Mídia e a Privataria: silêncio ensurdecedor

Do Observatório da Imprensa: O livro de Amaury Ribeiro Jr. reúne escândalos para todos os gostos e, dentre estes, alguns mais suculentos que outros, mas sempre um prato cheio para todos os que conseguem ver o mundo da política apenas em preto e branco, colocando em preto todos os bandidos, mortos ou vivos e, em branco, todos os que se encontram em franco processo de beatificação.

Escrito en BLOGS el
O silêncio ensurdecedor Por Washington Araújo, no Observatório da Imprensa A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr. e editado pelo selo Geração Editorial, reúne escândalos para todos os gostos e, dentre estes, alguns mais suculentos que outros, mas sempre um prato cheio para todos os que conseguem ver o mundo da política apenas em preto e branco, colocando em preto todos os bandidos, mortos ou vivos e, em branco, todos os que se encontram em franco processo de beatificação. Ribeiro Jr. se veste como Sherlock Holmes e investe pesado no ativo humano mais valioso desde que o mundo é mundo: o tempo. E foram 12 anos de investigações para preencher suas 334 páginas. Os ingredientes básicos, porque ainda não consegui receber um exemplar do livro – em Brasília encontra-se esgotado antes mesmo de ser lançado (!) –, são esses: ** Negociatas na venda de empresas estatais de grande e médio portes ao longo de dois mandatos presidenciais; ** Envolvimento de familiares de um ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e de um por duas vezes candidato à Presidência da República, José Serra, em negócios mal contados e em que é lapidado o patrimônio público; ** A paradisíaca Ilhas Virgens Britânicas em sua face mais frequentada de paraíso fiscal de fortunas sem origem explicada; ** Um banqueiro onipresente e sempre assíduo em noticiários que envolvem escândalos financeiros – Daniel Dantas; Mercado informal Apenas com esses quatro ingredientes, o que está escrito nas 334 páginas do livro já assegurariam alguma mínima mobilização na grande imprensa. E já teria tempero suficiente para escalar as manchetes dos telejornais da TV Globo, as páginas amarelecidas da revista Veja, a cadeira do Jô Soares, o lugar da baleia branca e do mico leão dourado no Globo Repórter, o rosto indignado e algo fake do âncora Boris Casoy em seu jornal na Band, os comentários dramáticos de Lúcia Hippolito e Merval Pereira em clima de “o mundo, caro ouvinte, se não fechar para balanço hoje, acaba, no máximo, até segunda-feira”, e completa ausência de seus fragmentos nas colunas de Janio de Freitas e Clóvis Rossi, para citar apenas os mais importantes colunistas de política do jornalismo impresso brasileiro. Mas nada disso aconteceu. Por que será? E aquele compromisso de empresa de comunicações dizendo do respeito à pluralidade de opiniões, de não se submeter a qualquer interesse político-partidário e de total busca da verdade? Pela primeira vez no Brasil vemos o mundo real se recusar a ser puxado pelo mundo virtual: nas redes sociais, nos blogues ditos sujos e às vezes limpos, e nos milhares de comentários colocados ao final da menção do livro do Amaury Ribeiro por qualquer sítio independente, o assunto é um só: o livro de Amaury. Para que o tema não passasse em brancas nuvens, a edição da Folha de S.Paulo de segunda-feira (12/12) não se furtou a tratar de escândalos políticos, mas não tão recentes assim. Na página A8 do caderno “Poder” temos, abrindo o noticiário, “Livro de Dilma liga Serra a ataques anônimos em 2010”, como o subtítulo “Obra associa tucano a e-mails sobre aborto; ele diz que acusação é falsa”. Não fica por aí e, então, temos uma lição viva sobre a arte de requentar escândalos na página A9 do mesmo caderno, toda esta dedicada ao assunto de seu único e principal título: “Collor recebeu dossiê Cayman, afirma PF”, como o subtítulo “Inquérito diz que papeis forjados em 1998 contra tucanos foram entregues nas mãos do ex-presidente em Maceió”. O caso Cayman, na Folha, teve direito a foto de Collor e a retrancas didáticas como “O que foi o dossiê”, “Negociações”, “Prisão”, “Acervo”, “Quem foi citado” e “Outro lado”. Sobre o livro do Amaury Ribeiro Jr. nenhuma linha e, a continuar nesse passo, logo teremos uma manchete bradando que “Gregório Fortunato é o verdadeiro autor do atentado da Toneleros”. No mundo real, uma primeira edição de nada desprezível tiragem de 15 mil exemplares do livro simplesmente sumiu das vitrines e das prateleiras da mais importante livraria do país. E em não mais que 24 horas. A Privataria Tucana é a versão literária do filme Tropa de Elite, ao menos quanto à sua forma de recepção: o filme de 2007, dirigido por José Padilha, primeiro virou sucesso de público e logo depois, de crítica, após vazar inicialmente no mercado informal da privataria, ops!, digo, da pirataria digital. E chegou a ser uma das maiores bilheterias do cinema brasileiro de todos os tempos. O subtítulo no cartaz do filme de Padilha: “Missão dada é missão cumprida”. Omissão da imprensa Mas as comparações param por aqui. O filme tem o capitão Nascimento usando de todas as armas – literalmente – para combater o tráfico de drogas nos morros cariocas e também dentro da hierarquia das forças de segurança pública no estado do Rio de Janeiro. O livro tem o jornalista Amaury Ribeiro Jr. dedicando 12 anos de sua vida para esmiuçar segredos muito comentados da República, mas sempre interditados na grande imprensa – que, rasgando todos os princípios que devem nortear o bom jornalismo, resolve ter uma crise de sua já detectada bipolaridade: por um lado ignora de forma sumária o livro e, por outro, investe contra o autor, desqualificando-o como profissional e também como cidadão (ver, neste Observatório, “A natureza bipolar da imprensa“). O filme teve uma continuação, o Tropa de Elite 2, mas o livro fica a dever sua continuação ou... enfeixará na forma de livro os melhores textos que transitam no mundo virtual tratando principalmente da omissão da imprensa ao conteúdo do livro. Daí poderá surgir A Privataria Tucana – Quando a imprensa se faz passar por túmulo, tendo como subtítulo “O barulhento silêncio da mídia”.