeiro lugar, da manutenção dos atuais governos progressistas diante da crise econômica global e das próximas eleições presidenciais e, em segundo lugar, do próprio rumo que esses governos percorrerão no próximo período, avançando em direção a reformas estruturais em favor dos trabalhadores e da soberania nacional, ou, ao contrário, abrindo espaço para o fortalecimento das forças burguesas, conservadoras e pró-imperialistas. Aí reside o principal obstáculo. E o papel dos Estados Unidos... Há que se considerar também a atuação permanente dos Estados Unidos em sabotar a Celac e demais organismos de integração regional do qual o imperialismo se vê excluído, como a Unasul, o Mercosul e o Conselho de Defesa Sul-Americano. O império estadunidense usará a Aliança do Pacífico como contraponto às iniciativas de integração soberana e conta, para isso, com seus aliados na América Latina, uma vasta rede que inclui não só governos como os do México e Colômbia, mas também as forças direitistas no interior de cada um dos nossos países. A Celac poderá atuar como um contraponto às ações golpistas na América Latina e Caribe, como aconteceu em Honduras (2009) e no Paraguai (2012)? Sem dúvida, podemos esperar dessa instituição um papel duplamente positivo, primeiro no sentido dissuasório, ou seja, de elevar o custo político de operações dessa natureza e, segundo, como agente de defesa da democracia, ao facilitar a articulação política e diplomática para combater e reverter as ações golpistas, que invariavelmente assumem um caráter reacionário. A instituição pode se consolidar como um instrumento político para a integração continental? A integração continental pode ser facilitada pela formação de instituições criadas com essa finalidade, mas o fator principal para que a integração aconteça se situa no jogo político efetivo, do qual as mudanças institucionais são mera decorrência. Assim, é ilusório esperar avanços dramáticos de integração regional ou continental no curto prazo. O que se pode, sim, esperar da Celac é que ela proporcione um ambiente mais favorável a iniciativas de integração com base em práticas solidárias e cooperativas, como o Banco do Sul. Poderá contribuir resistindo às ofensivas do imperialismo... Uma instituição como a Celac é importante não só pelo que ela poderá apresentar como realizações efetivas, mas também pelos projetos nefastos que poderá dificultar ou mesmo evitar que se apresentem. O velho plano imperialista que atrelar o continente a uma área de livre-comércio do tipo ultraliberal enfrentará maior resistência se as forças progressistas da América Latina conseguirem consolidar uma rede firme de instituições integracionistas marcadas pelo protagonismo de outras concepções, soberanistas, socialistas e desenvolvimentistas. A Celac surgiu como um contraponto à OEA, que tem forte influência dos Estados Unidos. Qual a importância dos países latino-americanos construíram uma nova instituição? Desde o início do século 19, quando a dominação ibérica deu lugar a um conjunto de países independentes, trava-se uma disputa em torno da identidade da nossa região. Bolívar defendia a união das antigas colônias espanholas, e mais tarde o cubano José Martí defendeu o conceito de Nuestra América, o que inclui, naturalmente, o Brasil. Tanto Bolíviar quanto Martí tinham muito clara a necessidade de evitar o domínio da região pelos Estados Unidos, que, sobretudo no final do século 19, já deixavam evidente sua opção pelo imperialismo. A atuação estadunidense nesse debate se dá no sentido oposto. Especialmente, com a Doutrina Monroe... O presidente James Monroe, ao lançar a doutrina que leva seu nome, inaugurou um enfoque com base na ideia do Hemisfério Ocidental. Essa é a origem do pan-americanismo, que entende as três Américas como um espaço em que a liderança política e econômica só poderá ser exercida pelos Estados Unidos. Já a ideia de América Latina recupera os ideais de Bolívar e Martí ao ressaltar a identidade comum dos povos de língua espanhola, portuguesa e indígenas, uma história que é cultural e também política, alicerçada no jugo neocolonial e imperialista, e também econômica, na medida em que compartilhamos a inserção periférica no sistema capitalista global. Como esse processo se deu nas últimas décadas? Nas décadas de 1980 e 1990, quando o imperialismo estadunidense estava em plena ofensiva na região, e também no mundo, seus porta-vozes fizeram de tudo para diluir o conceito de América Latina, substituído pela ideia falaciosa das Américas, ou simplesmente o Hemisfério Americano. A partir de 2000, a mudança na correlação de forças regional, em favor das forças de esquerda e das propostas progressistas de um modo geral, trouxe consigo uma defesa revigorada da ideia de América Latina, da qual a Celac é a expressão mais contundente.