Centenário da torcida que é dona de um time

Muitos times importantes possuem grandes torcidas. No caso do Corinthians, é a torcida que possui um time. Meu filho Francisco passou a manhã hoje com o uniforme alvi-negro. Foi a nossa forma de participar da festa do Centenário. Pensei em escrever sobre o aniversário do poderoso Timão aqui no blog. Quando começava a batucar o texto, recebi o relato de Mauro Carrara. Emocionante. Confiram!

Escrito en BLOGS el
 
[caption id="attachment_3240" align="aligncenter" width="535" caption="Amor incondicional, identidade construída na vitória e na derrota "][/caption] Meu filho Francisco passou a manhã hoje com o uniforme alvi-negro. Foi a nossa forma de participar da festa do Centenário, projetando para o filho a reverência paterna ao Corinthians. Aliás, ele usou a camiseta que ganhou do avô (meu pai) ainda na maternidade. A devoção alvi-negra passa de pai para filho, mais do que qualquer outra entre os times paulistas: é o que mostra pesquisa do DataFolha hoje (será que nessa podemos confiar?) Pensei em escrever sobre o aniversário do poderoso Timão aqui no blog. Quando começava a batucar o texto, recebi o relato de Mauro Carrara. Emocionante. De alguma forma, fala por mim e por tantos outros corinthianos. Confiram… === O TIME DOS ANARQUISTAS, CEM ANOS DE RESISTÊNCIA por Mauro Carrara   Há exatos 100 anos, um grupo de operários do bairro do Bom Retiro, em São Paulo, praticou um ato de “desobediência civil”.   À luz de um lampião, na rua, os insurretos decidiram criar um time de futebol do povo e para o povo.   Atrevidos, decidiram que a nova agremiação não deveria se contentar com a várzea.   O plano era formar um esquadrão para enfrentar, de igual para igual, os clubes da fechada elite paulistana.   Ousados, já meteram a mão em foices para abrir uma cancha num terreno baldio, pertencente a um lenheiro do bairro.   E, no primeiro jogo, contra o União Lapa, saíram em passeata até o palco da contenda.   Mas como passeata? Passeata, sim senhor, porque essa gente era sobretudo anarquista, com a graça do bom Deus.   O primeiro presidente do clube, o ítalo-brasileiro Miguel Battaglia, por exemplo, tivera contanto com o anarcossindicalismo ao prestar serviços para a Light.   É dele a frase cândida, mas também desafiadora, que guia a nação alvinegra até hoje: “Este é o time do povo, e é o povo que vai fazer o time”.   Essa turminha do barulho lia o jornal anarquista de Gigi Damiani, o La Battaglia, que exortava os trabalhadores a fundarem suas próprias escolas e agremiações esportivas.   O time dos anarquistas não tinha bagunça. Cada um sabia das suas atribuições. Cada um assumia uma responsabilidade, conforme o que se aprendera de Bakunin e Malatesta.   E assim se estruturou. Em 1913, os meninos bons de bola conquistam o direito de participar da divisão principal do futebol paulista.   Ao mesmo tempo, o Paulistano e a A. A. das Palmeiras (nada a ver com o atual Palmeiras), enojados do cheiro do povo, se retiraram da liga e resolveram disputar um torneio paralelo.   Começava ali uma história de ódio.   A imprensa questionava a presença de um time de iletrados no mundo do chiquérrimo futebol, um jogo inventando por lordes ingleses.   Quanta petulância!   E para acirrar ainda mais os ânimos, o time dos anarquistas admitia gente de todos os tipos.   Logo agregava os negros, os mulatos, os caboclos e outros filhos da terra.   Mais um pouco e atraía também os outros segregados, polacos, libaneses, alemães, sírios, japoneses e gregos, gente que somente se entendia na alegria de torcer pelo Corinthians.   Imaginem o escândalo: um time de anarquistas, pretos, imigrantes e boêmios invadindo as elegantes festas do Velódromo.   Se o Corinthians ainda existe é por conta da brava resistência ao preconceito.   Tudo lhe foi sempre negado ou dificultado.   A mídia paulistana sutilmente construiu um estereótipo desabonador do corinthiano: é o ladrão, favelado, sem modos, sujo e vagabundo.   E mesmo criminalizado o Corinthians sobreviveu, e se fortaleceu.   E fortaleceu-se por qual motivo? Justamente porque sempre se cria um espírito de resistência solidária entre os oprimidos, ofendidos e injustiçados.   Passaram-se 100 anos, e nada mudou.   O Corinthians continua sendo alvo preferencial da mídia monopolista.   Se o grande São Paulo Futebol Clube recebe um financiamento do BNDES não há nada de errado. É a ordem natural das coisas.   Ora, mas se o banco vai financiar a “pretalhada”, os “gambás”, aí é uma vergonha.   Se a ordem é investir dinheiro público no rico bairro do Morumbi, a imprensa sorri de orelha a orelha.   Mas se a grana toma o rumo de Itaquera, na esfolada Zona Leste, já vira um caso de polícia.   Estadão, Folha, Abril, Globo, ESPN, entre outras organizações midiáticas aproveitaram para criminalizar mais uma vez a paixão de Lula pelo time do povo.   Está aí um prato cheio para colunistas políticos travestidos de colunistas esportivos: juntou o time dos anarquistas, do populacho, com o operário nordestino que se meteu a ser presidente…   Ai, não dá, né? Ainda mais quando ambos, o time e o presidente apresentam atributos que encantam o povo e, logicamente, o eleitorado.   Aqui, no Brás, os fogos espoucaram durante toda a madrugada.   Subiam dos quintais de cortiços, das janelas de apartamentos minúsculos, de ruelas esquecidas e escuras, dos lugares onde o povo do Brasil ainda resiste, invisivelmente.   Ahhh… Quanto ódio, meu Corinthians, mas quanta amorosa resistência!   Parabéns pra você!