Mino Carta: o Terror é anacrônico?

Por Mino Carta: O terrorismo não morre com Bin Laden, o próprio Barack Obama reconheceu no discurso do anúncio da ação fulminante que entregou a Alá o príncipe do terror. Não é prova de otimismo exagerado, contudo, admitir que o caminho da Al-Qaeda estreitou-se. A começar pelo fato de que não há substituto à altura para personagem tão carismática, feroz e determinada até a obsessão.

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O Terror é anacrônico? Por Mino Carta, na CartaCapital O terrorismo não morre com Bin Laden, o próprio Barack Obama reconheceu no discurso do anúncio da ação fulminante que entregou a Alá o príncipe do terror. Não é prova de otimismo exagerado, contudo, admitir que o caminho da Al-Qaeda estreitou-se. A começar pelo fato de que não há substituto à altura para personagem tão carismática, feroz e determinada até a obsessão. Herdeiro natural poderia ser Ayman al-Zawahiri, médico egípcio tido como ideólogo do terrorismo islâmico. Segundo fontes paquistanesas, sua investidura se seguiria a um período de comando exercido por parte do “Conselho”, chamado a reunir um grupo de notáveis. Sabe-se, porém, que Zawahiri conta com opositores poderosos, acusam-no de falar muito, e sempre a favor de operações extremadas, e realizar pouco. Outra figura cotada é Abu Yahya Al-Libi, de origem líbia, 48 anos. Trata-se de um orador empolgado, tido como intelectual vocacionado para a poesia e, ao mesmo tempo, liderança dura, inclinada a misturar terror com insurreição. Já foi capturado pelos americanos, e conseguiu evadir-se do cárcere de Bagram, no Afeganistão, herói de uma fuga rocambolesca. Foi declarado morto mais de uma vez. Estaria vivo? Mistério. Terceira personagem focalizada pelos analistas europeus é o imã Anwar al-Awlaki, porta-voz da facção iemenita, singular por dispor de nacionalidade dupla, americana a segunda, pois nascido no México, em Las Cruces, e expressar-se com fluência em inglês. Mas, se é difícil substituir Bin Laden, outro gênero de dificuldades se apresenta na rota da Al-Qaeda. As revoltas que abalam há meses o mundo árabe do Magreb ao Oriente Médio levam às praças, dispostas a lutar, massas sequiosas de democracia e por ora claramente infensas ao terrorismo como instrumento de sua reivindicação. Há bons motivos para acreditar que sobretudo a juventude árabe milita na frente oposta àquela dos crentes do insanável conflito entre Islã e Ocidente. Neste ponto também Barack- Obama insistiu no seu discurso de 3 de maio, para acentuar, com a devida veemência, que os EUA não fazem guerra ao Islã. As inquietações dos muçulmanos, amiúde- vincadas por resultados violentos, são, de verdade, evento que precede a morte de Bin Laden. Mostram que, no mundo do príncipe do terrorismo, a sua pregação não comove as massas. E temos aqui mais um motivo de esperança em relação ao futuro próximo. Mesmo assim, uma pergunta cabe: caso as demandas das populações forem frustradas, não seria inevitável que os herdeiros de Bin Laden cuidassem de explorar a desilusão? Ou mesmo a raiva? A Al-Qaeda mantém a tradição de agir com notável senso de oportunidade em áreas agitadas. E a agitação de nações desatendidas por quem de início parecia pronto a lhes dar ouvidos não é hipótese arriscada demais. Egito e Tunísia aí estão na espera, até agora vã, da mudança que a maioria pretendia. Nem se fale da Síria e dos emirados onde a diplomacia ocidental finge-se de cega. A Líbia é uma incógnita, a despeito de rejeição de Kaddafi à Al-Qaeda: na Tripolitânia o ditador continua a contar com o apoio popular enquanto as tribos da Cirenaica têm seus motivos para constatar o lado patético do apoio ocidental. O terrorismo é anacrônico nos dias de hoje, há quem diga, mas a hipocrisia dos mais fortes não deixa por menos. Tanto um quanto outra funcionaram admiravelmente até ontem, mas agora dão sinais de obsolescência. Ainda assim, aquele habilita-se a ter mais durabilidade. Quanto à hipocrisia, está sempre disposta a seguir adiante, basicamente inalterada, com a expressão impávida de Buster Keaton. Eis o perigo, porque, de certa forma, uma alimenta o outro. Como a desigualdade social põe a fermentar os índices de criminalidade. Há fortes evidências de que o mundo atual já não suporta a retórica urdida para salvaguardar interesses estritamente materiais e estratégicos (petróleo em primeiro lugar) por trás de lições inflamadas de democracia. Por que o Ocidente se move em certas direções e não em outras, quando, a ser coerente, teria de agir em ambas? Nunca, talvez, certos aspectos do comportamento ocidental, americano especialmente, ficaram tão evidentes. Que a morte de Bin Laden seja celebrada por fluvial euforia nos Estados Unidos, e tanto mais no ground zero, é compreensível. Que a operação cinematográfica levada a cabo no Paquistão seja ovacionada em praças e calçadas justifica-se, mesmo porque a vingança é sentimento de força imensa, apreciado até por Aristóteles. Que fosse inimaginável prender Bin Laden para processá-lo à moda de Nuremberg está a intermináveis léguas do óbvio. O que choca é o renovado ufanismo ianque. O nacionalismo exaltado é deplorável em qualquer latitude. Mesmo porque revela, antes do provincianismo, a insegurança. Não é desagradável, muito pelo contrário, que Barack Obama se fortaleça nessa circunstância na perspectiva das próximas eleições presidenciais contra o reacionarismo do Tea Party e quejandos republicanos. Falta, porém, bastante tempo para o pleito e CartaCapital supõe que, na hora azada, a questão econômica, com seus reflexos no bolso dos cidadãos, terá mais peso do que qualquer outra sobre a decisão final da maioria dos eleitores. Obama, aliás, e infelizmente, não desiste da retórica, e lá vem ele com sua God Bless America. Tudo até o momento indica que Deus não tem maior interesse pelo ser criado à sua imagem e semelhança, mas se houver a mais pálida chance de sermos ouvidos por Ele, rogamos que abençoe o mundo todo, a viver, e o Altíssimo sabe como ninguém, em eterna turbulência.

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